Como uma espécie de patologia social, o racismo está presente nas variadas esferas do cotidiano. A literatura, enquanto manifestação artística culturalizada, muitas vezes acaba ecoando esses estereótipos raciais de forma a rechaçá-los ou confirmá-los. Assim sendo, é preciso que estejamos sempre atentos às representações raciais no interior do discurso literário. Se é verdade que uma palavra pode fazer milagres, como advertia o escritor Manuel Puig, também não é menos verdade que uma metáfora racista pode abalar violentamente a dignidade humana. Esta Prova discutirá a interface entre racismo e literatura.INSTRUÇÃO: Para responder à questão , leia o trecho do romance A escrava Isaura, de Bernardo Guimarães.– Não gosto que a cantes, não, Isaura. Hão de pensar que és maltratada, que és uma escrava infeliz, vítima de senhores bárbaros e cruéis. Entretanto passas aqui uma vida que faria inveja a muita gente livre. Gozas da estima de teus senhores. Deram-te uma educação como não tiveram muitas ricas e ilustres damas que eu conheço. És formosa, e tens uma cor linda, que ninguém dirá que gira em tuas veias uma só gota de sangue africano. […] – Mas senhora, apesar de tudo isso, que sou eu mais do que uma simples escrava? Essa educação que me deram e essa beleza, que tanto me gabam, de que me servem?… São trastes de luxo colocados na senzala do africano. A senzala nem por isso deixa de ser o que é: uma senzala. – Queixas-te de tua sorte, Isaura? – Eu não, senhora; não tenho motivo… o que quero dizer com isto é que, apesar de todos esses dotes e vantagens que me atribuem, sei conhecer o meu lugar. Com base no texto e no contexto do qual o fragmento acima faz parte, afirma-se:I. De acordo com a primeira fala, a cor de Isaura é apontada como uma possível negação de sua origem africana. II. Apesar de alguns questionamentos acerca da senzala, a escrava parece resignada ao lugar que ela ocupa na sociedade da época. III. A obra A Escrava Isaura, de Bernardo Guimarães, integra um dos momentos cruciais do realismo literário brasileiro, no qual os autores se mostravam preocupados com a crítica social.Está/Estão correta(s) a(s) afirmativa(s)
Como uma espécie de patologia social, o racismo
está presente nas variadas esferas do cotidiano. A
literatura, enquanto manifestação artística culturalizada,
muitas vezes acaba ecoando esses estereótipos
raciais de forma a rechaçá-los ou confirmá-los. Assim
sendo, é preciso que estejamos sempre atentos às
representações raciais no interior do discurso literário.
Se é verdade que uma palavra pode fazer milagres,
como advertia o escritor Manuel Puig, também não é
menos verdade que uma metáfora racista pode abalar
violentamente a dignidade humana.
Esta Prova discutirá a interface entre racismo e
literatura.
INSTRUÇÃO: Para responder à questão , leia o
trecho do romance A escrava Isaura, de Bernardo
Guimarães.
– Não gosto que a cantes, não, Isaura. Hão de pensar
que és maltratada, que és uma escrava infeliz, vítima
de senhores bárbaros e cruéis. Entretanto passas
aqui uma vida que faria inveja a muita gente livre.
Gozas da estima de teus senhores. Deram-te uma
educação como não tiveram muitas ricas e ilustres
damas que eu conheço. És formosa, e tens uma cor
linda, que ninguém dirá que gira em tuas veias uma
só gota de sangue africano. […]
– Mas senhora, apesar de tudo isso, que sou eu mais
do que uma simples escrava? Essa educação que
me deram e essa beleza, que tanto me gabam, de
que me servem?… São trastes de luxo colocados na
senzala do africano. A senzala nem por isso deixa de
ser o que é: uma senzala.
– Queixas-te de tua sorte, Isaura?
– Eu não, senhora; não tenho motivo… o que quero
dizer com isto é que, apesar de todos esses dotes
e vantagens que me atribuem, sei conhecer o meu
lugar.
Com base no texto e no contexto do qual o fragmento
acima faz parte, afirma-se:
I. De acordo com a primeira fala, a cor de Isaura
é apontada como uma possível negação de sua
origem africana.
II. Apesar de alguns questionamentos acerca da
senzala, a escrava parece resignada ao lugar
que ela ocupa na sociedade da época.
III. A obra A Escrava Isaura, de Bernardo Guimarães,
integra um dos momentos cruciais do realismo
literário brasileiro, no qual os autores se mostravam
preocupados com a crítica social.
Está/Estão correta(s) a(s) afirmativa(s)
- A)I, apenas.
- B)II, apenas.
- C)I e II, apenas.
- D)II e III, apenas.
- E)I, II, III.
Resposta:
A alternativa correta é C)
O trecho de A Escrava Isaura, de Bernardo Guimarães, revela nuances complexas da representação racial e social no Brasil do século XIX. A análise das afirmativas permite compreender como a obra aborda questões como identidade, submissão e crítica à estrutura escravocrata.
Afirmativa I: Correta. A fala da senhora destaca a cor de Isaura como um elemento que supostamente a distancia de suas raízes africanas, reforçando um ideal de embranquecimento. A menção ao "sangue africano" como algo invisível em sua aparência ilustra a tentativa de negar sua ancestralidade, um mecanismo comum na sociedade racista da época.
Afirmativa II: Correta. Isaura demonstra consciência de sua condição, mesmo reconhecendo os privilégios que possui em relação a outros escravos. Sua fala sobre a "senzala" como realidade inalterável, apesar de seus "trastes de luxo", revela uma resignação crítica, na qual ela não se rebela abertamente, mas também não romantiza sua situação.
Afirmativa III: Incorreta. Embora a obra dialogue com questões sociais, A Escrava Isaura pertence ao Romantismo brasileiro, não ao Realismo. Bernardo Guimarães não prioriza a crítica objetiva às estruturas de poder, característica do Realismo, mas sim um tom melodramático e idealizado, típico da estética romântica.
Portanto, apenas as afirmativas I e II estão corretas, conforme o gabarito indica. O trecho evidencia como a literatura pode reproduzir contradições da sociedade, mesmo quando parece contestá-las.
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