No que diz respeito à capacidade processual das Câmaras Municipais, assinale a opção incorreta.
- A) A Câmara Municipal não tem personalidade jurídica, mas tem personalidade judiciária, podendo, portanto, admitir-se que ela tem capacidade processual para a defesa de suas prerrogativas funcionais, podendo comparecer a Juízo, tanto no polo ativo como no polo passivo, quando tenha direitos próprios a defender.
- B) A Câmara Municipal tem autonomia em relação ao Poder Executivo local, podendo, em consequência, agir judicialmente contra o Prefeito Municipal, inclusive, se for o caso, por meio da impetração de mandado de segurança.
- C) A Câmara Municipal não pode combater ato ilegal e lesivo ao patrimônio público por meio de ação popular, podendo tal ação, contudo, ser ajuizada por qualquer um de seus vereadores, na qualidade de cidadão (eleitor), eis que tal qualidade não assiste à Câmara, como pessoa jurídica que é.
- D) Em que pese ser a Câmara Municipal um órgão despatrimonializado, as vantagens e encargos de ordem pecuniária, decorrentes do julgado, por ela serão suportados, em decorrência da aplicação do princípio dispositivo, descabendo transferir-se tais vantagens e encargos à Fazenda municipal.
Resposta:
A alternativa correta é letra D) Em que pese ser a Câmara Municipal um órgão despatrimonializado, as vantagens e encargos de ordem pecuniária, decorrentes do julgado, por ela serão suportados, em decorrência da aplicação do princípio dispositivo, descabendo transferir-se tais vantagens e encargos à Fazenda municipal.
A respeito do tema, convém fixar, como regra geral, que os órgãos públicos, meros centros de competências, desprovidos de personalidade jurídica, não ostentam capacidade processual, isto é, não podem figurar como partes em processos judiciais, eis que lhes falta o atributo da personalidade jurídica própria. Vale dizer: somente pessoas, físicas ou jurídicas, podem, em regra, assumir a condição de autoras, rés ou terceiras interessadas em demandas judiciais, o que deriva da norma do art. 7º do CPC, que assim dispõe:
“Art. 7o Toda pessoa que se acha no exercício dos seus direitos tem capacidade para estar em juízo.”
Nada obstante, doutrina e jurisprudência vêm admitindo que os órgãos mais elevados dentro de nossa estrutura constitucional possam, sim, deduzir, em nome próprio, pretensões na esfera jurisdicional, quando atuem na defesa de suas competências e prerrogativas, as quais tenham sido usurpadas indevidamente, seja por outro órgão público, seja por uma dada pessoa. É possível, pois, excepcionalmente, que os órgãos públicos de estatura constitucional, como as Casas Legislativas, por exemplo, figurem tanto no polo ativo, quanto no passivo de ações propostas perante o Poder Judiciário, em ordem a defenderem competências próprias que haja sido objeto de usurpação.
Na linha do exposto, confira-se o magistério de José dos Santos Carvalho Filho:
“De algum tempo para cá, todavia, tem evoluído a ideia de conferir capacidade a órgãos públicos para certos tipos de litígio. Um desses casos é o da impetração de mandado de segurança por órgãos públicos de natureza constitucional, quando se trata da defesa de sua competência, violada por ato de outro órgão. Em consequência, para exemplificar, a Assembleia Legislativa Estadual, a par de ser órgão com autonomia financeira expressa no orçamento do Estado, goza, legalmente, de independência organizacional. É titular de direitos subjetivos, o que lhe confere a chamada ‘personalidade judiciária’, que a autoriza a defender os seus interesses em juízo. Tem, pois, capacidade processual.
Repita-se, porém, que essa excepcional personalidade judiciária só é aceita em relação aos órgãos mais elevados do Poder Público, de envergadura constitucional, quando defendem suas prerrogativas e competências.”
(Manual de Direito Administrativo, 19ª edição, 2007, p. 13-14).
Refira-se que a matéria, inclusive, veio a ser sumulada recentemente pelo STJ por meio do verbete 525, de seguinte teor:
“A Câmara de Vereadores não possui personalidade jurídica, apenas personalidade judiciária, somente podendo demandar em juízo para defender os seus direitos institucionais.”
Firmadas as premissas de raciocínio acima, vejamos as opções, adiantando-se, desde logo, que a presente questão, a rigor, mereceria anulação, por conter duas alternativas incorretas:
a) Certo: é, na essência, a ideia sustentada linhas acima.
b) Certo: também se trata de assertiva em absoluta consonância com as noções teóricas anteriormente esposadas.
c) Errado: a afirmativa encontrava-se toda correta, até chegar à sua última parte. De fato, Câmaras Municipais não têm legitimidade para promover ação popular, visto que, por óbvio, não são “cidadãos” (art. 1º, Lei 4.717/65). O problema é que, ao final, afirmou-se as que Câmaras Municipais seriam pessoas jurídicas, o que está de todo equivocado. Com efeito, mesmo que se admita, excepcionalmente, que possuem personalidade judiciária, isto é, capacidade para figurarem como parte em juízo, isto não as torna, sob hipótese alguma, genuínas pessoas jurídicas. Continuam sendo apenas órgãos públicos. Eis aí, pois, o erro flagrante desta opção "c".
d) Errado: os órgãos públicos, mesmo que se admita, em caráter excepcional, que possuem capacidade para figurarem como parte em juízo, não podem suportar os efeitos patrimoniais do eventual julgado, os quais, na verdade, serão experimentados pelas respectivas pessoas jurídicas das quais aqueles mesmos órgãos constituem meros integrantes.
Assim decidiu o Tribunal de Justiça do Maranhão:
“MANDADO DE SEGURANÇA. CÂMARA MUNICIPAL. FAZENDA PÚBLICA. LITISCONSORTE PASSIVO NECESSÁRIO. CITAÇÃO. OBRIGATORIEDADE.
Câmara municipal é um poder despatrimonializado; proposta ação unicamente contra a Câmara, e, verificando-se que a demanda poderá acarretar conseqüências pecuniárias, cumpre ao juiz determinar que o autor promova a citação do litisconsorte passivo necessário, no caso a Fazenda Pública Municipal, haja vista que, procedente a demanda, é a ela quem suportará o ônus da decisão.”
(AC 9371998, relator Desembargador José Stélio Nunes Muniz, julgado em 15.04.2000)
Na mesma linha, colhe-se julgado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, como se extrai do seguinte trecho de acórdão:
“Não obsta, contudo, que se reconheça à legitimidade da Câmara Municipal para agir em Juízo, quando o fizer na defesa de seus interesses, de seus atos interna corporis¸ o que não se revela no caso concreto, mesmo porque sendo um órgão despatrimonializado, todos os encargos ou vantagens de ordem pecuniária decorrentes de um julgado serão suportados pela Fazenda Pública ou serão para ela revertidos.”
(AC 106861110235757001, relator Desembargador Raimundo Messias Junior, julgado em 13.08.2013)
De tal forma, na opinião deste comentarista, a presente questão deveria ter sido anulada pela Banca, considerando que possui duas alternativas incorretas, quando deveria ter apenas uma.
Gabarito oficial divulgado pela Banca: letra D
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