Logo do Site - Banco de Questões
Continua após a publicidade..

Rios sem discurso

1 Quando um rio corta, corta-se de vez
o discurso-rio de água que ele fazia;
cortado, a água se quebra em pedaços,
4 em poços de água, em água paralítica.
Em situação de poço, a água equivale
a uma palavra em situação dicionária:
7 isolada, estanque no poço dela mesma,
e porque assim estanque, estancada;
e mais; porque assim estancada, muda,
10 e muda porque com nenhuma comunica,
porque cortou-se a sintaxe desse rio,
o fio de água por que ele discorria.
13 O curso de um rio, seu discurso-rio,
chega raramente a se reatar de vez;
um rio precisa de muito fio de água
16 para refazer o fio antigo que fez.
Salvo a grandiloqüência de uma cheia
lhe impondo interina outra linguagem,
19 um rio precisa de muita água em fios
para que todos os poços se enfrasem:
se reatando, de um para outro poço,
22 em frases curtas, então frase e frase,
até a sentença-rio do discurso único
em que se tem voz a seca ele combate.

João Cabral de Melo Neto. A educação pela pedra. In: Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2003, p. 350.

Julgue os seguintes itens, a respeito da composição e das idéias do poema de João Cabral de Melo Neto apresentado acima, bem como das relações históricas que podem ser feitas a partir desse texto.

Há quase 40 anos, a edição do Ato Institucional n.º 5 alterou a “sintaxe” do discurso político brasileiro; antes, camuflada, a ditadura escancarou-se, reduzindo drasticamente os espaços da discussão política e cerceando as liberdades até então, em parte, preservadas.

Resposta:

A alternativa correta é letra A) Certo

João Cabral de Melo Neto, em seu poema "A educação pela pedra", utiliza a metáfora do rio para explorar a ideia de discurso e sua interrupção. O trecho citado reflete como a interrupção abrupta de um rio pode ser comparada à quebra da continuidade e fluidez do discurso, que passa a se manifestar de forma fragmentada e estática, sem a mesma conexão e eficácia.

Relacionando isso ao contexto histórico do Brasil durante o regime militar (1964-1985), o Ato Institucional n.º 5 (AI-5), implementado em 1968, representou uma mudança radical na dinâmica política do país. Antes disso, a ditadura militar já existia, mas com o AI-5, as restrições se intensificaram significativamente. A "sintaxe" do discurso político brasileiro foi alterada de maneira drástica: as liberdades civis foram cerceadas, houve aumento da repressão e diminuição dos espaços de debate e crítica política.

Assim, a comparação entre o poema de João Cabral de Melo Neto e o período histórico do AI-5 é apropriada, pois ambos enfatizam como a interrupção do fluxo natural (seja de um rio ou de um discurso político) resulta em fragmentação, estagnação e perda de comunicação efetiva.

Continua após a publicidade..

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *