Embora o argumento do pêndulo possa ter servido como elemento secundário de convencimento no processo decisório junto a funcionários em Washington, o mais plausível é, uma vez mais, a explicação pelo cálculo estratégico: tendo em vista a alta possiblidade de envolvimento dos Estados Unidos na guerra, seria útil atrair o Brasil como principal ponto de sustentação político-diplomática no hemisfério sul.
(Rubens Ricupero. A diplomacia na construção do Brasil – 1750-2016, 2017. p. 329 – 330)
O texto alude à política exterior do governo de Getúlio Vargas durante o Estado Novo (1939-1945). A grave tensão ideológica e militar em grande parte dos anos de 1930 poderia favorecer uma atitude “pendular” do governo brasileiro entre a Alemanha e os Estados Unidos da América.
No final, a aliança com os Estados Unidos
- A) favoreceu o projeto do Estado brasileiro de proteger o preço dos produtos manufaturados exportados.
- B) aboliu a tradição brasileira de oposição à hegemonia norte-americana na América.
- C) pressupôs formalmente a democratização da política brasileira.
- D) decorreu da condenação pública do regime nazista pelo governo brasileiro.
- E) implicou o financiamento norte-americano da indústria de base no Brasil.
Resposta:
A alternativa correta é letra E) implicou o financiamento norte-americano da indústria de base no Brasil.
Gabarito: ALTERNATIVA E
- No final, a aliança com os Estados Unidos
Em primeiro lugar, precisa sempre o estudante ter claro que a adesão brasileira às democracias liberais não foi um percurso óbvio, mas sim um processo acidentado da política externa brasileira. No plano doméstico, Vargas não economizava nas críticas contra a democracia liberal, denunciando-a como um regime fraco e propenso a crises, além de alardear que regimes desse tipo são as vítimas preferidas tanto das grandes crises econômicas quanto da expansão internacional do comunismo. Internacionalmente, Vargas afirmava seu compromisso irrestrito com o desenvolvimento (industrial) brasileiro, o que implicava numa posição neutra ao extremo em relação aos conflitos e às rivalidades internacionais. Na segunda metade da década de 1930, configurar-se-ia a chamada "equidistância pragmática" entre Alemanha e Estados Unidos, segundo a qual o Brasil celebrou tratados de comércio com as duas potências e manteve relações político-comerciais muito dinâmicas com ambas. Percebia-se na disputa internacional entre as grandes potências uma chance de ampliar as margens de manobra do Brasil, explorando suas rivalidades e contradições para viabilizar o projeto desenvolvimentista. Isto é, domesticamente, a forma de governar guardava muitas semelhanças e flertes com a via nazifascista, incluindo o caráter totalitário da Constituição de 1937; e, internacionalmente, o Brasil agia sem assumir compromissos claros e definitivos com nenhum dos dois campos, mas sim buscando meios para viabilizar sua industrialização. E é importante que se perceba que as tensões internacionais e as dificuldades da guerra faziam com que a tolerância internacional frente a esse comportamento fosse ampliada de maneira generosa, permitindo com que o Brasil estendesse ao máximo as contradições de sua neutralidade. Apenas com a entrada dos EUA na guerra (dezembro de 1941), a equidistância pragmática vai sendo estrangulada e o Brasil vai se aproximando da tomada crítica de decisão. Mesmo assim, o governo brasileiro ainda levaria cerca de oito meses para fixar os termos de seu engajamento e de seu apoio ao lado dos aliados na guerra, desenvolvendo antes uma longa negociação com os EUA procurando conseguir recursos para o desenvolvimentismo brasileiro em troca do apoio contra o Eixo. Assim, observemos as alternativas propostas.
- a) favoreceu o projeto do Estado brasileiro de proteger o preço dos produtos manufaturados exportados.
Como explicado acima, o Brasil tinha como ponto central da sua estratégia de desenvolvimento a industrialização. Ou seja, o país não era um exportador de produtos manufaturados; pelo contrário, buscava incentivar a sua industrialização por meio da substituição de importações, com a demanda doméstica garantindo a viabilidade da instalação de indústrias no país. Na pauta de exportação brasileira, figuravam sobretudo os produtos primários, que, inclusive, eram estratégicos para a economia de guerra dos Estados Unidos. Comercialmente, a opção pela via americana assegurou uma demanda muito elevada aos produtos primários brasileiros. Alternativa errada.
- b) aboliu a tradição brasileira de oposição à hegemonia norte-americana na América.
O Brasil nunca teve uma tradição de oposição à hegemonia dos Estados Unidos no continente. As relações bilaterais entre os países sempre foram marcadas por um importante grau de proximidade e com o Brasil se colocando como o principal interlocutor da grande potência na América do Sul. Ou seja, não se trata de oposição à hegemonia, mas sim de inserção baseada na lógica do sócio preferencial e de sub-liderança sul-americana. Alternativa errada.
- c) pressupôs formalmente a democratização da política brasileira.
Ora, os eventos em tela se desenrolaram durante o Estado Novo (1937-1945), período ditatorial por excelência da Era Vargas. Os Estados Unidos, dados os interesses maiores com a estratégia global para a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) não tinham tempo hábil para o purismo liberal de exigir a redemocratização do Brasil durante as negociações. Pelo contrário, o Brasil viveu a contradição de ser um regime de extrema-direta combatendo na Europa o nazifascismo ao lado dos Aliados. O país só se redemocratizaria entre o final de 1945 e o início de 1946; ou seja, num momento posterior à vitória dos Aliados na guerra. Alternativa errada.
- d) decorreu da condenação pública do regime nazista pelo governo brasileiro.
A alternativa inverte a correlação dos fatos. Foi a aliança preferencial com os Estados Unidos que levaram o Brasil à condenação pública do regime nazista em 1942. No final de 1941, os Estados Unidos entrariam na guerra após o ataque japonês à base de Pearl Harbor e, imediatamente, passavam a pressionar para a consolidação das Américas como uma região comprometida no enfrentamento ao Eixo. No início de 1942, em reunião de chanceleres, o governo americano pressionaria para uma condenação coletiva ao nazifascismo, o que, no caso brasileiro, culminaria com o rompimento de relações diplomáticas com o Eixo em fevereiro de 1942. Alternativa errada,
- e) implicou o financiamento norte-americano da indústria de base no Brasil.
Com a entrada americana na Segunda Guerra Mundial em 1941, aumentou-se decisivamente a pressão sobre a posição do governo Vargas dentro do conflito. Naquele momento, era importante garantir o alinhamento brasileiro para estrangular o fornecimento de matérias primas estratégicas para o esforços de guerra alemão e, por outro lado, garantir posições preciosas para a campanha aliada sobre o Norte da África. O Nordeste brasileiro era o melhor ponto para sediar as bases aéreas americanas para lançar campanhas de bombardeio contra as posições nazistas na África, apoio importante para as ações de infantaria na libertação da região. Essas duas componentes foram usadas como moedas de troca pelo Brasil para conseguir programas amplos de cooperação em favor do desenvolvimento brasileiro. A urgência da guerra pesava em favor dos pedidos brasileiros e os EUA aceitaram estabelecer um convênio de cooperação técnica e financeira para a instalação da Companhia Siderúrgica Nacional, passo fundamental no esforço desenvolvimentista brasileiro. A CSN começou a ser construída em 1941 em Volta Redonda, e entraria em operação em 1946. ALTERNATIVA CORRETA.
Sem mais, está correta a ALTERNATIVA E.
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