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Capitulo LIV — A pêndulaSaí dali a saborear o beijo. Não pude dormir; estirei-me na cama, é certo, mas foi o mesmo que nada. Ouvi as horas todas da noite. Usualmente, quando eu perdia o sono, o bater da pêndula fazia-me muito mai; esse tique-taque soturno, vagaroso e seco parecia dizer a cada golpe que eu ia ter um instante menos de vida. Imaginava então um velho diabo, sentado entre dois sacos, o da vida e o da morte, e a contá-las assim:— Outra de menos…— Outra de menos…— Outra de menos…— Outra de menos…O mais singular é que, se o relógio parava, eu dava-lhe corda, para que ele não deixasse de bater nunca, e eu pudesse contar todos os meus instanles perdidos, invenções há, que se transformam ou acabam; as mesmas instituições morrem; o relógio é definitivo e perpétuo. O derradeiro homem, ao despedir-se do sol frio e gasto, há de ter um relógio na algibeira, para saber a hora exata em que morre.Naquela noite não padeci essa triste sensação de enfado, mas outra, e deleitosa, As fantasias tumultuavam-me cá dentro, vinham umas sobre outras, â semelhança de devotas que se abaíroam para ver o anjo-cantor das procissões. Não ouvia os instantes perdidos, mas os minutos ganhados.ASSIS. M. Memórias póstumas de Brás Cubas, Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992 (fragmento). O capitulo apresenta o instante em que Brás Cubas revive a sensação do beijo trocado com Virgüia, casada com Lobo Neves. Nesse contexto, a metáfora do relógio desconstrói certos paradigmas românticos, porque

Capitulo LIV — A pêndula

Saí dali a saborear o beijo. Não pude dormir; estirei-me na cama, é certo, mas foi o mesmo que nada. Ouvi as horas todas da noite. Usualmente, quando eu perdia o sono, o bater da pêndula fazia-me muito mai; esse tique-taque soturno, vagaroso e seco parecia dizer a cada golpe que eu ia ter um instante menos de vida. Imaginava então um velho diabo, sentado entre dois sacos, o da vida e o da morte, e a contá-las assim:

— Outra de menos…
— Outra de menos…
— Outra de menos…
— Outra de menos…

O mais singular é que, se o relógio parava, eu dava-lhe corda, para que ele não deixasse de bater nunca, e eu pudesse contar todos os meus instanles perdidos, invenções há, que se transformam ou acabam; as mesmas instituições morrem; o relógio é definitivo e perpétuo. O derradeiro homem, ao despedir-se do sol frio e gasto, há de ter um relógio na algibeira, para saber a hora exata em que morre.

Naquela noite não padeci essa triste sensação de enfado, mas outra, e deleitosa, As fantasias tumultuavam-me cá dentro, vinham umas sobre outras, â semelhança de devotas que se abaíroam para ver o anjo-cantor das procissões. Não ouvia os instantes perdidos, mas os minutos ganhados.

ASSIS. M. Memórias póstumas de Brás Cubas, Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992 (fragmento).
















O capitulo apresenta o instante em que Brás Cubas revive a sensação do beijo trocado com Virgüia, casada com Lobo Neves. Nesse contexto, a metáfora do relógio desconstrói certos paradigmas românticos, porque


Resposta:

A alternativa correta é D)

Análise do Capítulo LIV — A Pêndula em Memórias Póstumas de Brás Cubas

No capítulo em questão, Machado de Assis constrói uma reflexão profunda sobre o tempo e a subjetividade humana por meio da metáfora do relógio. Brás Cubas, narrador e protagonista, vivencia um momento de êxtase após o beijo trocado com Virgília, sua amada casada. Contudo, o que se destaca não é apenas o evento em si, mas a maneira como o tempo — representado pela pêndula — adquire novos significados diante da experiência amorosa.

Inicialmente, o relógio é descrito como um instrumento de angústia, cujo tique-taque soturno lembra ao narrador a passagem irremediável do tempo e a finitude da vida. A personificação do "velho diabo" que conta os momentos perdidos reforça a visão tradicional do tempo como algo opressivo e linear, associado à morte. No entanto, essa percepção se transforma após o beijo: o mesmo relógio, antes símbolo de tédio, passa a ser acompanhado por uma sensação "deleitosa", em que os minutos são "ganhos" e não mais perdidos.

A alternativa D) é a correta porque o relógio, enquanto metáfora, materializa o tempo e redireciona o comportamento de Brás Cubas. Se antes ele via o tempo como um peso, agora o reinterpreta a partir do prazer, desconstruindo o idealismo romântico que atribuía valores absolutos às experiências. O relógio, "definitivo e perpétuo", deixa de ser um mero marcador de finitude para se tornar um testemunha da volúbilidade humana — assim como o narrador, que oscila entre o tédio e o deleite.

Machado, portanto, subverte os paradigmas românticos ao mostrar que o tempo não é um conceito estático, mas uma construção subjetiva. O relógio, longe de ser um objeto neutro, reflete as contradições de Brás Cubas: sua ânsia por controlar o tempo (ao dar-lhe corda) e sua incapacidade de escapar à condição mortal, mesmo quando envolto em paixão.

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