E Jerônimo via e escutava, sentindo ir-se-lhe toda a alma pelos olhos enamorados. Naquela mulata estava o grande mistério, a síntese das impressões que ele recebeu chegando aqui: ela era a luz ardente do meio-dia; ela era o calor vermelho das sestas da fazenda; era o aroma quente dos trevos e das baunilhas, que o atordoara nas matas brasileiras; era a palmeira virginal e esquiva que se não torce a nenhuma outra planta; era o veneno e era o açúcar gostoso; era o sapoti mais doce que o mel e era a castanha do caju, que abre feridas com o seu azeite de fogo; ela era a cobra verde e traiçoeira, a lagarta viscosa, a muriçoca doida, que esvoaçava havia muito tempo em torno do corpo dele, assanhando-lhe os desejos, acordando-lhe as fibras embambecidas pela saudade da terra, picando-lhe as artérias, para lhe cuspir dentro do sangue uma centelha daquele amor setentrional, uma nota daquela música feita de gemidos de prazer, uma larva daquela nuvem de cantáridas que zumbiam em torno da Rita Baiana e espalhavam-se pelo ar numa fosforescência afrodisíaca. Aluísio Azevedo, O cortiço.Em que pese a oposição programática do Naturalismo ao Romantismo, verifica-se no excerto – e na obra a que pertence – a presença de uma linha de continuidade entre o movimento romântico e a corrente naturalista brasileira, a saber, a
E Jerônimo via e escutava, sentindo ir-se-lhe toda a
alma pelos olhos enamorados.
Naquela mulata estava o grande mistério, a síntese
das impressões que ele recebeu chegando aqui: ela era a luz
ardente do meio-dia; ela era o calor vermelho das sestas da
fazenda; era o aroma quente dos trevos e das baunilhas,
que o atordoara nas matas brasileiras; era a palmeira
virginal e esquiva que se não torce a nenhuma outra planta;
era o veneno e era o açúcar gostoso; era o sapoti mais doce
que o mel e era a castanha do caju, que abre feridas com o
seu azeite de fogo; ela era a cobra verde e traiçoeira, a
lagarta viscosa, a muriçoca doida, que esvoaçava havia
muito tempo em torno do corpo dele, assanhando-lhe os
desejos, acordando-lhe as fibras embambecidas pela
saudade da terra, picando-lhe as artérias, para lhe cuspir
dentro do sangue uma centelha daquele amor setentrional,
uma nota daquela música feita de gemidos de prazer, uma
larva daquela nuvem de cantáridas que zumbiam em torno
da Rita Baiana e espalhavam-se pelo ar numa
fosforescência afrodisíaca.
Aluísio Azevedo, O cortiço.
Em que pese a oposição programática do Naturalismo ao
Romantismo, verifica-se no excerto – e na obra a que
pertence – a presença de uma linha de continuidade entre
o movimento romântico e a corrente naturalista brasileira,
a saber, a
- A)exaltação patriótica da mistura de raças.
- B)necessidade de autodefinição nacional.
- C)aversão ao cientificismo.
- D)recusa dos modelos literários estrangeiros.
- E)idealização das relações amorosas.
Resposta:
A alternativa correta é B)
O excerto de O cortiço, de Aluísio Azevedo, revela uma complexa mistura de elementos naturalistas e românticos, apesar da aparente oposição entre os dois movimentos literários. A passagem descreve a personagem Rita Baiana como uma síntese de sensações e símbolos que representam o Brasil, destacando a natureza, os aromas, os sabores e até mesmo os perigos tropicais. Essa descrição exuberante e sensual, típica do Romantismo, é combinada com uma abordagem mais crua e determinista, característica do Naturalismo.
No entanto, o que se destaca como linha de continuidade entre os dois movimentos é a necessidade de autodefinição nacional (alternativa B). Tanto o Romantismo quanto o Naturalismo brasileiros buscaram construir uma identidade literária que refletisse as particularidades do país, embora com enfoques distintos. Enquanto o Romantismo idealizava a natureza e o povo brasileiro, o Naturalismo buscava retratar a realidade social de forma mais crítica, mas ainda assim com um olhar voltado para as singularidades nacionais.
No trecho em questão, Jerônimo, um imigrante português, é arrebatado pela figura de Rita Baiana, que encarna o Brasil em sua plenitude sensorial e contraditória. Essa representação não apenas exalta a mestiçagem, mas também reflete a busca por uma identidade nacional, marcada pela diversidade e pelo conflito. Assim, mesmo dentro de uma obra naturalista, persiste a preocupação romântica de definir o que é ser brasileiro, confirmando a alternativa B como a correta.
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