A respeito da noção de interesse público no Direito Administrativo Brasileiro, é correto afirmar que
- A) se trata de ideia que vem ganhando cada vez maior relevância no direito administrativo, partindo da compreensão filosófica de que os interesses da coletividade devem se sobrepor aos interesses do indivíduo.
- B) comporta as ideias de interesse público em sentido primário – aquele ligado aos interesses da sociedade como um todo – e de interesse público em sentido secundário – aquele identificável com os interesses da Administração Pública em sentido instrumental.
- C) coincide com a noção rousseauniana de “vontade geral na nação”, considerada como a vontade comum de um povo que coabita um determinado território e compartilha dos mesmos valores e objetivos.
- D) ela justifica a existência de prerrogativas da Administração Pública em face dos particulares, tais como o poder de desapropriar bens privados sem prévia indenização, bem como de modificar unilateralmente contratos.
- E) tem origem na noção de commonwealth, extraída do direito anglo-saxão e introduzida no direito administrativo brasileiro por meio dos trabalhos de Rui Barbosa acerca da concepção liberal de Estado Democrático.
Resposta:
A alternativa correta é letra B) comporta as ideias de interesse público em sentido primário – aquele ligado aos interesses da sociedade como um todo – e de interesse público em sentido secundário – aquele identificável com os interesses da Administração Pública em sentido instrumental.
Gabarito: letra B.
a) se trata de ideia que vem ganhando cada vez maior relevância no direito administrativo, partindo da compreensão filosófica de que os interesses da coletividade devem se sobrepor aos interesses do indivíduo. – errada.
Em verdade, o interesse público não vem ganhando cada vez maior relevância no direito administrativo, este foi sempre basilar no referido ramo do direito, baseando todos os princípios e diretrizes. Inclusive a supremacia do interesse público é um supraprincípio do direito administrativo.
Nessa linha, a alternativa está incorreta.
Na lição de Ricardo Alexandre e João de Deus:
“O princípio da supremacia do interesse público (interesse público primário) sobre o interesse privado, também chamado de princípio da finalidade pública, é inerente a qualquer sociedade. Não obstante tal constatação, a Constituição Federal não fez menção expressa a esse princípio, embora possam ser encontradas diversas manifestações concretas dele no texto constitucional, a exemplo dos institutos da desapropriação e da requisição da propriedade particular (CF, art. 5.º, XXIV e XXV). Por isso, pode-se afirmar que o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular encontra-se implícito na Constituição Federal.
(...)
Em suma, podemos concluir que a supremacia do interesse público sobre o interesse privado fundamenta a atribuição ao Estado de prerrogativas nas suas relações com os particulares, mas o exercício desses privilégios somente será legítimo se respeitados os direitos e as garantias individuais. Já nos casos em que a Administração atua segundo um regime de direito privado, ela se despe da maioria de suas prerrogativas estatais e se equipara a um particular, não se podendo assumir que sua atuação busque o atendimento de interesses públicos primários, de modo a não ser legítima a invocação do supraprincípio ora estudado.” (ALEXANDRE, Ricardo; DEUS, João de. Direito Administrativo Esquematizado.1ª ed. São Paulo: Método, 2015. E-book. P. 172)
b) comporta as ideias de interesse público em sentido primário – aquele ligado aos interesses da sociedade como um todo – e de interesse público em sentido secundário – aquele identificável com os interesses da Administração Pública em sentido instrumental. – certa.
Realmente, o interesse público pode ser dividido em duas categorias: o interesse público primário e o interesse público secundário.
O interesse público primário é aquele relacionado à satisfação das necessidades coletivas (justiça, segurança, bem comum do grupo social etc.), perseguido pelo exercício das atividades-fim do Poder Público, enquanto o interesse público secundário corresponde ao interesse individual do próprio Estado, estando relacionado à manutenção das receitas públicas e à defesa do patrimônio público, operacionalizadas mediante exercício de atividades-meio do Poder Público.
FONTE: ALEXANDRE, Ricardo; DEUS, João de. Direito Administrativo Esquematizado.1ª ed. São Paulo: Método, 2015. E-book. P. 169
Nessa linha, a alternativa encontra-se correta.
c) coincide com a noção rousseauniana de “vontade geral na nação”, considerada como a vontade comum de um povo que coabita um determinado território e compartilha dos mesmos valores e objetivos. – errada.
Em verdade, não há como atrelar o interesse público do qual cuida o direito administrativo, com a noção rousseauniana de “vontade geral na nação”. Isso porque, o interesse público no direito administrativo inúmeras vezes tem o dever de inibir interesses de alguns a fim de proporcionar o bem de todos, o interesse público primário.
Logo, no interesse público – do qual trata a questão – não há um consenso, não há uma “vontade geral na nação”. Ademais, salienta-se que mesmo Rosseau teve dificuldade em conceituar essa vontade, ainda nesse sentido, essa vontade geral está mais ligada com a relação da liberdade do indivíduo com o Estado, do que com a necessidade de garantia do interesse público pelo Poder Público.
Sendo assim, a alternativa incorreta, visto que a noção de interesse público não coincide com a noção rousseauniana de “vontade geral na nação”.
Vejamos uma noção do que era essa “vontade geral” para Rosseau:
“O conceito de vontade geral, delineado na obra de Rousseau, é um dos mais retomados na filosofia política e nas teorias democráticas, a fim de se fazer referência ao ideal da soberania popular. Esse conceito, contudo, apresenta ambiguidades e pontos obscuros que criam problemas sobre os quais estudiosos ainda se debruçam para resolver, como, por exemplo, o modo de identificação da vontade geral ou do interesse comum. A questão central expressa por Rousseau, que também se coloca para as sociedades contemporâneas, é saber como conciliar a liberdade ou a autonomia política e a submissão a uma autoridade. Em outras palavras, o problema teórico a ser enfrentado é se é possível, ao mesmo tempo, ser livre e submetido a uma autoridade político-jurídica.
A construção do conceito de vontade geral, na teoria de Rousseau, é uma tentativa de responder a essa questão. Como se sabe, a resposta dada por ele é que um indivíduo é livre, mesmo quando submetido a uma autoridade política, porque obedece a leis às quais ele próprio deu seu consentimento. É nesse ponto que repousa a questão da autonomia, isto é, o indivíduo é livre, porque obedece a uma vontade que é a sua própria vontade, a qual está abarcada pela lei à qual ele está submetido. Não se trata da submissão a qualquer autoridade, mas à autoridade da lei, considerada legítima. Por essa razão, a liberdade não está igualmente atrelada a qualquer Estado, mas a um Estado legítimo, que é o republicano. Uma República é "[...] todo Estado regido por leis, qualquer que seja a sua forma de administração" (monarquia, aristocracia ou democracia). Lei, por sua vez, é toda norma que reúne a generalidade da vontade e a do objeto, ou seja, é o resultado de uma ordenação da vontade geral sobre um objeto que também seja de interesse comum de todos os cidadãos. Contudo, embora pareça bastante simples compreender o que está sendo proposto por Rousseau, não é claro o que exatamente é a vontade geral ou como esse conceito pode ser acessado pelos cidadãos que precisam, para se manter livres, coordenar suas vontades particulares com a vontade geral (ROUSSEAU, 1999, p. 47s./III, p. 379).” (Disponível: https://www.scielo.br/j/trans/a/HLqdxWPTK4J3m4yDJmtjvdb/ Acesso em: 12/10/23)
d) ela justifica a existência de prerrogativas da Administração Pública em face dos particulares, tais como o poder de desapropriar bens privados sem prévia indenização, bem como de modificar unilateralmente contratos. – errada.
A alternativa realmente traz prerrogativas concedidas ao Poder Público a fim de garantir o interesse público, no entanto, a desapropriação de bens privados – conforme comando constitucional – deverá ser feita com prévia e justa indenização em dinheiro.
No texto constitucional:
"Art. 5º (...)
XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição;"
Nessa linha, a alternativa encontra-se incorreta.
e) tem origem na noção de commonwealth, extraída do direito anglo-saxão e introduzida no direito administrativo brasileiro por meio dos trabalhos de Rui Barbosa acerca da concepção liberal de Estado Democrático. – errada.
Em verdade, o interesse público não tem origem no commonwealth e sim no Welfare State (Estado/bem-estar), pois foi quando o Estado passou ter como finalidade atender ao interesse público.
Nessa linha, José dos Santos Carvalho Filho:
“As atividades administrativas são desenvolvidas pelo Estado para benefício da coletividade. Mesmo quando age em vista de algum interesse estatal imediato, o fim último de sua atuação deve ser voltado para o interesse público. E se, como visto, não estiver presente esse objetivo, a atuação estará inquinada de desvio de finalidade.
Desse modo, não é o indivíduo em si o destinatário da atividade administrativa, mas sim o grupo social num todo. Saindo da era do individualismo exacerbado, o Estado passou a caracterizar-se como o Welfare State (Estado/bem-estar), dedicado a atender ao interesse público. Logicamente, as relações sociais vão ensejar, em determinados momentos, um conflito entre o interesse público e o interesse privado, mas, ocorrendo esse conflito, há de prevalecer o interesse público.
Trata-se, de fato, do primado do interesse público. O indivíduo tem que ser visto como integrante da sociedade, não podendo os seus direitos, em regra, ser equiparados aos direitos sociais. Vemos a aplicação do princípio da supremacia do interesse público, por exemplo, na desapropriação, em que o interesse público suplanta o do proprietário; ou no poder de polícia do Estado, por força do qual se estabelecem algumas restrições às atividades individuais.” (CARVALHO FILHO; José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 32ª ed. São Paulo: Atlas, 2018.E-book. P. 86)
Ademais, as influências do direito anglo-saxão no direito administrativo não estão diretamente relacionada com a origem do interesse público.
Vejamos a lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
“Do sistema do common law, o Direito Administrativo brasileiro herdou o princípio da unidade de jurisdição, o mandado de segurança e o mandado de injunção, o princípio do devido processo legal, inclusive, mais recentemente, em sua feição substantiva, e que praticamente se confunde com o princípio da razoabilidade, já aplicado no direito brasileiro. Em fins do século XX, também herdou do sistema do common law o fenômeno da agencificação, a própria ideia de regulação e o modelo contratual das parcerias público-privadas.” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 31ª ed. São Paulo: Atlas, 2018. P. 69)
Por fim, salienta-se que Rui Barbosa difundiu a concepção liberal de Estado Democrático, no entanto, não foram esses trabalhos (ou apenas eles) que deram origem ao interesse público.
Portanto, alternativa incorreta.
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