Cada um de nós põe em comum sua pessoa e toda a sua autoridade sob o supremo comando da vontade geral, e recebemos em conjunto cada membro como parte indivisível do todo. Convém que tudo quanto cada qual aliene em virtude do pacto social de seu poder, de seus bens, de sua liberdade, seja apenas a parte cujo uso interesse à sociedade, todavia, é preciso igualmente convir que só o soberano pode ser juiz desse interesse.
Jean-Jacques Rousseau. Do contrato social. Trad. R. R. da Silva.Ed. Ridendo Castigat Moraes, p. 10 e 16 (com adaptações).
Esse texto pode ser considerado como o fundamento para a existência do poder de polícia nas sociedades modernas. Quanto ao poder de polícia no direito administrativo brasileiro, assinale a opção correta.
- A) Em sentido amplo, o poder de polícia pode ser entendido como a atividade da administração que engloba a polícia administrativa e a judiciária. A segunda tem como característica principal a prevenção, por objeto a propriedade e a liberdade e rege-se pelas normas administrativas. A primeira é notadamente repressiva, tem por objeto as pessoas e rege-se por normas processuais penais.
- B) O poder de polícia não pode ser delegado a particulares. Isso significa que a administração não pode sequer contratar empresa para a instalação de equipamentos que auxiliem nas atividades materiais de constatação de infrações.
- C) São atributos do poder de polícia a autoexecutoriedade, a imperatividade e a presunção de legitimidade.
- D) O poder de polícia também pode-se manifestar por meio da edição de atos normativos.
- E) A administração pode cobrar e executar, na via administrativa, o valor das multas aplicadas aos administrados, uma vez que o poder de polícia tem como atributo a autoexecutoriedade.
Resposta:
ESTA QUESTÃO FOI ANULADA, NÃO POSSUI ALTERNATIVA CORRETA
Gabarito: ANULADA.
A questão aborda o tema Poderes da Administração Pública, mais precisamente acerca do poder de polícia. Nesse contexto, vamos analisar os itens para encontrar a resposta correta, conforme exige a questão.
a) Em sentido amplo, o poder de polícia pode ser entendido como a atividade da administração que engloba a polícia administrativa e a judiciária. A segunda tem como característica principal a prevenção, por objeto a propriedade e a liberdade e rege-se pelas normas administrativas. A primeira é notadamente repressiva, tem por objeto as pessoas e rege-se por normas processuais penais.
Incorreto. O Poder de Polícia se manifesta em atos normativos e em atividades materiais e concretas. Com efeito, em sentido amplo, é juridicamente correto afirmar que o exercício do poder de polícia está associado à atividade do Poder Legislativo e do Poder Executivo, pois este sentido engloba tanto as restrições legislativas quanto as administrativas, conforme nos ensina Alexandre Mazza (Manual de Direito Administrativo. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 431-432):
a) poder de polícia em sentido amplo: inclui qualquer limitação estatal à liberdade e propriedade privadas, englobando restrições legislativas e limitações administrativas. Assim, por exemplo, as disposições do Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001), que condicionam o uso regular da propriedade urbana ao cumprimento da sua função social, constituem poder de polícia em sentido amplo. Porém, a excessiva amplitude desse conceito reduz sua utilidade prática, não havendo registro de sua utilização em concursos públicos;
Além disso, não se confunde poder de polícia administrativa com polícia judiciária. Primeiramente, o Poder de Polícia Administrativa, via de regra, incide sobre as condutas ou situações particulares que possam afetar os interesses da coletividade, uma vez que é aquela em que a administração pública faz incidir sobre os bens, direitos e atividades, diversamente da polícia judiciária e da polícia de manutenção da ordem pública, que atinge pessoas. Não obstante, a polícia administrativa ser, sim, inerente e se difundir por toda a Administração Pública, conforme leciona Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro. 42. ed. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 153):
Desde já convém distinguir a polícia administrativa, que nos interessa neste estudo, da polícia judiciária e da polícia de manutenção da ordem pública, estranhas às nossas cogitações. Advirta-se, porém, que a polícia administrativa incide sobre os bens, direitos e atividades, ao passo que as outras atuam sobre as pessoas, individualmente ou indiscriminadamente. A polícia administrativa é inerente e se difunde por toda a Administração Pública, enquanto as demais são específicas e privativas de determinados órgãos (Polícias Civis) ou corporações (Polícias Militares e Guardas Municipais).
b) O poder de polícia não pode ser delegado a particulares. Isso significa que a administração não pode sequer contratar empresa para a instalação de equipamentos que auxiliem nas atividades materiais de constatação de infrações.
Incorreto. Na verdade, segundo o entendimento do STF, o Poder de Polícia não pode ser delegado a pessoas ou instituições privadas, com exceção das atividades materiais preparatórias ao exercício do poder de polícia, uma vez que somente prestam apoio instrumental para que o Estado desempenhe o Poder de Polícia propriamente dito, conforme nos ensina Alexandre Mazza (Manual de Direito Administrativo. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 438):
Segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal, poder de polícia só pode ser delegado a pessoas jurídicas de direito público, e não a pessoas jurídicas de direito privado (ADIn 1.717-6). Entretanto, é possível delegar a particulares atividades materiais preparatórias ao exercício do poder de polícia, já que elas não realizam a fiscalização em si, mas apenas servem de apoio instrumental para que o Estado desempenhe privativamente o poder de polícia. Exemplos: empresa privada que instala radares fotográficos para apoiar na fiscalização do trânsito; e manutenção de presídios administrados pela iniciativa privada. Nos dois casos, o particular realiza atividades materiais secundárias, permitindo que o Estado exerça a fiscalização propriamente dita
c) São atributos do poder de polícia a autoexecutoriedade, a imperatividade e a presunção de legitimidade.
Incorreto. Embora estes também sejam atributos dos atos de polícia, posto que são atributos de todos os atos administrativos, na verdade, aponta-se, como atributos do Poder de Polícia, a discricionariedade, a autoexecutoriedade e a coercibilidade. Vejamos nas lições de Maria Sylvia Zanella di Pietro (Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 126):
Costuma-se apontar como atributos do poder de polícia a discricionariedade, a autoexecutoriedade e a coercibilidade, além do fato de corresponder a uma atividade negativa. Pode-se atualmente acrescentar outra característica, que é a indelegabilidade do poder polícia a pessoas jurídicas de direito privado.
Diga-se, por oportuno, que o poder de polícia é discricionário, pois a Administração terá que decidir qual o melhor momento de agir, qual o meio de ação mais adequado, qual a sanção cabível diante das previstas na norma legal, conforme leciona Maria Sylvia Di Pietro (Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 126):
[...] em grande parte dos casos concretos, a Administração terá que decidir qual o melhor momento de agir, qual o meio de ação mais adequado, qual a sanção cabível diante das previstas na norma legal. Em tais circunstâncias, o poder de polícia será discricionário.
Observe, ainda, que não há necessidade de autorização do Poder Judiciário para atuação do representante da Administração na limitação de interesse ou liberdade de particulares, uma vez que os atos administrativos de polícia são dotados de autoexecutoriedade, o qual autoriza a atuação da Administração sem o controle prévio judicial. Vejamos nas lições de Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (Direito Administrativo Descomplicado. 23. ed. São Paulo: Método, 2015, p. 276):
É atributo típico do poder de polícia, presente, sobretudo, nos atos repressivos de polícia. A administração pública precisa ter a prerrogativa de impor diretamente, sem necessidade de prévia autorização judicial, as medidas ou sanções de polícia administrativa necessárias à repressão de atividades lesivas à coletividade, ou que coloquem em risco a incolumidade pública.
A obtenção de prévia autorização judicial para a prática de determinados atos de polícia é uma faculdade da administração pública. Ela costuma recorrer previamente ao Judiciário quando tenciona praticar atos em que seja previsível forte resistência dos particulares envolvidos, como na demolição de edificações irregulares, embora, como dito, seja facultativa a obtenção de tal autorização.
Por fim, um dos atributos da polícia administrativa é coercibilidade, pela qual se admite a conduta coativa da Administração Pública. Vejamos com Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (Direito Administrativo Descomplicado. 23. ed. São Paulo: Método, 2015, p. 278):
O último atributo do poder de polícia, a coercibilidade, traduz-se na possibilidade de as medidas adotadas pela administração pública serem impostas coativamente ao administrado, inclusive mediante o emprego da força. Caso o particular resista ao ato de policia, a administração poderá valer-se da força pública para garantir o seu cumprimento.
d) O poder de polícia também pode-se manifestar por meio da edição de atos normativos.
Correto. Conforme vimos, o Poder de Polícia também pode se manifestar em atos normativos em geral, consoante detalha Maria Sylvia Zanella Di Pietro (Direito Administrativo. 32. ed. São Paulo: Atlas, 2019, p. 161):
atos normativos em geral, a saber: pela lei, criam-se as limitações administrativas ao exercício dos direitos e das atividades individuais, estabelecendo-se normas gerais e abstratas dirigidas indistintamente às pessoas que estejam em idêntica situação
e) A administração pode cobrar e executar, na via administrativa, o valor das multas aplicadas aos administrados, uma vez que o poder de polícia tem como atributo a autoexecutoriedade.
Incorreto. Embora o poder de polícia seja autoexecutório, perceba que nem toda atuação de polícia administrativa assim o é. Peguemos como exemplo a multa. Sanção administrativa, decorrente do poder de polícia, que pode ser IMPOSTA ao particular por meio de ato administrativo. Todavia, a sua cobrança só se dará por meio de ação autônoma perante o Poder Judiciário, vale dizer, não pode a administração autoexecutar a cobrança de valores em dinheiro (pecuniários). Vejamos nas lições de Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (Direito Administrativo Descomplicado. 23. ed. São Paulo: Método, 2015, p. 276):
Nem toda atuação de polícia administrativa, contudo, pode ser levada a termo de forma autoexecutória. Exemplo consagrado de ato não autoexecutório é a cobrança de multas administrativas de polícia, quando resistida pelo particular . Nesse caso, a imposição da multa é efetuada pela administração pública sem necessidade de qualquer participação do Poder Judiciário. Entretanto, a cobrança forçada dessa multa aplicada no exercício do poder de polícia e não paga pelo administrado somente pode ser efetivada por meio de uma ação judicial de execução.
Portanto, o gabarito seria LETRA D, porém a banca optou por ANULAR a questão.
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