Abaixo, temos um trecho de um sermão do Padre Antônio Vieira, jesuíta que atuou no Brasil do século XVII , no qual ele estabelece uma relação entre o trabalho dos escravos em um engenho com a cruz e a paixão de Cristo:
“Não há trabalho, nem gênero de vida no mundo mais parecido à cruz e paixão de Cristo, que o vosso em um desses engenhos. Em um engenho sois imitadores de Cristo crucificado (…) Cristo sem comer, e vós famintos; Cristo em tudo maltratado, e vós maltratados em tudo. Os ferros, as prisões, os açoites, as chagas, os nomes afrontosos, de tudo isso se compõe a vossa imitação, que se for acompanhada de paciência, também terá merecimento de martírio”.
(VIEIRA, Sermões. ln: BOSI , A. A Dialética da Colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p.172.).
Com as palavras proferidas, nesse sermão, o Padre Vieira
- A) fortalece o ideal escravista, ressaltando que o sofrimento do escravo, semelhante ao de Cristo, pode trazer-lhe recompensa espiritual.
- B) mostra a subserviência dos jesuítas aos senhores escravocratas, pois a catequese adestradora era uma exigência da elite colonial.
- C) mostra neutralidade da catequese com relação à escravidão africana, preocupando-se apenas com a catequese.
- D) estabelece uma forte relação entre economia e religião, pois esta se torna o único instrumento de estímulo ao trabalho escravo.
- E) estimula a resistência negra contra a escravidão, alçando os escravos à posição de Jesus Cristo.
Resposta:
A alternativa correta é letra A) fortalece o ideal escravista, ressaltando que o sofrimento do escravo, semelhante ao de Cristo, pode trazer-lhe recompensa espiritual.
Gabarito: ALTERNATIVA A
Abaixo, temos um trecho de um sermão do Padre Antônio Vieira, jesuíta que atuou no Brasil do século XVII , no qual ele estabelece uma relação entre o trabalho dos escravos em um engenho com a cruz e a paixão de Cristo:
"Não há trabalho, nem gênero de vida no mundo mais parecido à cruz e paixão de Cristo, que o vosso em um desses engenhos. Em um engenho sois imitadores de Cristo crucificado (...) Cristo sem comer, e vós famintos; Cristo em tudo maltratado, e vós maltratados em tudo. Os ferros, as prisões, os açoites, as chagas, os nomes afrontosos, de tudo isso se compõe a vossa imitação, que se for acompanhada de paciência, também terá merecimento de martírio".
(VIEIRA, Sermões. ln: BOSI , A. A Dialética da Colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p.172.).
- Com as palavras proferidas, nesse sermão, o Padre Vieira
Numa questão dessa natureza, é essencial que o candidato tenha muito claro o que quer a banca: um esforço de interpretação de texto, e não uma reflexão histórica. Ou seja, deve o estudante procurar qual das alternativas se encaixa melhor ao que está exposto no trecho citado no enunciado. Isto é, qual representa melhor o que o Padre António Vieira defendia no sermão em tela; devendo-se, pois, deixar de lado as opiniões e as visões históricas em favor de simplesmente interpretar o texto. Assim, observemos as alternativas propostas.
- a) fortalece o ideal escravista, ressaltando que o sofrimento do escravo, semelhante ao de Cristo, pode trazer-lhe recompensa espiritual.
A alternativa é bastante óbvia e deixa pouco espaço para dúvidas. Ao assemelhar o sofrimento do escravo às fases da Paixão de Cristo, o Padre Vieira abre mão de qualquer forma condenatória: todo o sofrimento visto tem, antes, algo de santo e plenamente integrado aos planos divinos. Portanto, o ideal escravista, em sua visão, poderia ser enquadrado dentro das vontades divinas; afinal, o sofrimento foi vivido pelo próprio Cristo e a certeza da recompensa espiritual (a martirização final) é uma justificativa maior e metafísica para todos os horrores da escravidão. ALTERNATIVA CORRETA.
- b) mostra a subserviência dos jesuítas aos senhores escravocratas, pois a catequese adestradora era uma exigência da elite colonial.
Há de se notar, com muita atenção, que o padre não direciona um única palavra aos senhores de escravo, mas sim exorta os escravos a verem no sofrimento uma marca divina e digna de mártires católicos. Portanto, é muito apressado tirar disso conclusões que tratem jesuítas e senhores escravocratas como aliados incontestes. Afinal, desde o século XVI, os dois grupos tinham rivalidades importantes por conta da pressão jesuítica para interditar a escravização de indígenas convertidos e/ou aldeados. Na visão dos religiosos, a escravização dessas populações ia contra os interesses da expansão da fé católica, sendo necessário proteger os aldeamentos. Importante atritos entre a elite colonial e os jesuítas se verificariam no período colonial. Alternativa errada.
- c) mostra neutralidade da catequese com relação à escravidão africana, preocupando-se apenas com a catequese.
Ora, não há espaço para se falar de neutralidade frente às palavras do Padre Vieira. Ainda que se opusesse à escravidão dos nativos americanos, entendia claramente a escravidão africana como a manifestação da vontade divina. Seus sofrimentos, em sua visão, seriam algo de purificador e de santo a ser totalmente explicado e enquadrado espiritualmente. Ou seja, há, sim, uma posição estabelecida e é de validação frente à escravidão africana. Alternativa errada.
- d) estabelece uma forte relação entre economia e religião, pois esta se torna o único instrumento de estímulo ao trabalho escravo.
Não existe nenhum elemento no sermão do Padre Vieira que faça referência à questão econômica. Para ele, todo o sofrimento da escravidão encontrava explicação e abrigo à luz da fé católica e do próprio exemplo crístico. O estímulo e a justificação começam e se encerram numa discussão espiritual, sem qualquer apelo à validação econômica. Assim, não é correto imputar ao sermão qualquer ligação explícita entre economia e religião. Alternativa errada.
- e) estimula a resistência negra contra a escravidão, alçando os escravos à posição de Jesus Cristo.
O exemplo crístico lançado por António Vieira não é o da resistência ou da ação contestatória, mas sim do sofrimento resignado. A posição do mártir não é a reativa, mas sim aquela que tem certeza absoluta na transcendência do próprio sofrimento, entregando ao plano espiritual toda explicação e expiação. Assim, não competiria aos escravos a resistência ou a reação porque, assim como Cristo, encontrariam redenção no plano espiritual, devendo abdicar das questões da matéria. Alternativa errada.
Note-se como, exceção feita à alternativa B, todas as alternativas poderiam ser inteiramente desmontadas por meio de um esforço elementar de interpretação de texto. Ler com atenção o trecho proposto no enunciado era condição insuperável para a conquista dos pontos dessa questão, sendo possível mesmo para candidatos com pouco conhecimento sobre o tema. Sem mais, está correta a ALTERNATIVA A.
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