Celso Antônio Bandeira de Mello, em artigo científico datado da década de 60, discorre sobre a supremacia do interesse público sobre o privado e sobre a indisponibilidade do interesse público de modo a denominá-las como pedras de toque do direito administrativo. Extremamente relevantes para a sistematicidade e a unidade do direito administrativo brasileiro, as pedras de toque em questão
- A) são hoje alvos de inúmeras críticas e já têm sido substituídas, no dia a dia, pela aplicação da proporcionalidade, de modo que perderam o seu protagonismo prático, apenas mantendo importância no universo teórico.
- B) estão previstas expressamente no texto constitucional de 1988 e servem de matriz para o nascimento de inúmeros outros princípios do direito administrativo.
- C) não são hoje alvos de críticas e dão base para o surgimento de inúmeros outros princípios do direito administrativo.
- D) não estão previstas expressamente no texto constitucional de 1988 e são percebidas como bases fundantes de inúmeros dispositivos constitucionais, a exemplo dos que tratam do tema da desapropriação.
Resposta:
A alternativa correta é letra D) não estão previstas expressamente no texto constitucional de 1988 e são percebidas como bases fundantes de inúmeros dispositivos constitucionais, a exemplo dos que tratam do tema da desapropriação.
Gabarito: letra D.
a) são hoje alvos de inúmeras críticas e já têm sido substituídas, no dia a dia, pela aplicação da proporcionalidade, de modo que perderam o seu protagonismo prático, apenas mantendo importância no universo teórico. – errada.
Atualmente, com a relativização da dicotomia público x privado, a democratização da defesa do interesse público e a complexidade (heterogeneidade) da sociedade atual, entre outros fatores, vêm ganhando força a ideia de “desconstrução” do princípio da supremacia do interesse público em abstrato.
Parcela da doutrina sustenta a inexistência de supremacia abstrata do interesse público sobre o privado, exigindo a ponderação de interesses para resolver eventual conflito, especialmente pelos seguintes argumentos:
- o texto constitucional, em diversas passagens, partindo da dignidade da pessoa humana, protege a esfera individual (ex.: arts. 1.º, 5.º etc.), não sendo lícito afirmar, a partir da interpretação sistemática das normas constitucionais, a existência de uma prevalência em favor do interesse público;
- indeterminabilidade abstrata e objetiva do “interesse público”, o que contraria premissas decorrentes da ideia de segurança jurídica;
- o interesse público é indissociável do interesse privado, uma vez que ambos são consagrados na Constituição e os elementos privados estariam incluídos nas finalidades do Estado, como se percebe, v.g., a partir da leitura do preâmbulo e dos direitos fundamentais; e
- incompatibilidade da supremacia do interesse público com postulados normativos consagrados no texto constitucional, notadamente os postulados da proporcionalidade e da concordância prática.
(OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende de. Curso de Direito Administrativo. 6ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2018. E-book. P.87/88)
Em que pese as críticas doutrinárias que tem recebido, o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado possui sim relevância prática, embasando diversos atos administrativos, a exemplo da desapropriação.
b) estão previstas expressamente no texto constitucional de 1988 e servem de matriz para o nascimento de inúmeros outros princípios do direito administrativo. – errada.
O princípio da supremacia do interesse público (interesse público primário) sobre o interesse privado, também chamado de princípio da finalidade pública, é inerente a qualquer sociedade. Não obstante tal constatação, a Constituição Federal não fez menção expressa a esse princípio, embora possam ser encontradas diversas manifestações concretas dele no texto constitucional, a exemplo dos institutos da desapropriação e da requisição da propriedade particular (CF, art. 5.º, XXIV e XXV). Por isso, pode-se afirmar que o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular encontra-se implícito na Constituição Federal.
O princípio da indisponibilidade do interesse público também está implícito na Constituição Federal. Como a administração pública é mera gestora de bens e interesses públicos, que em última análise pertencem ao povo, estes não se encontram à livre disposição do administrador, devendo o agente público geri-los, curá-los, da forma que melhor atenda ao interesse da coletividade. Com efeito, a Administração não pode abrir mão da busca incessante da satisfação do interesse público primário
(bem comum) nem da conservação do patrimônio público (interesse público secundário). (ALEXANDRE, Ricardo; DEUS, João de. Direito Administrativo Esquematizado.1ª ed. São Paulo: Método, 2015.E-book. P.172/173)
c) não são hoje alvos de críticas e dão base para o surgimento de inúmeros outros princípios do direito administrativo. – errada.
Como visto no comentário da alternativa A, embora deem base para o surgimento de diversos outros princípios administrativos, os princípios da supremacia do interesse público sobre o interesse privado e da indisponibilidade do interesse público sofrem, sim, muitas críticas doutrinárias atualmente.
d) não estão previstas expressamente no texto constitucional de 1988 e são percebidas como bases fundantes de inúmeros dispositivos constitucionais, a exemplo dos que tratam do tema da desapropriação. – certa.
Conforme de depreende dos comentários anteriores, tais princípios realmente não contêm previsão expressa na CF/88, mas mesmo assim servem de base inúmeros dispositivos constitucionais, a exemplo da desapropriação.
Correta a alternativa, portanto, devendo ser assinalada.
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