A respeito do poder de polícia, é correto afirmar que
- A) a atividade de sanção não pode ser delegada a empresa pública.
- B) não estará presente no exercício da autoridade estatal sobre administrados que possuem vínculos especiais (legal ou negocial) com a Administração Pública.
- C) de acordo com a teoria do ciclo de polícia, este possui a fase de consentimento, que corresponde à verificação do cumprimento, pelo particular, da norma de polícia.
- D) o poder de polícia corresponde a uma prerrogativa estatal e a indicação do seu campo de atuação não pressupõe uma ponderação com os direitos fundamentais do administrado.
- E) a autoexecutoriedade do poder de polícia somente pode ser afastada se houver expressa vedação legal.
Resposta:
A alternativa correta é letra B) não estará presente no exercício da autoridade estatal sobre administrados que possuem vínculos especiais (legal ou negocial) com a Administração Pública.
Gabarito: LETRA B.
A questão aborda o tema Poderes da Administração Pública, mais precisamente acerca do Poder de Polícia. Nesse contexto, vamos analisar os itens para encontrar a resposta correta.
a) a atividade de sanção não pode ser delegada a empresa pública.
Incorreto. Na verdade, atualmente, o STF reconhece que a delegação de poder de polícia em favor de sociedade de economia mista é viável mesmo se adotado o regime celetista para as relações de trabalho no âmbito da empresa, desde que a SEM possua capital social majoritariamente público, que prestem exclusivamente serviço público de atuação própria do Estado e em regime não concorrencial. Vejamos:
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 532. DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. PRELIMINARES DE VIOLAÇÃO DO DIREITO À PRESTAÇÃO JURISDICIONAL ADEQUADA E DE USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL AFASTADAS. PODER DE POLÍCIA. TEORIA DO CICLO DE POLÍCIA. DELEGAÇÃO A PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO INTEGRANTE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO DE ATUAÇÃO PRÓPRIA DO ESTADO. CAPITAL MAJORITARIAMENTE PÚBLICO. REGIME NÃO CONCORRENCIAL. CONSTITUCIONALIDADE. NECESSIDADE DE LEI FORMAL ESPECÍFICA PARA DELEGAÇÃO. CONTROLE DE ABUSOS E DESVIOS POR MEIO DO DEVIDO PROCESSO. CONTROLE JUDICIAL DO EXERCÍCIO IRREGULAR. INDELEGABILIDADE DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA.
[...]
6. Consectariamente, a Constituição, ao autorizar a criação de empresas públicas e sociedades de economia mista que tenham por objeto exclusivo a prestação de serviços públicos de atuação típica do Estado e em regime não concorrencial, autoriza, consequentemente, a delegação dos meios necessários à realização do serviço público delegado. Deveras: a) A admissão de empregados públicos deve ser precedida de concurso público, característica que não se coaduna com a despedida imotivada; b) o RE 589.998, esta Corte reconheceu que a ECT, que presta um serviço público em regime de monopólio, deve motivar a dispensa de seus empregados, assegurando-se, assim, que os princípios observados no momento da admissão sejam, também, respeitados por ocasião do desligamento; c) Os empregados públicos se submetem, ainda, aos princípios constitucionais de atuação da Administração Pública constantes do artigo 37 da Carta Política. Assim, eventuais interferências indevidas em sua atuação podem ser objeto de impugnação administrativa ou judicial; d) Ausente, portanto, qualquer incompatibilidade entre o regime celetista existente nas estatais prestadoras de serviço público em regime de monopólio e o exercício de atividade de polícia administrativa pelos seus empregados.
7. As estatais prestadoras de serviço público de atuação própria do Estado e em regime não concorrencial podem atuar na companhia do atributo da coercibilidade inerente ao exercício do poder de polícia, mormente diante da atração do regime fazendário.
[...]
12. Ex positis, voto no sentido de (i) CONHECER e DAR PROVIMENTO ao recurso extraordinário interposto pela Empresa de Transporte e Trânsito de Belo Horizonte – BHTRANS e (ii) de CONHECER e NEGAR PROVIMENTO ao recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, para reconhecer a compatibilidade constitucional da delegação da atividade de policiamento de trânsito à Empresa de Transporte e Trânsito de Belo Horizonte – BHTRANS, nos limites da tese jurídica objetivamente fixada pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal.
13. Repercussão geral constitucional que assenta a seguinte tese objetiva: “É constitucional a delegação do poder de polícia, por meio de lei, a pessoas jurídicas de direito privado integrantes da Administração Pública indireta de capital social majoritariamente público que prestem exclusivamente serviço público de atuação própria do Estado e em regime não concorrencial.” (RE 633782, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 26/10/2020, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-279 DIVULG 24-11-2020 PUBLIC 25-11-2020)
b) não estará presente no exercício da autoridade estatal sobre administrados que possuem vínculos especiais (legal ou negocial) com a Administração Pública.
Correto. O poder de polícia decorre da supremacia geral do Estado sobre o cidadão. Por sua vez, aqueles que possuam vínculos especiais estão sujeitos ao poder disciplinar da Administração. Com efeito, a Administração Pública, por meio do regular uso do poder disciplinar, apura infrações e aplica penalidades aos servidores públicos e demais pessoas sujeitas à disciplina administrativa. Esta disciplina administrativa, diversamente do poder de polícia, decorre de uma supremacia especial e de um vínculo jurídico especial entre a administração e as demais pessoas, conforme podemos aferir das lições de Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro. 42. ed. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 145):
Poder disciplinar é a faculdade de punir internamente as infrações funcionais dos servidores e demais pessoas sujeitas à disciplina dos órgãos e serviços da Administração. É uma supremacia especial que o Estado exerce sobre todos aqueles que se vinculam à Administração por relações de qualquer natureza, subordinando-se às normas de funcionamento do serviço ou do estabelecimento que passam a integrar definitiva ou transitoriamente.
c) de acordo com a teoria do ciclo de polícia, este possui a fase de consentimento, que corresponde à verificação do cumprimento, pelo particular, da norma de polícia.
Incorreto. Na verdade, a assertiva descreve a fase de fiscalização de polícia. Por sua vez, a fase de consentimento é a anuência do Estado para que o particular pratique atividade ou utilize a propriedade particular, conforme explica Rafael Carvalho Rezende de Oliveira (Curso de Direito Administrativo. 8. ed. Rio de Janeiro: Método, 2020, p. 222):
b) consentimento: é a anuência do Estado para que o particular desenvolva determinada atividade ou utilize a propriedade particular. Nesse caso, o consentimento estatal pode ser dividido em, pelo menos, duas categorias:
[...]
c) fiscalização: é a verificação do cumprimento, pelo particular, da ordem e do consentimento de polícia (ex.: fiscalização de trânsito, fiscalização sanitária etc.). A atividade fiscalizatória pode ser iniciada de ofício ou por provocação de qualquer interessado;
d) o poder de polícia corresponde a uma prerrogativa estatal e a indicação do seu campo de atuação não pressupõe uma ponderação com os direitos fundamentais do administrado.
Incorreto. Pelo contrário, com a constitucionalização do direito em geral e a centralidade dos direitos fundamentais, toda e qualquer atividade administrativa, mormente aquelas restritivas de direitos (como o poder de polícia), devem submeter-se à ponderação frente aos direitos fundamentais. É o que nos explica Rafael Rezende de Oliveira (p. 224):
Todavia, em razão da constitucionalização do Direito Administrativo e da centralidade dos direitos fundamentais, entendemos que seria mais adequado afirmar que o fundamento de toda e qualquer ação estatal deve ser a promoção e a proteção dos direitos fundamentais. [...] A atividade de polícia passa necessariamente por ponderações entre direitos fundamentais conflitantes. A legislação realiza, em primeiro lugar, ponderações, adotando soluções abstratas (soluções preferenciais) que norteiam a atividade administrativa.
e) a autoexecutoriedade do poder de polícia somente pode ser afastada se houver expressa vedação legal.
Incorreto. Este é o entendimento minoritário da doutrina, o que recomendamos não adotar, devendo seguir o raciocínio majoritário no sentido de que a executoriedade depende de previsão legal ou do caráter emergencial da situação concreta. Vejamos com Rafael Carvalho Rezende de Oliveira (p. 222):
1.º entendimento (majoritário): A doutrina majoritária afirma que a executoriedade depende de previsão legal ou do caráter emergencial da situação concreta. Nesse sentido: Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Celso Antônio Bandeira de Mello, José dos Santos Carvalho Filho; Marçal Justen Filho e Diógenes Gasparini.
2.º entendimento: parcela da doutrina afirma que a executoriedade é a regra, somente afastada na hipótese de expressa vedação legal. Nesse sentido: Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Hely Lopes Meirelles.
Portanto, gabarito LETRA B.
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