Em sua obra Desagravos do Brasil e glórias de Pernambuco, datada de 1757, o padre Domingos Loreto Couto afirma: “Não é fácil determinar nestas províncias quais sejam os homens da plebe, porque todo aquele que é branco na cor, entende estar fora da esfera vulgar. Na sua opinião, o mesmo é ser alvo, que ser nobre, nem porque exercitam ofícios mecânicos perdem essa presunção […]. O vulgo da cor parda, com o imoderado desejo das honras de que o priva não tanto o acidente, como a substancia, mal se acomoda com as diferenças. O da cor preta tanto que se vê com a liberdade, cuida para que nada mais lhe falta para ser como os brancos.” (Carlos Guilheme Mota. Viagem Incompleta – formação: histórias).
Segundo o texto, a dificuldade em determinar quem são os homens da plebe na província de Pernambuco em meados do século XVIII deve-se
- A) à multiplicidade de grupos étnicos, que prejudica a distinção entre brancos, pardos e pretos pelo observador.
- B) ao fato de brancos, pardos e pretos considerarem que podem alcançar a condição de nobreza, a partir de seus atos e ações.
- C) à grande mobilidade daquela sociedade, que permite que pardos e pretos possam ascender aos patamares dos brancos.
- D) ao não reconhecimento, por parte dos pardos e pretos, de sua condição vulgar e inferior em relação aos brancos.
- E) ao grande número de pardos que executam ofícios mecânicos e pretos libertos que se colocam acima de sua condição de origem.
Resposta:
A alternativa correta é letra B) ao fato de brancos, pardos e pretos considerarem que podem alcançar a condição de nobreza, a partir de seus atos e ações.
Gabarito: Letra B
Não se trata de uma questão tão simples de se resolver. Por interpretação poderia ser solucionada, mas lendo o texto base do qual foi retirado o trecho, a resposta ficaria mais clara, pois o texto de Stuart Schwartz discute as dificuldades de se criar um conceito de "povo" e como esse conceito passou por várias transformações históricas ao longo da sociedade colonial.
De início, cumpre informar que não é fácil para nós, historiadores, classificar os grupos sociais que proliferavam na colônia, imaginem para as autoridades coloniais e eclesiásticas.
No trecho, o padre parece se encontrar na mesma situação que nós quando observamos as fontes que trazem as classificações de cor.
É nesse contexto que o sacerdote menciona que não era simples determinar em Pernambuco quem seriam homens da “plebe”. Nos séculos XVII e XVIII, o conceito de “plebe” passou a caracterizar negativamente uma grande parcela da população brasileira e distinguia quem fazia parte ou não do “povo” da colônia. “Povo” entendido como uma camada superior dos habitantes da colônia, leia-se: brancos europeus.
De acordo com as autoridades coloniais e cronistas da época, a "plebe" era composta por brancos nascidos nas colônias, escravos, mulatos e mestiços. “Plebe” era quase sempre sinônimo de grupo desordeiro, arruaceiro, que trazia um perigo em potencial para uma sublevação.
Além do mais, diferentemente da América Espanhola, na América Portuguesa não havia signos de distinção, como, por exemplo, insígnias de ordens militares, brasão de armas e outros traços de nobreza, então, era necessário criar algum tipo de marca distintiva. A cor foi o elemento escolhido.
Essas distinções baseadas na cor afetavam a ocupação dos cargos na administração colonial e eclesiástica. Se havia um mínimo de possibilidade para os colonos brancos, mestiços e mulatos ocuparem esses cargos, as fontes da época demonstram como as autoridades portuguesas tratavam de criar mecanismos e ordenações que retirassem essas possibilidades de ascensão social.
Além disso, no dia a dia do Brasil dos séculos XVII e XVIII era difícil definir quem fazia parte da “plebe”, uma vez que as relações sociais na colônia eram tão miscigenadas e “promíscuas”, onde proprietários de escravos discutiam as relações de trabalho com seus cativos. Onde colonos brancos, que por terem a cor de pele de tonalidade branca, acreditavam em seu imaginário poder adquirir status de nobreza. Onde brancos pobres queriam se igualar aos brancos mais ricos da colônia. Da mesma forma, negros e pardos que realizando algum serviço para proprietários de terras ou mesmo para Coroa, como no caso das guerras, esperavam elevar-se à condição de fidalgos ou nobres.
Por que as demais estão incorretas?
Letra A: Se a resposta deve ser pensada de acordo com o século XVIII, então não podemos falar em etnicidade, pois esse conceito é um conceito atual. Sabe-se que na colônia Brasil havia uma multiplicidade de conceitos de cor, mas havia uma distinção bem clara entre ser branco e não ser branco.
Letra C: Na verdade, a sociedade colonial tentava fechar o acesso à política e aos títulos a indivíduos considerados pertencentes à “plebe”. O que não quer dizer que conseguia fazer isso, pois dependendo do serviço desempenhado por um indivíduo pertencente à “plebe”, seria agraciado com um título e conquistaria prestígio social.
Letra D: “Condição vulgar” para o padre era sinônimo de fazer parte da “plebe” e nisso os colonos brancos também se enquadravam como pertencentes à “plebe”. Todos os componentes dessa categoria queriam se distinguir na colônia.
Letra E: O cronista não menciona relações de trabalho no trecho em questão.
Resposta baseada nas fontes:
FIGUEIROA-RÊGO, João de e OLIVAL, Fernanda. Cor da pele, distinções e cargos: Portugal e espaços atlânticos portugueses (séculos XVI a XVIII). Tempo [online]. 2011, vol.16, n.30, pp.115-145.
SCHWARTZ, Stuart. “Gente da terra braziliense da nasção”. Pensando o Brasil: a construção de um povo”. In: MOTA, Carlos Guilherme (Org.) Viagem Incompleta: a experiência brasileira (1500-2000). Formação: histórias. São Paulo: Ed. SENAC, 2000.
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