O conceito de poder de polícia vem sofrendo mutações e questionamentos especialmente a partir da segunda metade do século XX. O poder de polícia versa sobre em que medida e sob qual regime o Estado pode interferir na liberdade e propriedade dos particulares. Nesse contexto, é correto afirmar que:
- A) na licença, ao contrário da autorização, a administração tem que manifestar seu consentimento para que o particular possa exercer em direito. A norma delega aspectos à apreciação da administração no caso concreto.
- B) a supremacia do interesse público sobre interesses particulares é o fundamento da moderna compreensão do conceito de poder de polícia, ampliando a discricionariedade do Estado nas limitações impostas aos particulares.
- C) com a releitura do poder de polícia, passou a ser amplamente aceita a delegação do exercício do poder de polícia a particulares, estranhos à administração pública.
- D) os atos praticados no exercício do poder de polícia não são autoexecutórios, daí a necessidade de o poder público recorrer ao Poder Judiciário para, por exemplo, demolir urna edificação irregular.
- E) as vistorias periódicas em edifícios, bem como as pesagens em caminhões nas estradas são exemplos de atuação do Estado por meio do poder de polícia de fiscalização, a qual pode ser repressiva ou preventiva.
Resposta:
A alternativa correta é letra E) as vistorias periódicas em edifícios, bem como as pesagens em caminhões nas estradas são exemplos de atuação do Estado por meio do poder de polícia de fiscalização, a qual pode ser repressiva ou preventiva.
Letra A: errada! A licença é ato administrativo negocial vinculado e definitivo a ser editado nas situações legais em que a anuência da Administração Púbica é reputada como condição essencial para que o particular possa exercer um direito subjetivo do qual é titular. São exemplos, a licença para dirigir e a concessão de alvará para realização de obra.
A autorização, por sua vez, é ato administrativo negocial discricionário pelo qual a Administração, pautada em critérios de oportunidade e conveniência, permite ao particular o exercício de uma atividade de seu interesse predominante ou defere a ele o uso de um bem público. Por corresponder a ato discricionário, o requerente não titulariza o direito subjetivo de obter o ato negocial, havendo, em verdade, um mero interesse de sua parte.
É correto afirmar que na licença, ao contrário da autorização, a administração tem que manifestar seu consentimento para que o particular possa exercer em direito, afinal, na autorização não existe direito, mas mero interesse do particular. O erro, contudo, está em indicar que na licença a norma delega aspectos à apreciação da administração no caso concreto.
A licença é ato vinculado, o que significa dizer que demonstrado o atendimento de todos os pressupostos fixados em lei, a Administração fica obrigada a praticar o ato negocial em favor do particular.
Letra B: errada! Realmente, a supremacia do interesse público sobre interesses particulares é o fundamento da moderna compreensão do conceito de poder de polícia, todavia, isso não resultou na ampliação da discricionariedade do Estado nas limitações impostas aos particulares, mas sim na ampliação do campo de atuação do Estado no exercício do poder de polícia. Se a tutela do interesse público se tornou o fundamento inspirador dessa atuação estatal restritiva, deve o termo "interesse público" ser interpretado da forma mais ampla possível, abarcando todos os aspectos da vida em sociedade.
A professora Maria Sylvia Di Pietro explica:
Em nome do primado do interesse público, inúmeras transformações ocorreram: houve uma ampliação das atividades assumidas pelo Estado para atender às necessidades coletivas, com a consequente ampliação do próprio conceito de serviço público; o mesmo ocorreu com o poder de polícia do Estado, que deixou de impor obrigações apenas negativas (não fazer) visando a resguardar a ordem pública, e passou a impor obrigações positivas, além de ampliar o seu campo de atuação, que passou a abranger, além da ordem pública, também a ordem econômica e social. Surgem, no plano constitucional, novos preceitos que revelam a interferência crescente do Estado na vida econômica e no direito de propriedade; assim são as normas que permitem a intervenção do poder público no funcionamento e na propriedade das empresas, as que condicionam o uso da propriedade ao bem-estar social, as que reservam para o Estado a propriedade e a exploração de determinados bens, como as minas e demais riquezas do subsolo, as que permitem a desapropriação para a justa distribuição da propriedade; cresce a preocupação.
(PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administrativo, 30ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017)
Letra C: errada! Doutrina majoritária, apoiada na compreensão de que o poder de império (jus imperii) é privativo do Estado, defende não ser possível a delegação do exercício do poder de polícia a particulares estranhos à administração pública.
No julgamento da ADI n° 1.717/DF, o STF seguiu o mesmo fundamento e entendeu não ser possível entidades privadas exercerem o poder de polícia, que é típico do Estado.
É preciso destacar que o STJ, amparado na ideia de que as atividades que envolvem a concretização do poder de polícia dividem-se em quatro fases, a saber: i) ordem de polícia (legislação); ii) consentimento de polícia; iii) fiscalização de polícia; e iv) sanção de polícia, vem compreendendo que as fases de “consentimento de polícia” e de “fiscalização de polícia” podem ser delegadas a pessoas jurídicas de direito privado integrantes da administração pública.
Letra D: errada! Costuma-se apontar a discricionariedade, a autoexecutoriedade e a coercibilidade como os três atributos do poder de polícia.
Em síntese, a autoexecutoriedade é a aptidão da Administração Pública para, independentemente de prévia autorização ou determinação do Poder Judiciário, imediata e diretamente executar/realizar os atos administrativos, ainda que mediante o uso da força. De um modo geral, a autoexecutoriedade se fará presente quando:
- Houver previsão expressa em lei; ou
- Ainda que não exista previsão legal expressa, nas situações de emergência que exijam a imediata atuação estatal para evitar maiores prejuízos ao interesse público. Por exemplo: tendo notícia de que um edifício localizado na zona central da cidade, por defeitos em sua estrutura, está prestes a ruir, colocando em risco a integridade física de todos que por ali diariamente transitam, a Administração Pública poderá determinar a imediata demolição do imóvel, ainda que não exista ordem judicial neste sentido.
Letra E: correta! A alternativa está correta, pois ao que parece está fundamentada na doutrina de José dos Santos Carvalho Filho, para quem:
Não adiantaria deter o Estado o poder de impor restrições aos indivíduos se não dispusesse dos mecanismos necessários à fiscalização da conduta destes. Assim, o poder de polícia reclama do Poder Público a atuação de agentes fiscalizadores da conduta dos indivíduos.
A fiscalização apresenta duplo aspecto: um preventivo, através do qual os agentes da Administração procuram impedir um dano social, e um repressivo, que, em face da transgressão da norma de polícia, redunda na aplicação de uma sanção. Neste último caso, é inevitável que a Administração, deparando a conduta ilegal do administrado, imponha-lhe alguma obrigação de fazer ou de não fazer. Como exemplo, cite-se o caso em que o indivíduo construiu em área pública, tendo decidido o STJ que “a construção clandestina em logradouro público está sujeita à demolição, não tendo o invasor de má-fé direito à retenção, nem à indenização pelo município de eventuais benfeitorias”.
(CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 30ª ed. Ver., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2016) (Grifos nossos)
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