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Considerando os princípios constitucionais e legais, implícitos e explícitos, que regem a atividade da administração pública, assinale a opção correta.

Resposta:

A alternativa correta é letra D) Em virtude dos princípios da proteção à confiança e da segurança jurídica, entende o STF que podem ser considerados válidos os atos praticados por agente público ilegalmente investido.

Alternativa correta: letra D

 

A questão trata sobre os princípios da administração pública. Pessoal, é uma questão, no mínimo, polêmica, mas tenham calma! Não é o momento de se desesperar. O meu comentário vai ser um pouco mais longo que o normal, pois a questão exige esse cuidado.

 

Vamos analisar as alternativas:

 

a) Os princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público guiam a atuação do administrador, de modo que apenas o juízo discricionário excepciona-se ao controle judicial.

 

Alternativa incorreta. Porém, deveria estar correta, em minha opinião. A CESPE foi infeliz ao redigir na alternativa o termo "juízo" ao invés do termo "ato". 

 

De fato, se ela falasse que o ato administrativo discricionário excepciona-se ao controle judicial estaria incorreto, pois o ato discricionário não consiste em liberdade absoluta para o administrador, e sim apenas uma margem de liberdade para sua atuação. Caso este ultrapasse tal margem, aí o controle judicial é possível porque o ato passa a ser ilegal.

 

Presta atenção!!!! No ato discricionário existe:

  • A parte discricionária do ato, que é justamente a margem de liberdade que o mesmo pode ter para agir de acordo com a conveniência e oportunidade. É o mérito administrativo. Aqui não pode existir controle judicial.
  • A parte vinculada do ato, que é justamente os limites que a discricionariedade possui, é o fim dessa margem de liberdade. Tal margem pode ser ultrapassada, por exemplo, quando o administrador aplica penalidade de suspensão de 180 dias a servidor público quando a lei só permitia a suspensão de até o máximo de 90 dias. O administrador, nesse exemplo, poderia aplicar pena de 30, 45, 60, 80, ou até 90 dias. Qualquer dessas decisões poderiam estar dentro da discricionariedade. Mas o mesmo ultrapassou o limite da discricionariedade (90 dias), e decidiu aplicar pena de 180 dias, tornando o ato ilegal. Ainda, a margem de liberdade poderá ser ultrapassada quando o administrador agir contra o princípio da razoabilidade e proporcionalidade. Ou seja, o ato é aparentemente legal, porém não é razoável/proporcional com o caso concreto, tornando-se ilegal e podendo, dessa forma, receber controle judicial.

Todavia, a questão fala em "juízo discricionário". O juízo discricionário é justamente a parte discricionária do ato, e não o ato discricionário completo. O juízo discricionário é o mérito administrativo, que de fato excepciona-se sim do controle judicial.

 

Assim, a CESPE vacilou feio nessa alternativa.

 

b) Em decorrência do princípio da reserva legal, a administração pública está autorizada a fazer apenas aquilo que não seja legalmente proibido.

 

Alternativa incorreta. Essa afirmação é válida quando tratamos de legalidade para o particular, pois, para a administração pública, o princípio da legalidade determina que ela só poderá fazer o que a lei permitir ou determinar.

 

Legalidade para o particular x Legalidade para a administração pública: O princípio da legalidade para o particular diz que o particular poderá agir livremente, terá a livre escolha e prática de suas atitudes, a não ser quando a lei o proibir de fazer ou deixar de fazer algo (art. 5º, II/CF). Já o princípio da legalidade para a administração pública diz que a administração está “presa”, “amarrada”, ou seja, a administração pública não tem a liberdade que o particular tem, pois só poderá agir quando a lei autorizar. 

 

SE LIGA: basta você fixar que o princípio da legalidade para o particular torna a lei como um instrumento proibitiva (pois tem o papel de proibir comportamentos); já para a administração, o princípio da legalidade torna a lei autorizativa (pois tem o papal de autorizar a atuação). 

 

- Ah, professor, mas pera aí! A alternativa não fala em princípio da legalidade, fala em princípio da reserva legal.

 

Isso mesmo. Porém, o princípio da reserva legal e uma espécie de desdobramento do princípio da legalidade. Ou seja, a ideia é a mesma do que falamos aqui para o princípio da legalidade. Veja o que o professor Alexandre Mazza fala sobre o tema:

"A doutrina costuma desdobrar o conteúdo da legalidade em duas dimensões fundamentais ou subprincípios: a) princípio da primazia da lei; e b) princípio da reserva legal.

O princípio da primazia da lei, ou legalidade em sentido negativo, enuncia que os atos administrativos não podem contrariar a lei. Trata-se de uma consequência da posição de superioridade que, no ordenamento, a lei ocupa em relação ao ato administrativo.

Quanto ao princípio da reserva legal, ou legalidade em sentido positivo, preceitua que os atos administrativos só podem ser praticados mediante autorização legal, disciplinando temas anteriormente regulados pelo legislador. Não basta não contradizer a lei. O ato administrativo deve ser expedido secundum legem. (...)" (Mazza, Alexandre. Manual de Direito Administrativo - 7ª ed. - pág. 118 - São Paulo: Saraiva, 2017).

c) De acordo com o STJ, o princípio da continuidade dos serviços públicos não impede a interrupção do fornecimento de energia elétrica para município inadimplente, ainda que o valor cobrado esteja sob questionamento em sede administrativa.

 

Alternativa incorreta. A alternativa traz dois pontos incorretos. O primeiro é quando diz, sem fazer ressalva, que o fornecimento de energia elétrica para município pode ser interrompido. O erro existe porque há a exceção dos serviços essenciais, ou seja, os serviços essenciais não podem deixar de ser prestados em decorrência de um corte no fornecimento. Você consegue imaginar o caos que seria um hospital público tendo sua energia elétrica cortada? Muitas pessoas, certamente, iriam perder a vida por ela estar dependendo apenas de um aparelho eletrônico. Vejam um julgado do STJ:

"ADMINISTRATIVO. ENERGIA ELÉTRICA. MUNICÍPIO INADIMPLENTE. FORNECIMENTO. CORTE. ART. 6, § 3º, INCISO II, DA LEI Nº 8.987/95 E ART. 17 DA LEI Nº 9.427/96.

1. É lícito ao concessionário de serviço público interromper, após aviso prévio, o fornecimento de energia elétrica de ente público que deixa de pagar as contas de consumo, desde que não aconteça de forma indiscriminada, preservando-se as unidades públicas essenciais.

2. A interrupção de fornecimento de energia elétrica de Município inadimplente somente é considerada ilegítima quando atinge as unidades públicas provedoras das necessidades inadiáveis da comunidade, entendidas essas – por analogia à Lei de Greve – como "aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população". (...)" (g.n.) (STJ - REsp: 726627 MT 2005/0021457-0, Relator: Ministro CASTRO MEIRA, Data de Julgamento: 05/08/2008, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: -> DJe 19/08/2008).

Ainda, o segundo ponto crítico da alternativa é quando ela diz que o princípio da continuidade não impede o corte do fornecimento ainda se o valor cobrado estiver sendo discutido em sede administrativa. O erro se dá porque o STJ entende que, quando o valor da dívida do inadimplemento está sendo discutido em esfera administrativa, a interrupção do serviço não poderá acontecer:

"ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUSPENSAO NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO.PRECEDENTES. DÍVIDA CONTROVERTIDA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7 DO STJ.

1. A Lei de Concessoes condiciona a suspensão no fornecimento de energia elétrica ao "interesse da coletividade", que impossibilita o corte na iluminação pública e nas unidades públicas essenciais, quando, então, a concessionária deve fazer uso da ação de cobrança. Precedentes.

2. Observada a restrição legal, é lícita a interrupção do fornecimento de energia elétrica se, após prévio aviso, o consumidor permanecer inadimplente no pagamento da dívida incontroversa.

3. No entanto, no presente caso, o acórdão recorrido assentou que a suspensão não se legitima ante a controvérsia sobre o valor da dívida, discutida em sede administrativa, bem como do pagamento da quantia incontroversa.

4. A revisão das premissas fáticas utilizadas pelo Tribunal de origem encontra óbice na Súmula n. 7 do STJ.

5. Agravo regimental não provido." (g.n.) (STJ - AgRg no Ag: 1270130 RJ 2010/0013485-2, Relator: Ministro BENEDITO GONÇALVES, Data de Julgamento: 16/08/2011, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: -> DJe 19/08/2011).

d) Em virtude dos princípios da proteção à confiança e da segurança jurídica, entende o STF que podem ser considerados válidos os atos praticados por agente público ilegalmente investido.

 

Alternativa correta. Importante destacar que a alternativa trouxe um princípio que não é tão comum em provas mas vem caindo com frequência em provas da CESPE: princípio da proteção à confiança.

 

Vejam o que diz a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro sobre tal princípio:

"Na realidade, o princípio da proteção à confiança leva em conta a boa-fé do cidadão, que acredita e espera que os atos praticados pelo Poder Público sejam lícitos e, nessa qualidade, serão mantidos e respeitados pela própria Administração e por terceiros.

No direito brasileiro não há previsão expressa do princípio da proteção à confiança; pelo menos não com essa designação, o que não significa que ele não decorra implicitamente do ordenamento jurídico. O que está previsto expressamente é o princípio da segurança jurídica.

(...) 

3.3.15.4. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA SEGURANÇA JURÍDICA, BOA- FÉ E PROTEÇÃO À CONFIANÇA

Existem inúmeras situações em que os três princípios podem ser invocados. Algumas são analisadas a seguir, a título ilustrativo:

(...)

b) na manutenção de atos praticados por funcionário de fato: 

Nesse caso, o servidor está em situação irregular, ou porque não preenche os requisitos para o exercício do cargo, ou porque ultrapassou a idade limite para continuar no cargo, ou porque está em situação de acumulação irregular, enfim porque existe algum tipo de irregularidade em sua investidura. A rigor, os atos por ele praticados seriam ilegais, porque, estando irregularmente no exercício do cargo, emprego ou função, ele não teria competência para a prática de atos administrativos. No entanto, mantêm-se os atos por ele praticados, uma vez que, tendo aparência de legalidade, geraram nos destinatários a crença na validade do ato." (Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo / Maria Sylvia Zanella Di Pietro. - 27. ed. - pg. 85-89 - São Paulo: Atlas, 2014).

Ainda, vale citarmos também o professor Alexandre Mazza:

"Exemplo bem usual de aplicação dessa lógica ocorre no caso de atos praticados por agente público investido irregularmente na função (funcionário de fato). Está sedimentado na doutrina e na jurisprudência o entendimento segundo o qual, em nome da segurança jurídica, os atos praticados pelo funcionário de fato, embora eivados de um vício quanto à competência, devem ser considerados válidos. Trata-se de uma estabilização da ilegalidade promovida em nome de valores maiores tutelados pelo ordenamento, como a boa-fé e a segurança jurídica (proteção à confiança legítima)." (g.n.) (Mazza, Alexandre. Manual de Direito Administrativo - 7ª ed. - pág. 154 - São Paulo: Saraiva, 2017).

e) Por ser um princípio estruturante implícito da atuação da administração pública, na prática, a supremacia do interesse público é um conceito jurídico indeterminável.

 

Alternativa incorreta. O princípio da supremacia do interesse público é, segunda a doutrina, implícito no ordenamento jurídico:

"A supremacia do interesse público sobre o privado, também chamada simplesmente de princípio do interesse público ou da finalidade pública, princípio implícito na atual ordem jurídica, significa que os interesses da coletividade são mais importantes que os interesses individuais (...)." (Mazza, Alexandre. Manual de Direito Administrativo - 7ª ed. - pág. 109 - São Paulo: Saraiva, 2017).

Apesar de tal afirmação do professor Mazza e de vários outros autores, podemos encontrar o princípio da supremacia do interesse público expresso na Lei de Processo Administrativo Federal (Lei nº 9.784/99), através da nomenclatura princípio do interesse público:

"Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência." (g.n.)

Assim, existe uma certa indefinição em relação ao princípio em questão ser implícito ou explícito no ordenamento. Todavia, temos outro erro na alternativa que é indiscutível. 

 

A supremacia do interesse público é um conceito jurídico INDETERMINADO, mas não INDETERMINÁVEL.

 

O conceito jurídico INDETERMINADO representa um conceito cujo conteúdo e extensão não estão estabelecidos claramente, por isso são incertos, porém podem vir a ser estabelecidos no caso concreto.

 

Já o conceito jurídico INDETERMINÁVEL é aquele conceito que é indefinível (que jamais pode vir a ser definido). 

 

Quando a alternativa menciona o termo "NA PRÁTICA" nos ajuda a identificar o erro pois, na prática, ou seja, no caso concreto, podemos aplicar o conceito jurídico até então indeterminado "supremacia do interesse público" e o mesmo será determinado para, assim, ser aplicado.

 

E aí? Sobreviveu? Concordo que foi uma questão trabalhosa. Mas é isso, as vezes as bancas trazem questões desse nível. Não se assuste, vamos em frente!!!!!

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