O tema do poder de polícia enquanto atribuição da Administação Pública de impor restrições aos particulares tem sido levado a conhecimento do Supremo Tribunal Federal por meio de Recursos Extraordinários, o qual fixou a seguinte tese de repercusão geral sobre o tema:
- A) É inconstitucional a taxa de renovação de funcionamento e localização municipal, desde que efetivo o exercício do poder de polícia, demonstrado pela existência de órgão e estrutura competentes para o respectivo exercício.
- B) É inconstitucional a atribuição às guardas municipais do exercício de poder de polícia de trânsito, inclusive para imposição de sanções administrativas legalmente previstas.
- C) O poder de polícia administrativa está subordinado ao princípio da legalidade, mas o seu exercício depende da prévia autorização do Poder Judiciário.
- D) O Município é detentor do poder de polícia administrativa, que visa a condicionar e fiscalizar as construções e as edificações urbanas.
- E) É constitucional a delegação do poder de polícia, por meio de lei, a pessoas jurídicas de direito privado, integrantes da Administração Pública indireta de capital social majoritariamente público que prestem exclusivamente serviço público de atuação própria do Estado e em regime não concorrencial.
Resposta:
A alternativa correta é letra E) É constitucional a delegação do poder de polícia, por meio de lei, a pessoas jurídicas de direito privado, integrantes da Administração Pública indireta de capital social majoritariamente público que prestem exclusivamente serviço público de atuação própria do Estado e em regime não concorrencial.
Gabarito: LETRA E.
A questão aborda o tema Poderes da Administração Pública, mais precisamente acerca do Poder de Polícia. Nesse contexto, vamos analisar os itens para encontrar a resposta correta.
a) É inconstitucional a taxa de renovação de funcionamento e localização municipal, desde que efetivo o exercício do poder de polícia, demonstrado pela existência de órgão e estrutura competentes para o respectivo exercício.
Incorreto. O STF fixou tese de que é constitucional a taxa de renovação de funcionamento e localização municipal, desde que efetivo o exercício do poder de polícia. Vejamos:
[...] 9. É constitucional taxa de renovação de funcionamento e localização municipal, desde que efetivo o exercício do poder de polícia, demonstrado pela existência de órgão e estrutura competentes para o respectivo exercício, tal como verificado na espécie quanto ao Município de Porto Velho/RO 10. Recurso extraordinário ao qual se nega provimento.
(STF - RE: 588322 RO, Relator: GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 16/06/2010, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 03/09/2010)
b) É inconstitucional a atribuição às guardas municipais do exercício de poder de polícia de trânsito, inclusive para imposição de sanções administrativas legalmente previstas.
Incorreto. Segundo o entendimento do STF, não há óbice constitucional para o exercício do Poder de Polícia pelas guardas municipais, cabendo ao Município eleger o órgão para o seu exercício. Vejamos a ementa do julgado:
DIREITO ADMINISTRATIVO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PODER DE POLÍCIA. IMPOSIÇÃO DE MULTA DE TRÂNSITO. GUARDA MUNICIPAL. CONSTITUCIONALIDADE.
1. Poder de polícia não se confunde com segurança pública. O exercício do primeiro não é prerrogativa exclusiva das entidades policiais, a quem a Constituição outorgou, com exclusividade, no art. 144, apenas as funções de promoção da segurança pública.
2. A fiscalização do trânsito, com aplicação das sanções administrativas legalmente previstas, embora possa se dar ostensivamente, constitui mero exercício de poder de polícia, não havendo, portanto, óbice ao seu exercício por entidades não policiais.
3. O Código de Trânsito Brasileiro, observando os parâmetros constitucionais, estabeleceu a competência comum dos entes da federação para o exercício da fiscalização de trânsito.
4. Dentro de sua esfera de atuação, delimitada pelo CTB, os Municípios podem determinar que o poder de polícia que lhe compete seja exercido pela guarda municipal.
5. O art. 144, § 8º, da CF, não impede que a guarda municipal exerça funções adicionais à de proteção dos bens, serviços e instalações do Município. Até mesmo instituições policiais podem cumular funções típicas de segurança pública com exercício de poder de polícia. Entendimento que não foi alterado pelo advento da EC nº 82/2014.
6. Desprovimento do recurso extraordinário e fixação, em repercussão geral, da seguinte tese: é constitucional a atribuição às guardas municipais do exercício de poder de polícia de trânsito, inclusive para imposição de sanções administrativas legalmente previstas.
(STF - RE: 658570 MG, Relator: MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 06/08/2015, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 30/09/2015)
c) O poder de polícia administrativa está subordinado ao princípio da legalidade, mas o seu exercício (NÃO) depende da prévia autorização do Poder Judiciário.
Incorreto. Esta questão está pacificada há muito tempo no STF (desde 1964), uma vez que, nesta data, reconheceu-se judicialmente o atributo da autoexecutoriedade do poder de polícia, dispensando-se a prévia autorização judicial. Vejamos:
O poder de policia administrativa esta subordinado ao princípio da legalidade, mas o seu exercício não depende da previa autorização do poder judiciário.
(STF - RE: 52800 CE, Relator: Min. VICTOR NUNES, Data de Publicação: DJ 21-03-1964 PP-00278 EMENT VOL-00573-01 PP-00228)
d) O Município é detentor do poder de polícia administrativa, que visa a condicionar e fiscalizar as construções e as edificações urbanas.
Incorreto. Embora o conteúdo da assertiva esteja correto, este tema não foi objeto de análise pelo STF, conforme exige o comando da questão; daí, a sua incorreção. No entanto, de fato, o Município é detentor do poder de polícia administrativa, que visa a condicionar e fiscalizar as construções e as edificações urbanas. Vejamos o que diz o TJPA:
EMENTA: APELAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. EMBARGO DE OBRA. ALVARÁ DE CONSTRUÇÃO VENCIDO - IRREGULARIDADE. PODER DE AUTO TUTELA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - PODER DE POLICIA ADMINISTRATIVA ? EMBARGO DA OBRA. CABIMENTO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA.
I- O Município é detentor do poder de polícia administrativa, que visa condicionar e fiscalizar a fisionomia urbana e a ocupação de seus espaços prediais e territoriais em benefício da coletividade.
II- Quem quer edificar não ignora que precisa obter uma licença e que deve construir com obediência a esta licença.
III- Constatado que a obra estava sendo executada em afronta aos ditames legais, impõe-se ao Poder Público o exercício do Poder de Polícia Administrativa.
IV- Deve ser mantida a sentença que julgou improcedente o pedido inicial de revogação do ato administrativo que culminou no embargo da obra que estava sendo realizada com licença vencida. V- Recurso conhecido e improvido. Sentença Mantida.
(TJ-PA - AC: 00016360220148140048 BELÉM, Relator: ROSILEIDE MARIA DA COSTA CUNHA, Data de Julgamento: 22/10/2018, 1ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO, Data de Publicação: 25/10/2018)
e) É constitucional a delegação do poder de polícia, por meio de lei, a pessoas jurídicas de direito privado, integrantes da Administração Pública indireta de capital social majoritariamente público que prestem exclusivamente serviço público de atuação própria do Estado e em regime não concorrencial.
Correto. De fato, o STF reconheceu que a delegação de poder de polícia em favor de sociedade de economia mista é viável mesmo se adotado o regime celetista para as relações de trabalho no âmbito da empresa, desde que a SEM possua capital social majoritariamente público, que prestem exclusivamente serviço público de atuação própria do Estado e em regime não concorrencial. Vejamos:
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 532. DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. PRELIMINARES DE VIOLAÇÃO DO DIREITO À PRESTAÇÃO JURISDICIONAL ADEQUADA E DE USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL AFASTADAS. PODER DE POLÍCIA. TEORIA DO CICLO DE POLÍCIA. DELEGAÇÃO A PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO INTEGRANTE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO DE ATUAÇÃO PRÓPRIA DO ESTADO. CAPITAL MAJORITARIAMENTE PÚBLICO. REGIME NÃO CONCORRENCIAL. CONSTITUCIONALIDADE. NECESSIDADE DE LEI FORMAL ESPECÍFICA PARA DELEGAÇÃO. CONTROLE DE ABUSOS E DESVIOS POR MEIO DO DEVIDO PROCESSO. CONTROLE JUDICIAL DO EXERCÍCIO IRREGULAR. INDELEGABILIDADE DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA.
[...]
6. Consectariamente, a Constituição, ao autorizar a criação de empresas públicas e sociedades de economia mista que tenham por objeto exclusivo a prestação de serviços públicos de atuação típica do Estado e em regime não concorrencial, autoriza, consequentemente, a delegação dos meios necessários à realização do serviço público delegado. Deveras: a) A admissão de empregados públicos deve ser precedida de concurso público, característica que não se coaduna com a despedida imotivada; b) o RE 589.998, esta Corte reconheceu que a ECT, que presta um serviço público em regime de monopólio, deve motivar a dispensa de seus empregados, assegurando-se, assim, que os princípios observados no momento da admissão sejam, também, respeitados por ocasião do desligamento; c) Os empregados públicos se submetem, ainda, aos princípios constitucionais de atuação da Administração Pública constantes do artigo 37 da Carta Política. Assim, eventuais interferências indevidas em sua atuação podem ser objeto de impugnação administrativa ou judicial; d) Ausente, portanto, qualquer incompatibilidade entre o regime celetista existente nas estatais prestadoras de serviço público em regime de monopólio e o exercício de atividade de polícia administrativa pelos seus empregados.
7. As estatais prestadoras de serviço público de atuação própria do Estado e em regime não concorrencial podem atuar na companhia do atributo da coercibilidade inerente ao exercício do poder de polícia, mormente diante da atração do regime fazendário.
[...]
12. Ex positis, voto no sentido de (i) CONHECER e DAR PROVIMENTO ao recurso extraordinário interposto pela Empresa de Transporte e Trânsito de Belo Horizonte – BHTRANS e (ii) de CONHECER e NEGAR PROVIMENTO ao recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, para reconhecer a compatibilidade constitucional da delegação da atividade de policiamento de trânsito à Empresa de Transporte e Trânsito de Belo Horizonte – BHTRANS, nos limites da tese jurídica objetivamente fixada pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal.
13. Repercussão geral constitucional que assenta a seguinte tese objetiva: “É constitucional a delegação do poder de polícia, por meio de lei, a pessoas jurídicas de direito privado integrantes da Administração Pública indireta de capital social majoritariamente público que prestem exclusivamente serviço público de atuação própria do Estado e em regime não concorrencial.” (RE 633782, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 26/10/2020, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-279 DIVULG 24-11-2020 PUBLIC 25-11-2020)
Portanto, gabarito LETRA E.
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