A propósito do poder de polícia administrativa e sua conformação atual, analise as assertivas abaixo e assinale a alternativa CORRETA.
I. A promoção da ordem pública também envolve deveres de colaboração ativa por parte de todos os integrantes da comunidade.
II. Afirmar que o poder de polícia administrativa é um instrumento de eficácia horizontal dos direitos fundamentais significa dizer que ele compreende a competência para impor aos sujeitos o dever de promover condutas ativas que satisfaçam, de modo mais adequado, os direitos fundamentais alheios e os interesses sociais.
III. O poder de polícia administrativa pode justificar medidas traduzidas no uso de força material pelo agente, destinada a constranger fisicamente os sujeitos envolvidos.
IV. A cobrança da taxa instituída para custear o poder de polícia não exige a demonstração da efetiva realização do serviço.
- A) Nenhuma das assertivas acima (I, II, III e IV) está correta.
- B) Todas as assertivas acima (I, II, III e IV) estão corretas.
- C) Apenas a assertiva I está correta.
- D) Apenas a assertiva II está correta.
Resposta:
A alternativa correta é letra B) Todas as assertivas acima (I, II, III e IV) estão corretas.
Gabarito da banca: letra B.
Gabarito do professor: anulada.
I. A promoção da ordem pública também envolve deveres de colaboração ativa por parte de todos os integrantes da comunidade. – certo.
Em um Estado Democrático de Direito, todos os cidadãos possuem, também, deveres para com a coletividade.
Segundo assevera Pedro Lenza:
“Dessa forma, diante da vida em sociedade, devemos pensar, também, a necessidade de serem observados os deveres, pois muitas vezes o direito de um indivíduo depende do dever do outro em não violar ou impedir a concretização do referido direito.
Dimoulis e Martins tratam do assunto, e procuraremos esquematizar o pensamento dos autores, identificando os seguintes deveres fundamentais:
■ dever de efetivação dos direitos fundamentais: sobretudo os direitos sociais e garantias das instituições públicas e privadas. Estamos diante da necessidade de atuação positiva do Estado, passando-se a falar em um Estado que tem o dever de realizar os direitos, aquela ideia de Estado prestacionista;
■ deveres específicos do Estado diante dos indivíduos: como exemplo, os autores citam o dever de indenizar o condenado por erro judiciário, o que se dará por atuação e dever das autoridades estatais;
■ deveres de criminalização do Estado: a Constituição determina que o Poder Legislativo edite atos normativos para implementar os comandos, como no caso do art. 5.º, XLIII, devendo haver a normatização do crime de tortura;
■ deveres dos cidadãos e da sociedade: como exemplos, os autores citam o dever do serviço militar obrigatório (art. 143 da CF) e a educação enquanto dever do Estado e da família (art. 205);
■ dever de exercício do direito de forma solidária e levando em consideração os interesses da sociedade: como exemplo, os autores citam o direito de propriedade que deve ser exercido conforme a sua função social (art. 5.º, XXIII, da CF);
■ deveres implícitos: segundo Dimoulis, ‘existem tantos deveres implícitos quantos direitos explicitamente declarados’, consistindo referidos deveres em ação ou omissão. E conclui no sentido de que ‘o direito de uma pessoa pressupõe o dever de todas as demais (quando se aceita a tese do efeito horizontal direto) e, sobretudo, das autoridades do Estado.’” (LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 21ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017. P.1111/1112)
Nessa linha, correto o item.
II. Afirmar que o poder de polícia administrativa é um instrumento de eficácia horizontal dos direitos fundamentais significa dizer que ele compreende a competência para impor aos sujeitos o dever de promover condutas ativas que satisfaçam, de modo mais adequado, os direitos fundamentais alheios e os interesses sociais. – certo.
A eficácia horizontal dos direitos fundamentais refere-se à situação em que os polos de uma relação são particulares, e ambos devem respeitar tais direitos. Opõe-se à ideia da eficácia vertical dos direitos fundamentais, em que há uma relação entre o Estado e o particular.
Nessa linha, quando, via poder de polícia, o Estado exige, por exemplo, autorização do corpo de bombeiros para que um estabelecimento comercial possa funcionar, há nessa situação a manifestação da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, pois as medidas impostas ao estabelecimento garantirão a segurança dos clientes.
Pelo exposto, tem-se que o item está correto.
III. O poder de polícia administrativa pode justificar medidas traduzidas no uso de força material pelo agente, destinada a constranger fisicamente os sujeitos envolvidos. – certo.
Segundo explicam de Ricardo Alexandre e João de Deus, citando Maria Sylvia Zanella Di Pietro, tem-se:
“Conforme Maria Sylvia Zanella Di Pietro, os meios de atuação do poder de polícia são: 1) os atos normativos em geral; e 2) os atos administrativos e operações materiais de aplicação da lei ao caso concreto.
1. Atos normativos: por meio da edição de leis, o Legislativo cria limitações administrativas ao exercício de direitos individuais; além disso, o Executivo pode disciplinar a aplicação das leis aos casos concretos, editando decretos, resoluções, portarias, instruções normativas;
2. Atos administrativos e operações materiais de aplicação ao caso concreto: consiste na adoção de medidas preventivas para evitar que o indivíduo descumpra a lei, tais como: fiscalização, vistoria e concessão de autorização ou licença; e de medidas repressivas, que objetivam obrigar o infrator a cumprir a lei, a exemplo da interdição de estabelecimentos comerciais, apreensão de mercadorias estragadas, dissolução de reunião, demolição de prédio que ameaça desabar ou internação de pessoa com doença contagiosa.” (ALEXANDRE, Ricardo; DEUS, João de. Direito Administrativo Esquematizado.1ª ed. São Paulo: Método, 2015.E-book. P.238)
Observando-se o exemplo de medidas repressivas, constata-se a existência de medidas que constrangem fisicamente os particulares, tais como interdição de estabelecimento, dissolução de reunião etc.
Nessa linha, tem-se que o poder de polícia pode sim traduzir-se em situações que constranjam fisicamente os particulares.
Correto, portanto, o item.
IV. A cobrança da taxa instituída para custear o poder de polícia não exige a demonstração da efetiva realização do serviço. – gabarito da banca: certo; gabarito do professor: errado.
O item confundiu duas espécies de taxa: a taxa de polícia e a taxa de serviço.
Para esclarecer o tema, vejamos a lição de Ricardo Alexandre:
1º) sobre a taxa de serviço:
“A cobrança de taxa de serviço (...) pode ser feita em face da disponibilização ao contribuinte de um serviço público específico e divisível. Quando esse serviço é definido em lei como de utilização compulsória e é posto à disposição do contribuinte mediante atividade administrativa em efetivo funcionamento, a taxa pode ser cobrada mesmo sem a utilização efetiva do serviço pelo sujeito passivo. É o que a lei denomina de utilização potencial (CTN, art. 79, I, b).” (grifou-se)(ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado.10ª ed. São Paulo: Método, 2016. P.29)
2º) sobre a taxa de polícia:
“Observe-se que a redação do art. 145, II, da Constituição deixa claro que a possibilidade de cobrança de taxa por atividade estatal potencial ou efetiva refere-se apenas às taxas de serviço, de forma que só se pode cobrar taxa de polícia pelo efetivo exercício desse poder. (...)
Neste ponto merece destaque um aspecto que tem gerado um conjunto de interpretações equivocadas. É comum que os municípios cindam a taxa ora estudada em duas: a) a de localização, cobrada previamente à instalação do empreendimento em determinado local do município, implicando a inscrição do requerente no cadastro de contribuintes; e b) a de funcionamento, cobrada periodicamente (são frequentes as exigências semestrais ou anuais), como condição para que a atividade se inicie e continue sendo regularmente exercida pelo interessado.
A periodicidade da cobrança da taxa de funcionamento é justificável pela necessidade de o poder público verificar se continuam sendo cumpridas as exigências legais que condicionam o exercício da atividade. Tal verificação é, nos termos estudados, típico exercício do poder de polícia, configurando, a cada nova fiscalização, novo fato gerador da taxa.
Todavia, há clássico entendimento jurisprudencial no sentido da ilegitimidade da cobrança periódica da taxa a título de mera renovação, sem que haja novo procedimento de fiscalização (o entendimento era semelhante tanto no STF – RREE 195.788, 113.835 e 108.222 – quanto no STJ – REsp 236.517 e 76.196). Não obstante, em decisões mais recentes o STF tem presumido o exercício do poder de polícia quando existente o órgão fiscalizador, mesmo que este não comprove haver realizado fiscalizações individualizadas no estabelecimento de cada contribuinte (RE 416.601). Não se pode afirmar que o Supremo Tribunal Federal passou a aceitar a cobrança de taxa de polícia sem o efetivo exercício do poder de polícia. A novidade reside na possibilidade de presunção do exercício de tal poder, pois se há órgão de fiscalização devidamente criado e integrado por servidores legalmente competentes para o exercício de certa atividade, parece razoável presumir que tal atividade está sendo exercida. A presunção vem em boa hora, permitindo a utilização da tecnologia e da inteligência fiscal como meios de superar a arcaica prevalência da fiscalização ostensiva de porta em porta.” (grifou-se)(ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado.10ª ed. São Paulo: Método, 2016. P.28/29)
Nesse contexto, tem-se que:
- A taxa de polícia, para sua cobrança, exige o efetivo exercício desse poder pelo Estado. Esse exercício, contudo, pode ser presumido pela existência de órgão de fiscalização devidamente criado e integrado por servidores legalmente competentes;
- A taxa de serviço, por sua vez, não exige a efetiva utilização do serviço para sua cobrança.
Conforme se observa, o item começa falando de taxa de polícia, e termina se referindo à “efetiva realização do serviço”.
Além disso, em consonância com a lição doutrinária exposta, "não se pode afirmar que o Supremo Tribunal Federal passou a aceitar a cobrança de taxa de polícia sem o efetivo exercício do poder de polícia".
Errado o item, portanto.
Conforme o exposto tem-se que estão corretos apenas os itens: I, II e III. Como não há nas alternativas essa correspondência, a questão deveria ter sido anulada.
Deixe um comentário