Hospital Dod é uma sociedade de economia mista estadual que realiza atividade típica de Estado na área da saúde e que não tem intuito de obtenção de lucro, de modo que atua em regime não concorrencial.
Em decorrência de uma série de demandas ajuizadas em seu desfavor, seus dirigentes estão com fundadas dúvidas acerca do reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal de peculiaridades relativas ao respectivo regime jurídico enquanto entidade da Administração Indireta, sendo correto afirmar que
- A) a entidade administrativa em questão integra o conceito de Fazenda Pública.
- B) deve a ela ser reconhecida imunidade tributária recíproca.
- C) a responsabilização civil da entidade por erro médico de seus agentes apenas pode decorrer de dolo ou culpa.
- D) os bens de sua titularidade podem ser penhorados, ainda que utilizados na realização de suas atividades.
- E) não é possível atribuir a tal entidade nenhuma prerrogativa reconhecida para os entes federativos.
Resposta:
A alternativa correta é letra B) deve a ela ser reconhecida imunidade tributária recíproca.
Gabarito: LETRA B.
A questão versa acerca da Administração Indireta. Nesse contexto, como estamos diante de uma sociedade de economia mista estadual que realiza atividade típica de Estado na área da saúde e que não tem intuito de obtenção de lucro, de modo que atua em regime não concorrencial, deve-se reconhecer-lhe imunidade tributária recíproca, conforme entendimento consolidado do STF:
DIREITO TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA DELEGATÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. EXTENSÃO. POSSIBILIDADE.
1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal se consolidou no sentido de que as empresas públicas e sociedades de economia mista delegatárias de serviços públicos de prestação obrigatória e exclusiva do Estado são beneficiárias da imunidade tributária recíproca prevista no art. 150, VI, a, da Constituição Federal. Precedentes.
2. Inaplicável o art. 85, § 11, do CPC/2015, uma vez que não houve fixação de honorários advocatícios contra o recorrente.
3. Agravo interno a que se nega provimento.
(STF - RE: 905900 MG 3198487-38.2007.8.13.0079, Relator: ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento: 07/12/2020, Primeira Turma, Data de Publicação: 14/12/2020)
Detalhe: Se há negociação em bolsa de valores e esteja voltada à remuneração de capital, a Sociedade de Economia Mista ou a Empresa Pública não faz jus à imunidade tributária recíproca, conforme entendimento do STF:
TRIBUTÁRIO. IPTU. IMUNIDADE RECÍPROCA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. NATUREZA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO. PARTICIPAÇÃO ACIONÁRIA DISPERSA E NEGOCIADA EM BOLSA DE VALORES. EXAME DA RELAÇÃO ENTRE OS SERVIÇOS PÚBLICOS PRESTADOS E O OBJETIVO DE DISTRIBUIÇÃO DE LUCROS A INVESTIDORES PÚBLICOS E PRIVADOS COMO ELEMENTO DETERMINANTE PARA APLICAÇÃO DA SALVAGUARDA CONSTITUCIONAL. SERVIÇO PÚBLICO DE SANEAMENTO BÁSICO SEM FINS LUCRATIVOS. CF/88, ARTS. 5º, II, XXXV, LIV E LV; 37, INCISOS XIX E XXI E § 6º; 93, IX; 150, VI; E 175, PARÁGRAFO ÚNICO. PRECEDENTES QUE NÃO SE ADEQUAM PERFEITAMENTE AO CASO CONCRETO. IMUNIDADE QUE NÃO DEVE SER RECONHECIDA. REDATOR PARA ACÓRDÃO (ART. 38, IV, B, DO RISTF). FIXAÇÃO DA TESE DE REPERCUSSÃO GERAL.
[...]
7. Proposta de tese de repercussão geral: Sociedade de economia mista, cuja participação acionária é negociada em Bolsas de Valores, e que, inequivocamente, está voltada à remuneração do capital de seus controladores ou acionistas, não está abrangida pela regra de imunidade tributária prevista no art. 150, VI, a, da Constituição, unicamente em razão das atividades desempenhadas.
(STF - RE: 600867 SP, Relator: JOAQUIM BARBOSA, Data de Julgamento: 29/06/2020, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 30/09/2020)
Portanto, gabarito LETRA B.
Analisando os demais itens, temos o seguinte:
a) a entidade administrativa em questão integra o conceito de Fazenda Pública.
Incorreto. Como se trata de uma sociedade de economia mista, não integra o conceito de Fazenda Pública, que alberga somente as pessoas jurídicas de direito público interno, quer da Administração Pública Direta, quer da Administração Pública Indireta (autarquias e demais entidades com natureza autárquica), além dos órgãos públicos despersonalizados dotados de capacidade processual especial, conforme nos ensina Alexandre Mazza (Manual de Direito Administrativo. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 38):
Assim, tornou-se obrigatório reduzir a abrangência do conceito de Fazenda Pública para nele incluir somente as pessoas jurídicas de direito público interno, quer da Administração Pública Direta (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), quer da Administração Pública Indireta (autarquias, fundações públicas, associações públicas, agências reguladoras e agências executivas), além dos órgãos públicos despersonalizados dotados de capacidade processual especial (Ministério Público, Defensoria, Tribunais de Contas, Mesa do Senado etc.). Importante destacar que as empresas estatais (empresas públicas, sociedades de economia mista e respectivas subsidiárias) não integram o conceito de Fazenda Pública na medida em que, embora pertençam à Administração Pública, são pessoas jurídicas de direito privado.
c) a responsabilização civil da entidade por erro médico de seus agentes apenas pode decorrer de dolo ou culpa.
Incorreto. Como se trata de uma sociedade de economia prestadora de serviço público, a responsabilidade, no caso, é objetiva da entidade. Assim, as sociedades de economia mista e as empresas públicas prestadoras do serviço público respondem de forma objetiva, prescindindo (não necessitando) da comprovação de dolo ou culpa. Assim, as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos respondem objetivamente pelos danos causados a particulares. É o que podemos extrair da doutrina de Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (Direito Administrativo Descomplicado. 23. ed. São Paulo: Método, 2015, p. 851):
[...] todas as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos - o que inclui as empresas públicas e as sociedades de economia mista prestadoras de serviços públicos, as fundações públicas com personalidade jurídica de direito privado que prestem serviços públicos e, ainda, as pessoas privadas, não integrantes da administração pública, delegatárias de serviços públicos (concessionárias, permissionárias e detentoras de autorização de serviços públicos). Ressalte-se que não estão abrangidas pelo § 6º do art. 37 as empresas públicas e as sociedades de economia mista exploradoras de atividade econômica. Estas respondem sem quaisquer peculiaridades pelos danos que seus agentes causarem a terceiros, isto é, respondem da mesma forma que as demais pessoas privadas, regidas pelo direito civil ou pelo direito comercial.
d) os bens de sua titularidade podem ser penhorados, ainda que utilizados na realização de suas atividades.
Incorreto. Em decorrência do regime de direito público do serviço público, os bens das empresas estatais prestadoras de serviço público são impenhoráveis e a execução de suas dívidas devem ocorrer por precatório, conforme assevera Alexandre Mazza (Manual de Direito Administrativo. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 38):
Uma dessas características diferenciadas consiste no fato de que nas empresas estatais prestadoras de serviços públicos, ao contrário do que ocorre nas exploradoras de atividade econômica, os bens são impenhoráveis, de modo que tais entidades estão submetidas ao regime especial de execução por precatório (art. 100 da Constituição Federal).
e) não é possível atribuir a tal entidade nenhuma prerrogativa reconhecida para os entes federativos.
Incorreto. Na verdade o regime jurídico próprio do serviço público (regime jurídico-administrativo) derroga parcialmente as regras privadas, sendo possível a atribuição de prerrogativas a tais entidade. É o que nos ensina Alexandre Mazza (p. 38):
Todavia, sabe-se que as empresas estatais prestadoras de serviços públicos (exemplo: Empresa de Correios e Telégrafos – ECT) gozam de condição especial. Isso porque o regime jurídico próprio do serviço público (regime jurídico-administrativo) derroga parcialmente as regras privadas, razão pela qual algumas características normativas são diferentes daquelas aplicáveis às exploradoras de atividades econômicas.
Desse modo, confirma-se gabarito LETRA B.
Deixe um comentário