A viagem levou uns vinte minutos. O caminhão parou; via-se um grande portão e, em cima do portão, uma frase bem iluminada (cuja lembrança ainda hoje me atormenta nos sonhos): ARBEIT MACHT FREI – o trabalho liberta. Descemos, fazem-nos entrar numa sala ampla, nua e fracamente aquecida. Que sede! O leve zumbido da água nos canos da calefação nos enlouquece: faz quatro dias que não bebemos nada. Há uma torneira e, acima, um cartaz: proibido beber, água poluída. Besteira: é óbvio que o aviso é um deboche. “Eles” sabem que estamos morrendo de sede […]. Bebo, e convido os companheiros a beber também, mas logo cuspo fora a água: está morna, adocicada, com cheiro de pântano. Isto é o inferno. Hoje, em nossos dias, o inferno deve ser assim: uma sala grande e vazia, e nós, cansados, de pé, diante de uma torneira gotejante, mas que não tem água potável, esperando algo certamente terrível acontecer, e nada acontece, e continua não acontecendo nada.(Primo Levi. É isto um homem?, 1988.)A descrição, por Primo Levi, de sua chegada a Auschwitz em 1944 revela
- A)o reconhecimento da própria culpa, por um prisioneiro recolhido a um campo de concentração nazista.
- B)o alívio com o fim da viagem em direção à prisão e a aceitação das condições de vida existentes no campo de concentração.
- C)a expectativa de que, apesar dos problemas na chegada, houvesse tratamento digno aos prisioneiros dos campos de concentração.
- D)a falta de entendimento do funcionamento do campo de concentração e a disposição de colaborar com as autoridades nazistas.
- E)a sensação de horror, angústia e submissão que caracterizavam a condição dos prisioneiros nos campos de concentração nazistas.
Resposta:
A alternativa correta é E)
O trecho de É isto um homem?, de Primo Levi, descreve de forma visceral a chegada ao campo de concentração de Auschwitz, capturando a desumanização e o terror enfrentados pelos prisioneiros. A narrativa não apenas expõe as condições brutais do campo, mas também a profunda angústia psicológica imposta pelo regime nazista.
A frase "ARBEIT MACHT FREI" ("o trabalho liberta"), ironicamente inscrita no portão, simboliza a perversidade do sistema, que prometia falsa esperança enquanto condenava milhões à morte. A sede extrema, a água contaminada e a atmosfera de espera infinita por um "algo terrível" que nunca chega explicitamente ilustram o inferno cotidiano vivido pelos prisioneiros. Levi retrata não apenas o sofrimento físico, mas a tortura mental de uma existência reduzida à impotência e ao desespero.
A alternativa correta, E), sintetiza essa realidade: a sensação de horror, angústia e submissão era a essência da experiência nos campos. Não havia espaço para culpa (A), alívio (B), expectativa de dignidade (C) ou colaboração (D) — apenas a esmagadora consciência de estar preso em um mecanismo de destruição metódica. A genialidade de Levi está em transformar seu testemunho em um alerta universal sobre os limites da humanidade quando confrontada com a barbárie.
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