O princípio da indisponibilidade do interesse público veda ao Administrador Público dispor livremente sobre os interesses da coletividade. Com base neste princípio, é possível afirmar que merece censura, sendo potencialmente ilegal, a conduta do Administrador Público que
- A) submeta à arbitragem litígio envolvendo a Administração Pública e Concessionário de Serviço Público cujo contrato contenha cláusula compromissória.
- B) proponha a celebração de acordo de leniência com empresa que tenha praticado ato lesivo à Administração Pública.
- C) proponha a doação de bem público de uso comum a determinada empresa multinacional economicamente consolidada, em razão de promessa do empresário de geração de negócios e renda.
- D) autorize a dispensa de licitação para contratação direta do fornecedor original de peças necessárias à manutenção de equipamentos durante o período de garantia técnica, quando indispensável para a vigência desta.
- E) autorize a celebração de contrato de gestão com organização social, entidade de natureza privada sem fins lucrativos, precedido de chamamento público, para operação e administração de determinado Hospital Municipal.
Resposta:
A alternativa correta é letra C) proponha a doação de bem público de uso comum a determinada empresa multinacional economicamente consolidada, em razão de promessa do empresário de geração de negócios e renda.
Gabarito: letra C.
Inicialmente, salienta-se que o enunciado da questão solicita que seja assinalada a alternativa que traz uma situação potencialmente ilegal.
a) submeta à arbitragem litígio envolvendo a Administração Pública e Concessionário de Serviço Público cujo contrato contenha cláusula compromissória. – errada.
A arbitragem é um instrumento plenamente válido a ser utilizado pela a Administração Pública e Concessionário de Serviço Público, podendo o contrato prever cláusula compromissória. Essa prática tem o “potencial que tem de fugir da morosidade da Justiça e com julgadores que conhecem as especificidades dos temas tratados, evitar prejuízos como obras paralisadas, licitações suspensas, atrasos em entregas e conclusões de infraestrutura, por exemplo.” (Disponível: https://www.jota.info/coberturas-especiais/seguranca-juridica-investimento/com-seguranca-juridica-arbitragem-na-administracao-publica-se-expande-05092022 Acesso em: 10/01/24)
Nessa linha, visando o interesse público de facilitar a solução de conflitos e alcançar um fim comum melhor para as partes essa submissão não tem potencial à ilegalidade.
b) proponha a celebração de acordo de leniência com empresa que tenha praticado ato lesivo à Administração Pública. – errada.
A Lei nº 12.846/11 prevê a possibilidade da celebração de acordo de leniência. Nessa linha, não há ilegalidade nessa prática.
No texto legal:
“Art. 16. A autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública poderá celebrar acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo, sendo que dessa colaboração resulte:
I - a identificação dos demais envolvidos na infração, quando couber; e
II - a obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração.”
c) proponha a doação de bem público de uso comum a determinada empresa multinacional economicamente consolidada, em razão de promessa do empresário de geração de negócios e renda. – certa.
A alternativa ora analisada traz uma situação com um grande potencial à ilegalidade. Isso porque, os bens públicos de uso comum não estão desafetados do interesse público e, já por essa razão, não podem ser objeto de alienação, tampouco de doação.
A doação para empresa multinacional economicamente consolidada, sem nenhum procedimento que garanta a isonomia (como a licitação, por exemplo) ou parceria que garanta uma prestação de serviço a todos os administrados aponta para um benefício unicamente comercial e privado, ao qual não podem estar destinados bens públicos, exceto no caso específico de alienação (cumprindo todos os ditames legais) de bens desafetados.
Sendo assim, essa é a alternativa a ser assinalada.
Vejamos a lição de Ricardo Alexandre e João de Deus:
“A alienação é um fato jurídico que consiste na transferência da propriedade de um bem móvel ou imóvel de uma pessoa para outra. Uma das características dos bens públicos é a sua inalienabilidade (impossibilidade de alienação). Contudo, essa regra só vale para os bens de uso comum do povo e os de uso especial enquanto conservarem essa qualificação. Os bens dominicais, que são aqueles que não se encontram destinados a uma finalidade pública específica (desafetados), podem ser alienados, observados os requisitos legais. Essas regras estão previstas nos arts. 100 e 101 do Código Civil.
Assim, podemos afirmar que em regra a inalienabilidade dos bens públicos não é absoluta. Trata-se de inalienabilidade relativa ou, como preferem alguns autores, alienabilidade condicionada.
Portanto, é possível à Administração alienar quaisquer bens, mesmo aqueles de uso comum do povo e os de uso especial, sendo suficiente para tanto que desafete os referidos bens, transformando-os em bens dominicais e, em seguida, obedeça aos requisitos legais previstos na Lei 8.666/1993: demonstração de interesse público, prévia avaliação, licitação e, no caso de bem imóvel, autorização legislativa.” (ALEXANDRE, Ricardo; DEUS, João de. Direito Administrativo Esquematizado.1ª ed. São Paulo: Método, 2015. E-book. P. 759)
d) autorize a dispensa de licitação para contratação direta do fornecedor original de peças necessárias à manutenção de equipamentos durante o período de garantia técnica, quando indispensável para a vigência desta. – errada.
A Lei nº 14.133/21 prevê um rol taxativo de situações em que a Administração Pública poderá dispensar o procedimento licitatório, dentre elas, há a previsão de dispensa no seguinte caso:
“Art. 75. É dispensável a licitação:
IV - para contratação que tenha por objeto:
a) bens, componentes ou peças de origem nacional ou estrangeira necessários à manutenção de equipamentos, a serem adquiridos do fornecedor original desses equipamentos durante o período de garantia técnica, quando essa condição de exclusividade for indispensável para a vigência da garantia;”
Logo, a alternativa traz uma situação totalmente legal.
e) autorize a celebração de contrato de gestão com organização social, entidade de natureza privada sem fins lucrativos, precedido de chamamento público, para operação e administração de determinado Hospital Municipal. – errada.
De acordo com Ricardo Alexandre e João de Deus, o chamamento público foi o meio encontrado pelo legislador para, por um lado, garantir o respeito ao princípio da isonomia, assegurando a todos os eventuais interessados a possibilidade de firmar parceria com a Administração; por outro, tendo em vista a supremacia do interesse público aliada ao princípio da eficiência, o procedimento também tende a selecionar o parceiro mais apto à consecução do objeto da parceria.
Nessa linha, a conduta do Administrador que autorize a celebração de contrato de gestão com organização social, entidade de natureza privada sem fins lucrativos, precedido de chamamento público, para operação e administração de determinado Hospital Municipal não possui potencial à ilegalidade, visto que essas ações justamente aumentam a proteção do interesse público e a garantia dos princípios da Administração Pública.
FONTE: ALEXANDRE, Ricardo; DEUS, João de. Direito Administrativo Esquematizado.1ª ed. São Paulo: Método, 2015. E-book. P. 146.
Deixe um comentário