A respeito do princípio da isonomia, Lucia Valle Figueiredo afirma:
“Além de ser princípio constitucional, é também princípio do próprio Direito Administrativo. Este princípio, todavia, deve ser entendido com cautela. A isonomia, com efeito, há de ser compreendida dentro do princípio da igualdade, entre os iguais, não pode ostentar abrangência que chegasse ao absurdo de promover o nivelamento de desiguais”
Curso de Direito Administrativo. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 39.
Com base neste texto, a isonomia
- A) não admite discrímen, devendo o administrador editar o ato administrativo sem qualquer diferenciação entre os administrados.
- B) admite discrímen, devendo a Administração apresentar as suas justificativas, atendendo assim ao princípio da motivação.
- C) admite discrímen, sendo necessário atender ao princípio da legalidade, sem a apresentação de qualquer motivação, em se tratando de ato administrativo vinculado.
- D) admite discrímen, atendido o princípio da motivação e observada a necessária razoabilidade, proporcionalidade e legalidade.
- E) não admite discrímen, por se tratar de princípio constitucional absoluto e estruturante.
Resposta:
A alternativa correta é letra D) admite discrímen, atendido o princípio da motivação e observada a necessária razoabilidade, proporcionalidade e legalidade.
Gabarito: LETRA D
A questão versa sobre princípios que regem o regime jurídico administrativo e exige conhecimento doutrinário acerca do princípio da isonomia.
É consenso na doutrina associar-se o conceito do princípio da isonomia à ideia de que significa tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual, na medida de suas desigualdades.
Logo, diante da constatação da existência de desigualdades entre os indivíduos ou grupos que compõem a sociedade, haverá a necessidade de estabelecimento de discriminações que sejam compatíveis com o objetivo de proporcionar a todos não só a fruição de direitos, mas também, o cumprimento dos deveres impostos.
A respeito da relação intrínseca entre o princípio da isonomia e os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, bem como da motivação e da legalidade, citam-se as lições citadas por Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
San Tiago Dantas, que bem analisou o assunto, parte da ideia de que o princípio da igualdade deve ser observado como limite à função do legislador. Ele reconhece que “a intervenção do Estado nas relações econômicas – a economia planificada ou dirigida – acentua a necessidade de cingir a norma legislativa ao caso concreto, obriga a proceder para com os particulares com diferentes pesos e medidas.
[...]
No entanto, afirma a necessidade de que as discriminações, ainda que necessárias, sejam plausíveis, racionais, razoáveis em relação aos fins que o ordenamento jurídico impõe; com isso, “abre-se ao Poder Judiciário a porta por onde lhe vai ser dado examinar o próprio mérito da disposição legislativa; repelindo como ‘undue processes of law’, a lei caprichosa, arbitrária no diferenciar o tratamento jurídico dado a uma classe de indivíduos, o tribunal faz o cotejo da lei especial com as normas gerais do direito, e repele o direito de exceção que não lhe parece justificado”.
Do mesmo modo, Celso Antônio Bandeira de Mello (1978:24), ao analisar em profundidade o princípio da igualdade, embora sem referência expressa à razoabilidade ou ao devido processo legal, adota o mesmo entendimento, quando afirma que “as discriminações são recebidas como compatíveis com a cláusula igualitária apenas e tão somente quando existe um vínculo de correlação lógica entre a peculiaridade diferencial acolhida, por residente no objeto, e a desigualdade de tratamento em função dela conferida”. E acrescenta que, “por via do princípio da igualdade, o que a ordem jurídica pretende firmar é a impossibilidade de desequiparações fortuitas ou injustificadas”.
Com relação aos atos administrativos, a razoabilidade exige proporcionalidade, correlação ou adequação entre os meios e os fins.
(Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo / Maria Sylvia Zanella Di Pietro. – 35. ed. – [2. Reimp.] – Rio de Janeiro: Forense, 2022. p. 926-927).
Dessa forma, concluiu-se que a isonomia admite a aplicação de fatores de discriminação (discrímen) quando estes fatores forem os meios adequados, necessários e proporcionais para garantir o alcance do objetivo da norma. Caso contrário, ausente essa relação de pertinência lógica, ocorrerá ofensa à isonomia.
Nesse sentido, como aplicação prática do princípio da isonomia, em especial no estabelecimento de limite de idade para inscrição em concurso público o Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do ARE 678.112, com reconhecimento de repercussão geral (Tema 646), fixou tese no sentido de que o estabelecimento de limite de idade para inscrição em concurso público apenas é legítimo quando justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido.
Nesse contexto, vamos analisar cada uma das alternativas para identificar a resposta correta.
a) não admite discrímen, devendo o administrador editar o ato administrativo sem qualquer diferenciação entre os administrados.
Incorreta. Como visto acima, a isonomia admite a aplicação de fatores de discriminação (discrímen) quando estes fatores forem os meios adequados, necessários e proporcionais para garantir o alcance do objetivo da norma.
Ademais, o dever de observância à isonomia é dirigido tanto ao legislador quanto ao administrador público.
b) admite discrímen, devendo a Administração apresentar as suas justificativas, atendendo assim ao princípio da motivação.
Incorreta. Como visto acima, a isonomia admite a aplicação de fatores de discriminação (discrímen) quando estes fatores forem os meios adequados, necessários e proporcionais para garantir o alcance do objetivo da norma.
Contudo, ao apresentar as devidas justificativas para o fator de discriminação, deve haver o atendimento não só do princípio da motivação, mas também aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, bem como da legalidade.
c) admite discrímen, sendo necessário atender ao princípio da legalidade, sem a apresentação de qualquer motivação, em se tratando de ato administrativo vinculado.
Incorreta. Como visto acima, a isonomia admite a aplicação de fatores de discriminação (discrímen) quando estes fatores forem os meios adequados, necessários e proporcionais para garantir o alcance do objetivo da norma.
Contudo, ao apresentar as devidas justificativas para o fator de discriminação, deve haver o atendimento não só do princípio da legalidade mas também aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, bem como da motivação.
d) admite discrímen, atendido o princípio da motivação e observada a necessária razoabilidade, proporcionalidade e legalidade.
Correta. Como visto acima, a isonomia admite a aplicação de fatores de discriminação (discrímen) quando estes fatores forem os meios adequados, necessários e proporcionais para garantir o alcance do objetivo da norma.
Ademais, existe relação intrínseca entre o princípio da isonomia e os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, bem como da motivação e da legalidade.
e) não admite discrímen, por se tratar de princípio constitucional absoluto e estruturante.
Incorreta. Como visto acima, a isonomia admite a aplicação de fatores de discriminação (discrímen) quando estes fatores forem os meios adequados, necessários e proporcionais para garantir o alcance do objetivo da norma.
Ademais, considerando que não existe princípio constitucional absoluto, existe relação intrínseca entre o princípio da isonomia e os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, bem como da motivação e da legalidade.
Portanto, o gabarito da questão é letra D.
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