Entre os séculos XVII e XVIII, o Brasil colonial esteve marcado por vários conflitos. As diferenças punham em conflito colonizadores, indígenas, portugueses, estrangeiros e escravos. Com base nos conhecimentos sobre os principais movimentos de resistência no período colonial, é correto afirmar:
- A) As disputas econômicas e políticas de âmbito local, como a Revolta dos Beckman no Maranhão, expressavam a reação contra o aumento dos impostos exigidos pela Coroa na extração do ouro.
- B) A Guerra dos Mascates uniu mazombos e reinóis no movimento de resistência dos comerciantes de Recife ao governo português, que proibiu o comércio de açúcar e escravos.
- C) O processo de luta pela independência da colônia começou a assumir os seus contornos a partir da Inconfidência Mineira, impulsionado por transformações políticas de caráter internacional, particularmente a difusão das idéias iluministas e a Revolução Americana.
- D) Na base social da Inconfidência Mineira predominavam os escravos e negros libertos, inspirados nos princípios da Revolução Francesa e no exemplo da rebelião negra de São Domingos (Haiti), que se sublevaram contra a escravidão e a opressão.
- E) No que se refere aos seus objetivos políticos, tanto a Conjuração Baiana como a Conjuração Mineira eram radicais na defesa da abolição da escravatura.
Resposta:
A alternativa correta é letra C) O processo de luta pela independência da colônia começou a assumir os seus contornos a partir da Inconfidência Mineira, impulsionado por transformações políticas de caráter internacional, particularmente a difusão das idéias iluministas e a Revolução Americana.
Gabarito: ALTERNATIVA C
Entre os séculos XVII e XVIII, o Brasil colonial esteve marcado por vários conflitos. As diferenças punham em conflito colonizadores, indígenas, portugueses, estrangeiros e escravos. Com base nos conhecimentos sobre os principais movimentos de resistência no período colonial, é correto afirmar:
- a) As disputas econômicas e políticas de âmbito local, como a Revolta dos Beckman no Maranhão, expressavam a reação contra o aumento dos impostos exigidos pela Coroa na extração do ouro.
Há uma confusão muito básica sobre os ciclos e as atividades econômicas envolvidas nesse período. Ocorrida em 1684 no Maranhão, a Revolta de Beckman foi, de fato, uma das primeiras revoltas nativistas dentro da América Portuguesa. No entanto, estava inteiramente relacionada com os descontentamentos locais contra o comportamento da Companhia de Comércio do Maranhão, exigindo maior liberdade e maior respeito aos comerciantes locais enquanto as estruturas coloniais privilegiavam os comerciantes portugueses e o mercado metropolitano. Ou seja, a questão dos revoltosos tinha seu ponto focal na questão comercial, que era a principal atividade da região no século XVII. A grande região mineradora da América portuguesa só se desenvolveria de fato por poucas décadas do século XVIII e muito distante da capitania do Maranhão, aglutinando-se dentro do território das Minas Gerais. E foi nas cidades mineiras que certas reações contra o sistema tributário metropolitano sobre a extração de ouro eclodiram no século XVIII, sendo a Inconfidência Mineira (1789) a mais importante delas. Alternativa errada.
- b) A Guerra dos Mascates uniu mazombos e reinóis no movimento de resistência dos comerciantes de Recife ao governo português, que proibiu o comércio de açúcar e escravos.
No início do século XVIII, Olinda, então capital da capitania de Pernambuco, vivia um delicado declínio de sua produção açucareira e o comprometimento do comércio que sempre sustentou a cidade. Paralelamente, Recife - um subúrbio de Olinda - crescia em importância pela atuação dos comerciantes locais, que praticavam juros abusivos. Em 1710, a Coroa portuguesa autorizou a separação de Recife com a criação de uma Câmara Municipal e de um Pelourinho; provocando a ira dos senhores de engenho, que acabariam invadindo Recife, acusando os comerciantes ("mascates") pela penúria econômica de Olinda. Portanto, tratou-se de uma tensão local que extrapolou para um agravamento generalizado, com a ascendente Recife sendo enfrentada pelos locais - principalmente os mazombos, isto é, os "portugueses" já nascidos na América. De toda forma, era muito importante que o estudante se questionasse qual seria o interesse da Coroa portuguesa de estancar o lucrativo comércio de açúcar e de escravos, o que representava enormes ganhos metropolitanos. O dinamismo produtivo e exportador da colônia acabava sendo muito importante para o sucesso da empresa colonial. Alternativa errada.
- c) O processo de luta pela independência da colônia começou a assumir os seus contornos a partir da Inconfidência Mineira, impulsionado por transformações políticas de caráter internacional, particularmente a difusão das idéias iluministas e a Revolução Americana.
Há sempre certo exagero ao se tratar a Inconfidência Mineira (1789) como o marco zero de qualquer traço de identidade brasileira. De fato, houve ali uma organização local para se tentar implodir as estruturas portuguesas de domínio colonial, mas era, sobretudo, uma reação local aos tributos impostos por Portugal à extração de ouro em meio à franca decadência da região aurífera. Inspirados no triunfo da Revolução Americana (1776) e ávidos leitores da filosofia iluminista, os inconfidentes tinham certa percepção sobre a injustiça e a inconveniência da colonização e do Antigo Regime português. No entanto, isso não era expandido para o restante do país ou preconizava uma grande construção de sentimento nacional: a questão da Inconfidência Mineira repousava sobre a libertação da capitania das Minas Gerais. Outros movimentos nativistas ocorreram antes e depois do frustrado levante mineiro, ainda que parte importante da historiografia republicana dê relevância desproporcional ao movimento. Como se tratava de um concurso público de nível médio, a alternativa acaba sendo aceitável, mas poderíamos estabelecer muitas dúvidas e questionamentos contra esse entendimento dado pela banca. Assim, sob protestos, ALTERNATIVA CORRETA.
- d) Na base social da Inconfidência Mineira predominavam os escravos e negros libertos, inspirados nos princípios da Revolução Francesa e no exemplo da rebelião negra de São Domingos (Haiti), que se sublevaram contra a escravidão e a opressão.
Ainda que a Inconfidência Mineira tenha franca inspiração no Iluminismo, que seria crucial para o desenvolvimento da Revolução Francesa (1789), é completamente equivocado colocar o processo francês como norteador do caso brasileiro. Em abril de 1789, a conspiração mineira estava completamente debelada, ao passo que a Revolução Francesa seria iniciada apenas em maio daquele mesmo ano. A Revolução Haitiana, por seu turno, só seria deflagrada cinco anos mais tarde, e suas lutas se arrastariam por vários anos até a independência do país. Por fim, cumpre destacar, a maior parte dos inconfidentes era oriunda das classes mais abastadas da região e de profissionais liberais da sociedade mineira - ou seja, brancos letrados. Inclusive, os projetos dos inconfidentes eram muito reticentes quanto à questão da escravidão. Alternativa errada.
- e) No que se refere aos seus objetivos políticos, tanto a Conjuração Baiana como a Conjuração Mineira eram radicais na defesa da abolição da escravatura.
Como apontado acima, não havia uma posição clara na Inconfidência Mineira sobre a questão da escravidão, uma vez que muitos dos seus líderes eram, eles próprios, senhores de escravos. Por sua vez, a Conjuração Baiana (1798-1799) emergiu das contradições e das dificuldades vividas no ambiente da sua capitania. Salvador vivia ciclos de fome ao mesmo tempo em que a sociedade assumia uma configuração social bastante singular: negros e mulatos (livres e libertos) vinham constituindo uma classe de trabalhadores urbanos (muitos deles, alfaiates) e autônomos com importante capacidade de articulação política. Nos anos anteriores, a escassez de alimentos atingiu níveis gravíssimos e deflagrou revoltas e saques em diversos pontos de Salvador. Paralelamente, negros e mulatos compunham cerca de 80% da população da capitania, e a noção de pertencimento e de revolta dos libertos contra a escravidão dava uma capacidade explosiva às mobilizações sociais na Bahia. Influenciados pelos acontecimentos no Haiti, pela Revolução Francesa e pelo pensamento iluminista, esses trabalhadores urbanos conspiraram pela proclamação de uma republica baiana independente, com fortes vínculos com a França revolucionária e livre da escravidão. Ou seja, a revolta tinha como ponto focal as questões mais importantes da vida da capitania, pretendendo libertá-la dos dilemas fundamentais que assolariam o país no século seguinte. Alternativa errada.
Cumpre-nos destacar que numa questão dessa natureza, oriunda de um concurso de nível médio, é importante que o estudante mantenha certo grau de pragmatismo. Todas as alternativas, de fato, têm algum erro e alguma contradição bastante grave. No entanto, a alternativa C ecoa certos equívocos e certas visões viciadas que remontam a décadas de certa historiografia republicana, que foi repetida à exaustão no ensino básico brasileiro. Seria passível, sim, de recursos e de contestação - afinal, há importante produção bibliográfica que desmente essa visão -; mas, no momento da prova, é importante manter certa clareza pragmática. Como formação, de fato, o exercício é bastante problemático, mas é importante que o estudante tenha familiaridade com esse tipo de conduta frágil de bancas para evitar perder pontos e minutos preciosos no momento do concurso. Assim, com reservas, está correta a ALTERNATIVA C.
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