Texto associado
João Soares estava com a razão: política só se ganha com muito dinheiro. A começar com o alistamento, que é trabalhoso e caro: tem-se que ir atrás de eleitor por eleitor, convencê-los a se alistarem e ensinar tudo, até a copiar o requerimento. Cabo de enxada engrossa as mãos — o laço de couro cru, machado e foice também. Caneta e lápis são ferramentas muito delicadas. A lida é outra: labuta pesada, de sol a sol, nos campos e nos currais. Ler o quê? Escrever o quê? Mas agora é preciso: a eleição vem aí, e o alistamento rende a estima do patrão, a gente vira pessoa.
Mário Palmério. Vila dos Confins. São Paulo: José
Olympio, s/d, p. 62 (com adaptações).
Tomando o texto como referência inicial, assinale a opção correta, relativamente às eleições e ao voto no Brasil da República Velha.
- A) O sistema eleitoral da República Velha manteve o caráter do voto censitário tal qual existia no sistema imperial.
- B) O voto “de cabresto”, atrelado ao interesse político do patrão, do fazendeiro, do dono da terra, era uma prática generalizada na República Velha, mas foi rompida com a Revolução de 1930.
- C) As deformações do processo eleitoral da República Velha passavam, entre outras causas, pela relativa tensão entre uma sociedade desigual e iletrada, particularmente nos setores subalternos da sociedade, e uma legislação eleitoral relativamente moderna.
- D) A figura do “coronel”, chefe de grande base militar e dono de curral eleitoral, não era compatível com a cultura iluminista que presidia a modernização eleitoral da época.
Resposta:
A alternativa correta é letra C) As deformações do processo eleitoral da República Velha passavam, entre outras causas, pela relativa tensão entre uma sociedade desigual e iletrada, particularmente nos setores subalternos da sociedade, e uma legislação eleitoral relativamente moderna.
Gabarito: Letra C
As deformações do processo eleitoral da República Velha passavam, entre outras causas, pela relativa tensão entre uma sociedade desigual e iletrada, particularmente nos setores subalternos da sociedade, e uma legislação eleitoral relativamente moderna.
A legislação da Primeira República estabeleceu um regime presidencialista, com divisão de poderes entre Executivo, Legislativo e Judiciário e o Estado passou a ser federalista com as antigas províncias do Império se transformando em estados-membros, com autonomia para eleger governador e seus deputados estaduais. O voto deixou de ser censitário e passou a ser aberto, sendo garantido aos brasileiros maiores de 21 anos, com exceção dos analfabetos, mendigos, soldados, religiosos sujeitos à obediência eclesiástica e das mulheres.
Apesar de mais moderna em relação aos parâmetros anteriores, a legislação eleitoral da Primeira República estabeleceu-se numa sociedade predominantemente rural, analfabeta, na qual apenas 15 a 20% da população era alfabetizada, e extremamente desigual, onde diversos segmentos sociais foram excluídos da vida política do país.
Além disso, a minoria que detinha o direito de participar do processo eleitoral teve de enfrentar o voto aberto, que permitia aos chefes políticos locais conhecer o voto dos eleitores e pressioná-los de acordo com os seus interesses.
Nessa sociedade desigual e iletrada, as modificações eleitorais acabaram servindo ao interesses das elites, que acabaram por deformar o processo eleitoral através de suas práticas clientelistas e fraudulentas, enquanto a maioria da população manteve-se distante das decisões atinentes a vida política do país.
Por que as demais estão incorretas?
Letra A: O sistema eleitoral da República Velha manteve o caráter do voto censitário tal qual existia no sistema imperial.
O sistema eleitoral da Primeira República não manteve o caráter do voto censitário, vigente durante o período imperial. A exigência de renda mínima para votar e ser votado, que existia na Constituição Imperial, foi suprimida da primeira Constituição republicana (de 1891).
Letra B: O voto “de cabresto”, atrelado ao interesse político do patrão, do fazendeiro, do dono da terra, era uma prática generalizada na República Velha, mas foi rompida com a Revolução de 1930.
O voto “de cabresto” não era uma prática generalizada durante a Primeira República, visto que ocorria principalmente nas áreas rurais, que predominavam durante o período da Primeira República, sendo menos presente nos grandes centros urbanos, onde a força do coronelismo se dissolvia dentro de outras estruturas de poder como o partido político, a administração do governo estadual, etc. Com a Revolução de 1930 a prática foi interrompida, visto que o governo provisório (1930-1934) colocou interventores para chefiar os governos estaduais, e nos governos posteriores o voto deixou de ser aberto, mas fraudes eleitorais e compra de votos continua sendo uma prática constante na política brasileira até os dias atuais, apesar de ilegais.
Letra D: A figura do “coronel”, chefe de grande base militar e dono de curral eleitoral, não era compatível com a cultura iluminista que presidia a modernização eleitoral da época.
O coronel da Primeira República não era um chefe de grande base militar. O termo coronel teve origem na criação da Guarda Nacional, em 1831, momento em que postos de comando na Guarda Nacional passaram a ser oferecidos aos fazendeiros que recebiam o título de coronel. Título esse que passou a ser atribuído aos grandes proprietários de terras da Primeira República, mesmo depois da extinção da Guarda Nacional, em 1918. Além disso, a figura do coronel esteve bastante presente no sistema político da Primeira República, não havendo essa incompatibilidade com a cultura da época.
Referências:
COTRIM, Gilberto. História Global: Brasil e Geral, volume 3. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
VAINFAS, Ronaldo et ali. História: o mundo por um fio: do século XX ao XXI, volume 3. São Paulo: Saraiva, 2010.
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