Em relação aos conceitos e às fontes do direito administrativo, assinale a opção correta.
- A) A expressão the king can do no wrong (em português, o rei não pode errar) traduz um fundamento do Estado de direito que remonta à origem do direito administrativo.
- B) O direito administrativo compreende tanto a proteção da liberdade do cidadão quanto o reconhecimento de prerrogativas e privilégios para a administração pública.
- C) Um dos efeitos da constitucionalização do direito administrativo é a ampliação do poder discricionário do administrador.
- D) A doutrina é pacífica acerca da origem autoritária do direito administrativo, que surgiu para proteger interesses econômicos e políticos da burguesia.
- E) Somente na perspectiva neoconstitucionalista, é possível indicar a Constituição como fonte primária do direito administrativo.
Resposta:
A alternativa correta é letra B) O direito administrativo compreende tanto a proteção da liberdade do cidadão quanto o reconhecimento de prerrogativas e privilégios para a administração pública.
Gabarito: letra B.
a) A expressão the king can do no wrong (em português, o rei não pode errar) traduz um fundamento do Estado de direito que remonta à origem do direito administrativo. – errada.
A referida expressão diz respeito às épocas absolutistas em que não havia responsabilidade da administração pública, ou seja, não remonta às origens do próprio direito administrativo.
Portanto, alternativa incorreta.
Na lição de Ricardo Alexandre e João de Deus:
“Essa teoria teve maior destaque na época dos regimes absolutistas, e hoje tem valor meramente histórico, estando completamente superada. A teoria da irresponsabilidade não aceita que o Estado, por meio de seus agentes, possa causar dano às pessoas, daí essa teoria ser sintetizada pela frase: “O rei não pode errar” (the king can do no wrong; le roi ne peut mal faire).” (ALEXANDRE, Ricardo; DEUS, João de. Direito Administrativo Esquematizado.1ª ed. São Paulo: Método, 2015. E-book. P. 607)
b) O direito administrativo compreende tanto a proteção da liberdade do cidadão quanto o reconhecimento de prerrogativas e privilégios para a administração pública. – certa.
Realmente, o direito administrativo compreende tanto a proteção da liberdade do cidadão quanto o reconhecimento de prerrogativas e privilégios para a administração pública.
Para Rafael de Oliveira, inclusive, a proteção da liberdade do cidadão se refere à atividade administrativa e a a função administrativa envolve o conjunto de prerrogativas e competências estatais.
Nessa linha, alternativa correta.
Vejamos:
“O Direito Administrativo é o ramo do Direito Público que tem por objeto as regras e os princípios aplicáveis à atividade administrativa preordenada à satisfação dos direitos fundamentais.
Conforme será destacado no item 4.2, não é tarefa simples a conceituação da função administrativa e a sua diferenciação com as demais funções estatais (legislativa e judicial). Cada vez mais complexa, em razão da pluralidade de atividades que se inserem no seu conceito (poder de polícia, função regulamentar, fomento, serviços públicos, regulação etc.), a atividade administrativa tem sido caracterizada de forma residual para englobar, em princípio, todas as atividades não legislativas e não judiciais.
Há uma íntima relação entre a função administrativa e a atividade administrativa. Enquanto a função administrativa envolve o conjunto de prerrogativas e competências estatais, a atividade administrativa é o exercício concreto, por meio de ações ou omissões estatais, da função administrativa.” (OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende de. Curso de Direito Administrativo. 9ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2021. E-book. P. 55)
c) Um dos efeitos da constitucionalização do direito administrativo é a ampliação do poder discricionário do administrador. – errada.
Em verdade, os efeitos da constitucionalização do direito administrativo é a restrição do poder discricionário do administrador. Isso porque, os limites a esse poder vão além do que está previsto na Lei estrita e alcançar um bloco de legalidade que abrange as previsões constitucionais, seus princípios e todos os seus preceitos.
Sobre o tema, a lição de Ricardo Alexandre e João de Deus:
“A Lei 9.784/1999 (que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal), no art. 2.º, parágrafo único, I, prevê que a atuação administrativa deverá se dar em conformidade com a lei e o Direito. O referido dispositivo legal contempla a noção de princípio da juridicidade, segundo o qual a conduta administrativa está subordinada não só a uma lei ordinária ou complementar, mas também deve respeitar o chamado “bloco de legalidade” (Constituição Federal, Constituições Estaduais, tratados e convenções, decretos legislativos, princípios gerais de direito, Preâmbulo da Constituição etc.).
(...)
Dessa lição é possível inferir que a legalidade (em sentido estrito, como sinônimo de lei ordinária ou complementar) não é o único parâmetro a conformar a atuação administrativa, sendo certo que eventual comportamento administrativo que viole o bloco de legalidade também deverá resultar na invalidação dos atos praticados.” (ALEXANDRE, Ricardo; DEUS, João de. Direito Administrativo Esquematizado.1ª ed. São Paulo: Método, 2015. E-book. P. 179)
d) A doutrina é pacífica acerca da origem autoritária do direito administrativo, que surgiu para proteger interesses econômicos e políticos da burguesia. – errada.
Em verdade, há parte da doutrina expõe a origem autoritária do direito administrativo, o qual teria surgido para proteger interesses econômicos e políticos da burguesia.
No entanto, não há um consenso nesse sentido, pois não foi um só fator que contribuiu para o surgimento do direito administrativo e, sim, um conjunto de situações e contextos.
Logo, alternativa incorreta.
O professor Rafael de Oliveira traz um pequeno recorte das diferentes ideias sobre o surgimento do direito administrativo:
1) O nascimento do Direito Administrativo relaciona-se diretamente com a consagração dos ideais da Revolução Francesa de 1789 e o surgimento do Estado de Direito. A partir dos ideais liberais revolucionários da burguesia (separação de poderes, princípio da legalidade e Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão), o poder estatal é limitado e o Direito Administrativo é concebido como ramo especial do Direito, ao lado do Direito Privado, regulador das relações envolvendo o Estado e o exercício das atividades administrativas.
2) Na célebre lição de Prosper Weil, o Direito Administrativo seria “fruto de milagre”, pois o seu surgimento decorreu da decisão do próprio Estado de se autovincular ao Direito. Essa concepção parte da premissa de ruptura e de descontinuidade com o Antigo Regime, mas, em verdade, não é isenta de críticas.
3) Paulo Otero, em oposição à tese de ruptura, sustenta que haveria uma relação de continuidade entre a França pós-revolucionária e os ideais consagrados pelo período político anterior, servindo o Direito Administrativo, na verdade, como um mecanismo para legitimar e, ao mesmo tempo, imunizar o poder estatal contra o controle externo, especialmente a partir da instituição de uma justiça administrativa especializada (Conselho de Estado), integrante do Executivo. A confusão das funções de executar e julgar nas mãos de um único “poder” (Executivo) é considerado como um “pecado original” do contencioso administrativo francês.
FONTE: OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende de. Curso de Direito Administrativo. 9ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2021. E-book. P. 52
e) Somente na perspectiva neoconstitucionalista, é possível indicar a Constituição como fonte primária do direito administrativo. – errada.
Em verdade, no constitucionalismo moderno como a ascensão da concepção liberal (de valorização do indivíduo e afastamento do Estado) gerou concentração de renda e exclusão social, o Estado passou a ser chamado para evitar abusos e limitar o poder econômico. Nessa linha, a Constituição já figurava como uma fonte do direito administrativo, pois tinha finalidade de limitar o poder do Estado.
No neoconstitucionalismo essa lógica permanece, no entanto, o foco maior é a eficácia dos ditames constitucionais.
FONTE: LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 21ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017. P. 73
Sendo assim, a alternativas encontra-se incorreta.
Na lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
“A Constituição (com respectivas Emendas) constitui a fonte primeira do Direito Administrativo.
No direito brasileiro, pode-se falar em Constituições, tendo em vista que, adotando o Estado Brasileiro a forma federativa, existem, além da Constituição da República, as Constituições dos Estados-membros e as leis orgânicas do Distrito Federal e dos Municípios.
Uma das características do Direito Administrativo é o fato de ser ele concretizador da Constituição, porque é por meio da legislação, doutrina e jurisprudência do Direito Administrativo que se dá efetividade a preceitos constitucionais. Quando o legislador se omite, a Constituição deixa de ser cumprida. Com a constitucionalização do Direito Administrativo, acentuada na Constituição de 1988 e ainda mais fortalecida por meio de Emendas constitucionais, cresceu de importância a Constituição como principal fonte do Direito Administrativo. Fala-se em substituição da legalidade por constitucionalidade.” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 31ª ed. São Paulo: Atlas, 2018. P. 95)
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