Eu por vezes tenho dito a V. A. aquilo que me parecia acerca dos negócios da França, e isto por ver por conjecturas e aparências grandes aquilo que podia suceder dos pontos mais aparentes, que consigo traziam muito prejuízo ao estado e aumento dos senhorios de V. A. E tudo se encerrava em vós, Senhor, trabalhardes com modos honestos de fazer que esta gente não houvesse de entrar nem possuir coisa de vossas navegações, pelo grandíssimo dano que daí se podia seguir.
Serafim Leite. Cartas dos primeiros jesuítas do Brasil, 1954.
O trecho acima foi extraído de uma carta dirigida pelo padre jesuíta Diogo de Gouveia ao Rei de Portugal D. João III, escrita em Paris, em 17/02/1538. Seu conteúdo mostra
- A) a persistência dos ataques franceses contra a América, que Portugal vinha tentando colonizar de modo efetivo desde a adoção do sistema de capitanias hereditárias.
- B) os primórdios da aliança que logo se estabeleceria entre as Coroas de Portugal e da França e que visava a combater as pretensões expansionistas da Espanha na América.
- C) a preocupação dos jesuítas portugueses com a expansão de jesuítas franceses, que, no Brasil, vinham exercendo grande influência sobre as populações nativas.
- D) o projeto de expansão territorial português na Europa, o qual, na época da carta, visava à dominação de territórios franceses tanto na Europa quanto na América.
- E) a manifestação de um conflito entre a recém-criada ordem jesuíta e a Coroa portuguesa em torno do combate à pirataria francesa.
Resposta:
A alternativa correta é letra A) a persistência dos ataques franceses contra a América, que Portugal vinha tentando colonizar de modo efetivo desde a adoção do sistema de capitanias hereditárias.
Gabarito: Letra A
(a persistência dos ataques franceses contra a América, que Portugal vinha tentando colonizar de modo efetivo desde a adoção do sistema de capitanias hereditárias.)
A posse da parte da América que coube aos portugueses foi realizada em 1500 pela expedição de Pedro Álvares Cabral. Depois de fincar uma cruz de madeira na terra em que esses exploradores portugueses desembarcaram, a expedição seguiu rumo à Índia para obter especiarias.
Entre 1501 e 1503, a Coroa portuguesa organizou expedições para sondar e reconhecer o litoral do novo território. Nesse contexto, foram dando nomes aos acidentes geográficos que encontraram na costa e criando feitorias para explorar o pau-brasil.
Interessada no comércio dessa madeira, a França organizou algumas expedições para o litoral brasileiro a fim de contrabandear o pau-brasil. A Coroa portuguesa enviou expedições guarda-costas para expulsar os franceses do litoral, mas essa ação se tornou muito difícil em função da dificuldade em se patrulhar o litoral que era grande e pelo número cada vez maior de franceses na costa brasileira.
No momento em que o jesuíta escreve ao rei D.João III, o Brasil estava sendo administrado pelo sistema de capitanias hereditárias, mas que se mostrava em dificuldades pelo desinteresse dos donatários, pelos ataques indígenas, pelas viagens de donatários mal-sucedidas e pelas constantes investidas dos franceses que aliavam a indígenas contrários aos colonos portugueses.
O que o jesuíta não poderia imaginar era que décadas mais tarde, os franceses organizariam um núcleo e povoamento na Baía de Guanabara entre 1555 e 1567, chamado de França Antártica.
Por que as demais estão incorretas?
Letra B: os primórdios da aliança que logo se estabeleceria entre as Coroas de Portugal e da França e que visava a combater as pretensões expansionistas da Espanha na América.
Portugal e França não eram aliados. A monarquia francesa desafiou as possessões espanholas e portuguesas delimitadas pelo Tratado de Tordesilhas de 1494. É célebre a frase do rei francês, Francisco I, questionando onde estava o testamento de Adão que dizia que o mundo pertencia aos espanhóis e portugueses.
Letra C: a preocupação dos jesuítas portugueses com a expansão de jesuítas franceses, que, no Brasil, vinham exercendo grande influência sobre as populações nativas.
Os jesuítas eram uma ordem religiosa criada no contexto da Reforma Religiosa e da Contrarreforma católica. Era uma organização católica com propósito de evangelizar e conquistar novos fiéis, principalmente na África, Ásia e América. O principal núcleo de povoamento francês no Brasil era huguenote, ou seja, protestante. O líder religioso não era um jesuíta, mas um pastor.
Letra D: o projeto de expansão territorial português na Europa, o qual, na época da carta, visava à dominação de territórios franceses tanto na Europa quanto na América.
O projeto de expansão territorial português não se concentrou na Europa. Portugal à época do documento tinha possessões na América, África e Ásia. Não pretendia dominar territórios franceses na Europa ou na América. Os franceses realizaram suas expedições marítimas mais tardiamente e procuraram se apossar de territórios livres que não estavam sob domínio de espanhóis ou portugueses.
Letra E: a manifestação de um conflito entre a recém-criada ordem jesuíta e a Coroa portuguesa em torno do combate à pirataria francesa.
O trecho do documento demonstra um alerta do jesuíta ao rei português para as diversas invasões de franceses que poderiam acarretar em perda do território. Portanto, não se trata de um conflito entre os jesuítas e a monarquia portuguesa, até porque no início da colonização do Brasil, a Companhia de Jesus foi a principal organização que contribuiu para a posse do território ao estabelecer aldeamentos e relações não violentas com os indígenas.
Referências:
AZEVEDO, Gislane Campos e SERIACOPI, Reinaldo. História: volume único. São Paulo: Ática, 2005.
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