A sociedade de economia mista municipal Beta possui capital social majoritariamente público e presta exclusivamente serviço público de atuação própria do Estado e em regime não concorrencial. No Município Alfa, o serviço público em matéria de trânsito nas vias públicas municipais é prestado pela sociedade de economia mista Beta, que, de acordo com lei local, é competente, inclusive, para aplicação das multas de trânsito.
De acordo com a atual jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a lei do Município Alfa que promoveu a delegação do poder de polícia à sociedade de economia mista Beta, inclusive da fase de sanção de polícia, mediante a possibilidade de aplicação de multas, é
- A) inconstitucional, pois a sociedade de economia mista Beta é pessoa jurídica de direito privado, razão pela qual não pode exercer o poder de polícia, em quaisquer fases de seu ciclo.
- B) inconstitucional, pois somente as atividades de apoio ao poder de polícia (consentimento e fiscalização de polícia) podem ser delegadas à pessoa jurídica de direito privado.
- C) inconstitucional, pois somente lei federal, editada pelo Congresso Nacional, pode prever a possibilidade de delegação do poder de polícia na modalidade sanção de polícia.
- D) constitucional, pois o fato de a sociedade de economia mista Beta ser pessoa jurídica de direito privado não a impede de exercer a função pública de polícia administrativa, na modalidade de sanção de polícia, com base em lei local.
- E) constitucional, pois o fato de a sociedade de economia mista Beta ser integrante da administração indireta já viabiliza o exercício do poder de polícia, em quaisquer de suas fases, independentemente de lei local promovendo a delegação.
Resposta:
A alternativa correta é letra D) constitucional, pois o fato de a sociedade de economia mista Beta ser pessoa jurídica de direito privado não a impede de exercer a função pública de polícia administrativa, na modalidade de sanção de polícia, com base em lei local.
Gabarito: letra D.
d) constitucional, pois o fato de a sociedade de economia mista Beta ser pessoa jurídica de direito privado não a impede de exercer a função pública de polícia administrativa, na modalidade de sanção de polícia, com base em lei local. – certa.
Analisando o caso concreto trazido pelo enunciado, nota-se que ele é muito semelhante ao que fora submetido aos Tribunais Superiores com o intuito de sanar a seguinte polêmica:
É possível a delegação do poder de polícia – inclusive da possibilidade de aplicação de multas – para pessoas jurídicas de direito privado?
Para o STJ: não
O STJ possuía julgado afirmando que o poder de polícia da administração é exercido com base no “poder de império do Estado”. Em virtude disso, o exercício do poder de polícia não poderia ser delegado para particulares.
Assim, o poder de polícia, por ser uma atividade típica do Estado, não poderia ser delegada.
Vale ressaltar que até seria possível que o Estado delegasse para particulares a realização de atividades de apoio ao exercício do poder de polícia. Isso é chamado de aspectos materiais do poder de polícia.
Para o STJ, o ato de poder de polícia pode ser dividido em quatro fases (“ciclos de polícia”):
ORDEM DE POLÍCIA | CONSENTIMENTO DE POLÍCIA | FISCALIZAÇÃO DE POLÍCIA | SANÇÃO DE POLÍCIA |
É a legislação que estabelece os limites e condições necessárias para o exercício da atividade ou uso dos bens por parte dos particulares. Ex: as normas de vigilância sanitária. | É a fase na qual a Administração dá o consentimento para que o particular pratique determinada atividade ou para que utilize o bem segundo a ordem de polícia em vigor. Ex: licença para dirigir, autorização para construir etc. | Aqui a Administração verifica se o particular está cumprindo as regras estabelecidas na ordem de polícia. Ex: o fiscal vai até o açougue para verificar se o estabelecimento cumpre a legislação sanitária. | Consiste na aplicação das penalidades administrativas para aquele que descumpriu a ordem de polícia. Ex: o fiscal constata que o açougue não está acondicionando de forma adequada as carnes e aplica multa. |
Esta fase não pode ser delegada. | Pode ser delegada para particulares. | Pode ser delegada para particulares. | Não pode ser delegada para particulares. |
Obs: as fases 1 (ordem) e 3 (fiscalização) estão presentes em todo e qualquer ato de poder de polícia. As fases 2 e 4 podem ocorrer ou não.
Exemplo: para o STJ, a imposição de multas de trânsito é uma atividade de poder de polícia e, portanto, somente poderia ser exercida pelo Estado. Seria possível, no entanto, que a Administração Pública contratasse uma empresa privada para a instalação e manutenção de radares de velocidade nas vias públicas. Isso porque esta é apenas uma atividade de apoio ao poder de polícia. A imposição da multa continuaria sendo privativa do Estado.
Em suma, segundo esse julgado do STJ:
• o poder de polícia é uma atividade típica do Estado, não podendo ser delegada a particulares. Ex: imposição de multa de trânsito.
• as atividades de apoio ao poder de polícia podem ser delegadas. Ex: instalação de radares.
Para o STF: sim (posição solicitada pela questão)
É constitucional a delegação do poder de polícia, por meio de lei, a pessoas jurídicas de direito privado integrantes da Administração Pública indireta de capital social majoritariamente público que prestem exclusivamente serviço público de atuação própria do Estado e em regime não concorrencial.
STF. Plenário. RE 633782/MG, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 23/10/2020 (Repercussão Geral – Tema 532) (Info 996).
Isso porque, o fato de a pessoa jurídica integrante da Administração Pública indireta destinatária da delegação da atividade de polícia administrativa ser constituída sob a roupagem do regime privado não a impede de exercer a função pública de polícia administrativa.
O regime jurídico híbrido das estatais prestadoras de serviço público em regime de monopólio é plenamente compatível com a delegação, nos mesmos termos em que se admite a constitucionalidade do exercício delegado de atividade de polícia por entidades de regime jurídico de direito público. Isso porque a incidência de normas de direito público em relação àquelas entidades da Administração indireta tem o condão de as aproximar do regime de direito público, do regime fazendário e acabar por desempenhar atividade própria do Estado.
Para a Suprema Corte, a Constituição da República, ao autorizar a criação de empresas públicas e sociedades de economia mista que tenham por objeto exclusivo a prestação de serviços públicos de atuação típica do Estado, autoriza, consequentemente, a delegação dos meios necessários à realização do serviço público delegado, sob pena de restar inviabilizada a atuação dessas entidades na prestação de serviços públicos.
Por outro lado, cumpre ressaltar a única fase do ciclo de polícia que, por sua natureza, é absolutamente indelegável: a ordem de polícia, ou seja, a função legislativa. A competência legislativa é restrita aos entes públicos previstos na Constituição da República, sendo vedada sua delegação, fora das hipóteses expressamente autorizadas no tecido constitucional, a pessoas jurídicas de direito privado.
Em suma, os atos de consentimento, de fiscalização e de aplicação de sanções podem ser delegados a estatais que possam ter um regime jurídico próximo daquele aplicável à Fazenda Pública.
FONTE: CAVALCANTE, Márcio André Lopes. É possível a delegação do poder de polícia – inclusive da possibilidade de aplicação de multas – para pessoas jurídicas de direito privado?. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/19e901474bd32d47931f0219992ff889>. Acesso em: 06/12/2022
Portanto, como é possível extrair do enunciado, a sociedade de economia mista municipal Beta possui capital social majoritariamente público e presta exclusivamente serviço público de atuação própria do Estado e em regime não concorrencial, logo, os requisitos trazidos pela decisão do STF estão cumpridos,
Sendo assim, a delegação feita pelo Município Alfa é constitucional, pois o fato de a sociedade de economia mista Beta ser pessoa jurídica de direito privado não a impede de exercer a função pública de polícia administrativa, na modalidade de sanção de polícia, com base em lei local, o que torna a alternativa correta a ser assinalada a letra D.
Vejamos os erros das demais alternativas:
a) inconstitucional, pois a sociedade de economia mista Beta é pessoa jurídica de direito privado, razão pela qual não pode exercer o poder de polícia, em quaisquer fases de seu ciclo. – errada.
b) inconstitucional, pois somente as atividades de apoio ao poder de polícia (consentimento e fiscalização de polícia) podem ser delegadas à pessoa jurídica de direito privado. – errada.
c) inconstitucional, pois somente lei federal, editada pelo Congresso Nacional, pode prever a possibilidade de delegação do poder de polícia na modalidade sanção de polícia. – errada.
e) constitucional, pois o fato de a sociedade de economia mista Beta ser integrante da administração indireta já viabiliza o exercício do poder de polícia, em quaisquer de suas fases, independentemente de lei local promovendo a delegação. – errada.
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