“Mais uma vez, as forças e os interesses contra o povo coordenaram -se novamente e se desencadeiam sobre mim. […] Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes. Sigo o destino que me é imposto. […] Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. […] Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate. […] Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história”.

A alternativa correta é letra A) Somente as afirmativas 1 e 2 são verdadeiras.

Gabarito: ALTERNATIVA A

“Mais uma vez, as forças e os interesses contra o povo coordenaram -se novamente e se desencadeiam sobre mim. [...] Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes. Sigo o destino que me é imposto. [...] Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. [...] Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate. [...] Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história”.

(Trecho da Carta-testamento de Getúlio Vargas, Palácio do Catete, Rio de Janeiro, 24 de ago. 1954.)

Com base no texto e nos conhecimentos sobre o período Vargas, considere as afirmativas a seguir:

• 1. A frase da carta-testamento “saio da vida para entrar na história” revela a consciência de Getúlio Vargas da importância que a sua morte teria para a história política brasileira.

Sem sombra de dúvidas, toda a construção da carta-testamento de Getúlio Vargas (1954) tem essa dimensão histórica do seu ato: não se tratava de um ato individual, mas sim de uma ação política profundamente conectada com inúmeros aspectos da vida brasileira daquele momento e do futuro. Ao aludir à História como uma nova dimensão da sua existência, Vargas deixava claro que seu suicídio ressoaria de muitas maneiras na história política brasileira, tanto rearranjando as forças momentâneas quanto cirando um novo marco nos caminhos republicanos do país. Afinal, um dos mais populares presidentes abreviava sua própria vida e responsabilizava as contradições da vida política brasileira pela necessidade do seu gesto extremo. AFIRMATIVA VERDADEIRA.

• 2. Getúlio Vargas, após liderar uma revolução na política nacional e chegar ao poder por meio do voto, fechou o Congresso e instituiu um regime autoritário denominado de Estado Novo.

A afirmativa é mal construída e dá espaço para discussões relevantes. Vargas foi a grande liderança da Revolução de 1930, quando parte das oligarquias e das forças positivistas do tenentismo se rearranjaram para derrubar a Primeira República, depondo o presidente Washington Luís, impedindo a posse de Júlio Prestes e promovendo uma série de reformas institucionais no país. Entre 1930 e 1934, Vargas esteve a frente do chamado Governo Provisório, que era uma resultante direta da vitória do movimento revolucionário. Em 1934, no entanto, estabelecia-se uma nova ordem constitucional no Brasil e foi realizada uma eleição indireta para determinar quem seria o presidente na transição até o retorno das práticas eleitorais plenas, que estava previsto para 1938. Naquele momento, Vargas alcançou uma esmagadora vitória no Colégio Eleitoral, reunindo em torno de si diversas lideranças civis presentes no Parlamento em nome da concretização das reformas institucionais e da transição política. E é a esse momento que a afirmativa faz referência quando diz que Vargas foi eleito por meio do voto, o que raramente é recordado quando se discute o período: apesar de ter sido um governo repleto de arbítrios, Vargas venceu uma eleição limpa e justa segundo os termos propostos pelas forças constituintes. Ou seja, é impreciso dizer que ele "chegou ao poder por meio do voto", já que ele já estava alojado na presidência desde 1930. De todo modo, o final da afirmativa é correto: em 1937, acenando com o perigo de uma suposta infiltração comunista, Vargas defendeu o fortalecimento geral do Estado, dando o chamado golpe do Estado Novo, que fecharia o Parlamento, extinguiria partidos políticos, ampliaria os poderes presidenciais, promulgaria uma Constituição francamente autoritária etc. Entre 1937 e 1945, localiza-se o Estado Novo, que é o período essencialmente ditatorial da atuação varguista na presidência do país. Com ressalvas, AFIRMATIVA VERDADEIRA.

• 3. Apesar do golpe de estado efetivado por Vargas em 1937, o ditador manteve o compromisso de tramitar e promulgar uma nova e democrática Constituição para o país no Congresso Nacional.

No o estudante que essa afirmativa era mutuamente excludente com a anterior, já que claramente diferem sobre a situação do Congresso Nacional após o golpe de 1937. Em 1937, o golpe do Estado Novo encerrava o breve ensaio de normalidade constitucional surgido em 1934. Em nome de uma segurança nacional e de uma defesa do país contra pressões comunistas, Vargas alardeava a necessidade de fortalecimento geral do Estado, fim dos dissensos e concentração expressiva de poderes. Seguindo as inspirações totalitárias da Europa daquele momento, seria promulgada a nova Constituição naquele mesmo ano, logo apelidada de "A Polaca" por reproduzir muitos trechos e aspectos do texto constitucional polonês, o qual era francamente totalitário. Nesse novo momento, os partidos políticos foram proscritos e a essência de um Estado autoritário e policialesco se instalou no centro do poder. Afirmativa falsa.

• 4. Getúlio Vargas denunciou, desde o início, as atrocidades das ditaduras de Hitler e de Mussolini, apoiando imediatamente a luta contra a Alemanha na Segunda Guerra Mundial.

As relações de Vargas com o nazifascismo eram repletas de simpatias e dubiedades até a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial em 1941. Grande entusiasta de soluções de força e de governos fortes, Vargas via nas democracias liberais entraves gravíssimos aos seus planos, ao passo que interpretava o totalitarismo como a garantia do fortalecimento e do triunfo nacionais. Durante grande parte da década de 1930, o Brasil guardou relações relativamente próximas com o nazifascismo, inclusive sendo alvo da propaganda da Alemanha nazista em programas de cooperação e em relações comerciais especiais. Além disso, o programa de industrialização do Brasil via na retomada alemã uma oportunidade ímpar de conseguir cooperações internacionais e meios de superar o subdesenvolvimento de maneira mais acelerada. Sem assumir nenhum compromisso definitivo com as forças do nazifascismo, Vargas oscilou entre Estados Unidos e Alemanha tentando encontrar as melhores soluções pragmáticas para a industrialização brasileira. Apenas com a declaração americana de guerra contra o Eixo é que as margens internacionais brasileiras se viram decisivamente estranguladas, sendo necessário optar pela aliança militar com os Estados Unidos, rompendo com a Alemanha no início de 1942. Afirmativa falsa.

Portanto, são verdadeiras as afirmativas 1 e 2.

Assinale a alternativa correta.

a)  Somente as afirmativas 1 e 2 são verdadeiras.

b)  Somente as afirmativas 3 e 4 são verdadeiras.

c)  Somente as afirmativas 1, 2 e 3 são verdadeiras.

d)  Somente as afirmativas 1, 3 e 4 são verdadeiras.

e)  Somente as afirmativas 2, 3 e 4 são verdadeiras.

Note bem o estudante que perceber que as afirmativas 1 e 2 eram mutuamente excludentes era o suficiente para descartar duas alternativas. De fato, a afirmativa 2 é mal escrita e dá espaço para diversas interpretações, mas as duas seguintes são completamente inaceitáveis, seus erros são muito grosseiros. Ainda que seja possível discutir essa imprecisão numa fase recursal, no momento da prova, é importante se manter a clareza e o pragmatismo, o que é suficiente para ver que apenas uma alternativa seria aceitável. A questão é, sim, passível de anulação se a banca for séria e rigorosa consigo mesma; mas, há de se reconhecer, era plenamente possível identificar como correta a ALTERNATIVA A.