Com base no processo de unificação alemão e na dimensão de seu empreendimento colonial entre os anos de 1884 e 1899, julgue (C ou E) o item a seguir.
Uma das consequências do imperialismo alemão foi a correlação entre práticas de dominação nos territórios ocupados e aquelas empregadas em grupos minoritários na Europa, a exemplo da população de rua. Além de serem igualmente tidos por “infantis” e “selvagens”, os grupos foram alvo de instituições que atuavam segundo procedimentos semelhantes, geralmente amparados na ideia de “educação para o trabalho”.
- A) Certo
- B) Errado
Resposta:
A alternativa correta é letra A) Certo
Gabarito: CORRETO
Acerca do tema da relação entre o Estado alemão e suas populações, é interessante compreendermos o abandono gradual de valores liberais após a unificação do país em 1871. Na década de 1820, havia por praticamente toda a Europa um efervescente debate sobre o liberalismo em oposição à Restauração (em linhas gerais, o restabelecimento do Absolutismo) decorrente do Congresso de Viena e da derrocada napoleônica. Tratava-se de um amplo espectro de propostas liberais, indo desde os reformistas moderados até as forças jacobinas e revolucionárias unidas no ódio contra o restauracionismo, o que daria origem aos movimentos carbonaristas. Especificamente no caso alemão, havia uma grave contradição de termos. Com os povos germânicos fragmentados em reinos menores e enquadrados numa Confederação Germânica, os movimentos liberais da região, ao mesmo tempo que queriam o fim do absolutismo em suas unidades administrativas, tendiam à unificação alemã, o que só parecia ser possível com a ascensão de uma força hegemônica entre aqueles reinos. Ou seja, a combinação de nacionalismo com reformas liberais, o que era muito claro àqueles movimentos na Alemanha, principalmente entre certa juventude universitária, gerava um curto-circuito de difícil solução: aparentemente, apenas um Estado forte e centralizado (e, portanto, em alguma medida antiliberal) seria capaz de afirmar uma nacionalidade alemã e unificá-la.
Essa tensão, de fato, foi declinando ao longo do século XIX com o insucesso desses liberais alemães e com as dificuldades verificadas entre os carbonaristas por toda a Europa. Na década de 1860, a ascensão de Otto von Bismarck na Prússia equacionava esse processo com o enfraquecimento do liberalismo, principalmente quanto ao parlamentarismo. O processo de unificação acabaria centralizado no forte Estado prussiano, cujas instituições davam pouco espaço para o dissenso interno e para medidas liberalizantes. Portanto, está na origem dessa Alemanha um processo de intransigência contra grandes desafios à ordem, sendo a cultura prussiana, que foi central nessa formação, muito devotada ao pensamento militarista e às noções de ordem do mundo industrial. Portanto, desafios sociais como populações de rua eram entendidos como uma ofensa à ordem pública, o que era respondido com medidas corretivas altamente verticalizadas. Por exemplo, as relações com as populações de origem polonesa em território alemão sempre foram muito tensas e cercadas por noções racistas de hierarquia rígida. Nesse contexto, havia um modelo central a ser imposto e seguido a qualquer preço, sendo a fase adulta por excelência, enquanto todas as demais eram entendidas como deturpações infantis.
Quanto ao processo imperialista do final do século XIX, àquela altura as nascentes ciências sociais entendiam que o processo humano se dava de maneira unidirecional e em etapas inevitáveis e sequenciais. Isto é, toda sociedade humana apresentaria, necessariamente, as mesmas características em cada estágio evolutivo e todas caminhariam para um mesmo formato final. Essa ideia traduzida para a compreensão europeia significava que as sociedades europeias viviam na maturidade da organização humana, sendo o modelo mais avançado do processo civilizatório. Em contrapartida, viam as sociedades africanas e asiáticas como uma espécie de infância da humanidade, devendo, portanto, ser educadas e corrigidas para que se desenvolvessem tendo como espelho o modelo europeu.
Isto implicava numa justificativa moral para o empreendimento imperialista do século XIX: não se tratava de explorar as colônias, mas sim de expandir o processo civilizatório para todas as sociedades, ajudando-as a alcançar a sua fase adulta de maneira adequada. Portanto, para aquele arranjo teórico, haveria um imperativo moral sobre os europeus forçando para que desenvolvessem o imperialismo sobre sociedades, na visão deles, menos desenvolvidas; organizando, portanto, uma espécie de tutela humanitária. Essa noção de dever profundamente incompreendido pelas sociedades subjugadas foi sintetizado por Rudyard Kipling, Nobel de Literatura de 1907, sob a expressão "fardo do homem branco": por ser o mais desenvolvido e o mais avançado, cabia ao homem branco o dever (ou fardo) moral de agir pelo desenvolvimento civilizatório das demais sociedades, impondo, portanto, o seu modelo. Com isso, o modelo imperialista alemão reproduziria com ainda mais brutalidade as suas "medidas corretivas" no espaço colonial. Portanto, item CORRETO.
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