A respeito do chamado “poder de polícia administrativa”, assinale a alternativa correta.
- A) Com o advento do Estado social e a ampliação das funções estatais, o poder de polícia passou a ser também instrumento de persecução de interesses coletivos voltados à melhoria das condições socioeconômicas e à promoção do bem-estar da sociedade.
- B) O exercício do poder de polícia administrativa coincide com o papel de agente regulador da economia desempenhado pelo Estado Democrático neoliberal instalado após o projeto de Reforma do Estado aprovado nos anos 1990.
- C) O poder de polícia administrativa é aquele que, em contraposição ao exercício da polícia militarizada, destina-se à investigação dos ilícitos penais, em auxílio do desempenho da função jurisdicional pelo Estado.
- D) O exercício do poder de polícia administrativa pressupõe a criação pela Administração de limitações aos direitos e liberdades individuais não previstas inicialmente na lei, em respeito aos interesses da coletividade.
- E) A missão primordial do exercício do poder de polícia é o asseguramento da ordem econômica e tributária, privilegiando-se as garantias constitucionais à livre iniciativa e ao empreendedorismo cidadão.
Resposta:
A alternativa correta é letra A) Com o advento do Estado social e a ampliação das funções estatais, o poder de polícia passou a ser também instrumento de persecução de interesses coletivos voltados à melhoria das condições socioeconômicas e à promoção do bem-estar da sociedade.
Gabarito: letra A.
Incialmente, observa-se que o poder de polícia, o qual tem previsão legal no art. 78 do CTN, consiste na faculdade conferida ao Estado de estabelecer regras restritivas e condicionadoras do exercício de direitos e garantias individuais, tendo em vista o interesse público. Nos termos legais:
“Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interêsse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de intêresse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. (Redação dada pelo Ato Complementar nº 31, de 1966)”
Partindo-se dessas premissas, julguemos as alternativas:
a) Com o advento do Estado social e a ampliação das funções estatais, o poder de polícia passou a ser também instrumento de persecução de interesses coletivos voltados à melhoria das condições socioeconômicas e à promoção do bem-estar da sociedade. – certa.
Conforme lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, atribui-se ao Estado Social de Direito a missão de buscar a igualdade material. Para atingir essa finalidade, o Estado deve intervir na ordem econômica e social para ajudar os menos favorecidos; a preocupação maior, em relação ao Estado Liberal, desloca-se da liberdade para a igualdade.
Uma das tendências então verificadas foi a da socialização, que designa a preocupação com o bem comum, com o interesse público, em substituição ao individualismo imperante, sob todos os aspectos, no período do Estado Liberal. (DI PIETRO, Maria Sylvia. Saiba o que é o Estado Social de Direito. Disponível em: http://genjuridico.com.br/2019/06/19/estado-social-de-direito/. Acesso em: 25/07/2022).
Nesse contexto, efetivamente, com o advento do Estado Social e a ampliação das funções estatais, o poder de polícia passou a ser também instrumento de persecução de interesses coletivos voltados à melhoria das condições socioeconômicas e à promoção do bem-estar da sociedade.
Exemplo da utilização do poder de polícia com vistas à efetivação dos direitos sociais é a fiscalização e a aplicação de multas pelos auditores fiscais do trabalho em face do descumprimento de normas trabalhistas por determinada empresa.
b) O exercício do poder de polícia administrativa coincide com o papel de agente regulador da economia desempenhado pelo Estado Democrático neoliberal instalado após o projeto de Reforma do Estado aprovado nos anos 1990. – errada.
Ante à necessidade de limitação do absolutismo, que imperou até o século XVIII, surgiu o Estado Liberal, que teve como característica a limitação do poder estatal, principalmente de duas formas:
- separação de Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário);
- bem como por meio de uma atuação estatal negativa, é dizer, apenas como protetor das liberdades individuais.
Ocorre que, passado o tempo, constatou-se a incapacidade do Estado Liberal em assegurar os direitos básicos da população, de modo que, ao longo do século XX, foram surgindo, com a edição de novas Constituições, os Estados Sociais.
Conforme já exposto no comentário anterior, o Estado Social era mais atrelado à ideia de igualdade material, é dizer, aquela resultante da busca da repartição dos bens sociais por todos os indivíduos.
Contudo, com o passar do tempo percebeu-se, também, que os Estados não seriam capazes de fornecer diretamente tantos serviços à população. Como consequência, o final do século XX foi marcado por uma nova mudança na estruturação das funções do Estado na maior parte do mundo. Abandonou-se a visão de que a Administração Pública deveria intervir fortemente na economia, deixando aos particulares a realização de importantes investimentos para a satisfação de necessidades sociais.
O Estado, todavia, não se desocupou completamente das atividades que exercia anteriormente, reservando-se ao papel de REGULADOR. No Brasil, a CF/88 incorporou essas mudanças, principalmente no art. 173, que determina que a exploração direta de atividade econômica pelo Estado é excepcional, e no art. 174, que delineia a função do Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica, responsável pelas funções de fiscalização, incentivo e planejamento.
Com o avanço das privatizações na década de 90 do século passado, o Brasil passou a desenvolver mecanismos para regular as atividades, adotando como parâmetro o sistema norte-americano de agências reguladoras.
Conforme lição de José dos Santos Carvalho Filho:
“No processo de modernização do Estado, uma das medidas preconizadas pelo Governo foi a da criação de um grupo especial de autarquias a que se convencionou denominar de agências, cujo objetivo institucional consiste na função de controle de pessoas privadas incumbidas da prestação de serviços públicos, em regra sob a forma de concessão ou permissão, e também na de intervenção estatal no domínio econômico, quando necessário para evitar abusos nesse campo, perpetrados por pessoas da iniciativa privada.” (CARVALHO FILHO; José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 32ª ed. São Paulo: Atlas, 2018. P. 577)
EM SÍNTESE, o exercício do poder de polícia administrativa não coincide com o papel de agente regulador da economia. Comparemos os conceitos:
PODER DE POLÍCIA | FUNÇÃO REGULADORA |
Faculdade conferida ao Estado de estabelecer regras restritivas e condicionadoras do exercício de direitos e garantias individuais, tendo em vista o interesse público. | Função de controle de pessoas privadas incumbidas da prestação de serviços públicos, em regra sob a forma de concessão ou permissão, e também na de intervenção estatal no domínio econômico, quando necessário para evitar abusos nesse campo, perpetrados por pessoas da iniciativa privada. |
Fontes:
(DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 33ª ed. São Paulo: Atlas, 2020)
(DEL MASSO, Fabiano. Direito Econômico Esquematizado.2ª ed. São Paulo: Método, 2012)
(FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Lições de Direito Econômico. 7ª ed. Rio de Janeiro: Método, 2014)
c) O poder de polícia administrativa é aquele que, em contraposição ao exercício da polícia militarizada, destina-se à investigação dos ilícitos penais, em auxílio do desempenho da função jurisdicional pelo Estado. – errada.
Em verdade, a polícia judiciária (e não a polícia administrativa) destina-se à investigação dos ilícitos penais, em auxílio do desempenho da função jurisdicional pelo Estado.
Nesse sentido:
POLÍCIA ADMINISTRATIVA | POLÍCIA JUDICIÁRIA | |
OBJETO DE INCIDÊNCIA | Incide sobre bens, direitos ou atividades; | Atua apenas sobre as pessoas; |
INFRAÇÕES TRATADAS | Atua na área do ilícito administrativo; | Atua no caso de ilícitos penais; |
ÓRGÃOS COMPETENTES | É inerente e se difunde por toda a Administração Pública; | É privativa de órgãos especializados (Polícia Civil, Policia Militar ou Polícia Federal); |
CARÁTER | Predominantemente preventivo, mas também pode ser exercida para reprimir abusos. | Predominantemente repressivo, mas também atua de forma preventiva. |
(ALEXANDRE, Ricardo; DEUS, João de. Direito Administrativo Esquematizado.1ª ed. São Paulo: Método, 2015. P. 235)
d) O exercício do poder de polícia administrativa pressupõe a criação pela Administração de limitações aos direitos e liberdades individuais não previstas inicialmente na lei, em respeito aos interesses da coletividade. – errada.
Em observância ao princípio da legalidade, o qual estabelece que o exercício da função administrativa não pode ser pautado pela vontade da Administração ou dos agentes públicos, mas deve obrigatoriamente respeitar a vontade da LEI (MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo.11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2021.P. 218), tem-se que o poder de polícia somente pode ser exercido nos estritos limites legais.
e) A missão primordial do exercício do poder de polícia é o asseguramento da ordem econômica e tributária, privilegiando-se as garantias constitucionais à livre iniciativa e ao empreendedorismo cidadão. – errada.
Diferentemente do que afirmado, a função primordial do poder de polícia é a garantia do interesse público, não se limitando ao asseguramento da ordem econômica e tributária.
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