A presença do inseto na redação do jornal provocou no homem A) curiosidade científica. B) lembranças da infância. C) medo de pegar uma doença. D) sensação de espanto.
VISITA
Sobre a minha mesa, na redação do jornal, encontrei-o, numa tarde quente de verão. É um inseto que parece um aeroplano de quatro asas translúcidas e gosta de sobrevoar os açudes, os córregos e as poças de água. É um bicho do mato e não da cidade. Mas que fazia ali, sobre a minha mesa, em pleno coração da metrópole?
Parecia morto, mas notei que movia nervosamente as estranhas e minúsculas mandíbulas. Estava morrendo de sede, talvez pudesse salvá-lo. Peguei-o pelas asas e levei-o até o banheiro. Depois de acomodá-lo a um canto da pia, molhei a mão e deixei que a água pingasse sobre a sua cabeça e suas asas. Permaneceu imóvel. É, não tem mais jeito — pensei comigo. Mas eis que ele se estremece todo e move a boca molhada. A água tinha escorrido toda, era preciso arranjar um meio de mantê-la ao seu alcance sem contudo afogá-lo. A outra pia talvez desse mais jeito. Transferi-o para lá, acomodei-o e voltei para a redação.
Mas a memória tomara outro rumo. Lá na minha terra, nosso grupo de meninos chamava esse bicho de macaquinho voador e era diversão nossa caçá-los, amarrá-los com uma linha e deixá-los voar acima de nossa cabeça. Lembrava também do açude, na fazenda, onde eles apareciam em formação de esquadrilha e pousavam na água escura. Mas que diabo fazia na avenida Rio Branco esse macaquinho voador? Teria ele voado do Coroatá até aqui, só para me encontrar? Seria ele uma estranha mensagem da natureza a este desertor?
Voltei ao banheiro e em tempo de evitar que o servente o matasse. “Não faça isso com o coitado!” “Coitado nada, esse bicho deve causar doença.” Tomei-o da mão do homem e o pus de novo na pia. O homem ficou espantado e saiu, sem saber que laços de afeição e história me ligavam àquele estranho ser. Ajeitei-o, dei-lhe água e voltei ao trabalho. Mas o tempo urgia, textos, notícias, telefonemas, fui para casa sem me lembrar mais dele.
GULLAR, Ferreira. O menino e o arco-íris e outras crônicas. Para gostar de ler, 31. São Paulo: Ática, 2001. p. 88-89
A presença do inseto na redação do jornal provocou no homem
- A) curiosidade científica.
- B) lembranças da infância.
- C) medo de pegar uma doença.
- D) sensação de espanto.
Resposta:
A resposta correta é a letra B)
A presença do inseto na redação do jornal desencadeou no narrador um processo de rememoração afetiva de sua infância, conforme evidenciado no texto. O contato com o "macaquinho voador" transporta-o imediatamente para suas experiências infantis, como explicitado no trecho: "Lá na minha terra, nosso grupo de meninos chamava esse bicho de macaquinho voador e era diversão nossa caçá-los". Esta recordação não é meramente casual, mas carregada de significado emocional e nostalgia, representando um elo concreto entre seu presente urbano e seu passado rural.
O narrador não demonstra interesse científico pelo inseto (A), mas sim uma conexão emocional. Também não há indicativos de medo de doença (C), pois ele mesmo repreende o servente que tem esta preocupação. A sensação de espanto (D) existe inicialmente pela presença inusitada do inseto, mas rapidamente se transforma em uma reflexão sentimental sobre suas origens e seu distanciamento da natureza, culminando nas lembranças infantis que constituem o cerne da resposta.
Deixe um comentário