Há algo que não se pode dizer do século XX: que foi umtempo de brumas, silêncios e mistérios. Tudo nele foi a céu aberto,agressivamente iluminado, escancarado e estridente. E, no entanto,ele é ainda um enigma – um claro en igma, parafraseandoDrummond -, e dele não podemos fazer o necrológio completo. Eporque findou como uma curva inesperada da história, em umastucioso desencontro do que achávamos ser o futuro, turvou nossamemória e nosso olhar. E tornou-se pedra e esfinge, com um brilhoque ainda cega e desafia.O século XX foi, sem dúvida, um século das utopias.O seu andamento coincidiu com a máxima expansão das categoriasfundamentais do mundo moderno – sujeito e trabalho -, eixos quepresidiram a atualização e exasperaram os limites do liberalismo e dosocialismo, as duas grandes utopias da modernidade. E talvez por issoexiba uma característica única e contraditória: parece ter sido o maispreparado e explicado pelos séculos anteriores e, simultaneamente,o que mais distanciou a humanidade de seu passado, mesmo o maispróximo, decretando o caráter obsoleto de formas de vida esociabilidade consolidadas durante milênios.O século XX sancionou o Estado-nação como a forma, porexcelência, de organização das sociedades em peregrinação para ofuturo e em busca de transparência. Os Estados nacionais ergueramsecomo personagens privilegiadas de uma história humana cada vezmais cosmopolita, para lembrar Kant, modificando de forma radicala paisagem do mundo. Com eles, o direito assumiu progressivamentea condição de um idioma universal, reagindo sobre o passado edestruindo velhas estruturas hierárquicas fundadas em privilégios e natradição.Mas o século XX não é apenas um tempo de esperanças.É também o século do medo e das tragédias injustificáveis. A durarealidade dos interesses provoca dois grandes conflitos mundiais, umtenso período de guerra fria e uma interminável série de guerraslocalizadas. Um século de violência dos que oprimem e dos que serevoltam.Rubem Barboza Filho. Século XX: uma introdução (em formade prefácio). Apud: Alberto Aggio e Milton Lahuerta (Org.).Pensar o século XX. São Paulo: Unesp, 2003, p. 15-9 (coma d a p t a ç õ e s ) .Considerando o texto acima, julgue os itens seguintes, rel ativosao cenário histórico do mundo contemporâneo. Os dois grandes conflitos mundiais do século XX tiveram origens e motivações distintas. Enquanto a Grande Guerra de 1914 teve, desde o início, caráter mundial, em função sobretudo do colonialismo europeu que estendia seus tentáculos por vários continentes, a Segunda Guerra circunscreveu-se ao palco europeu, malgrado ter contado com a participação de países americanos e asiáticos.
Há algo que não se pode dizer do século XX: que foi um
tempo de brumas, silêncios e mistérios. Tudo nele foi a céu aberto,
agressivamente iluminado, escancarado e estridente. E, no entanto,
ele é ainda um enigma – um claro en igma, parafraseando
Drummond -, e dele não podemos fazer o necrológio completo. E
porque findou como uma curva inesperada da história, em um
astucioso desencontro do que achávamos ser o futuro, turvou nossa
memória e nosso olhar. E tornou-se pedra e esfinge, com um brilho
que ainda cega e desafia.
O século XX foi, sem dúvida, um século das utopias.
O seu andamento coincidiu com a máxima expansão das categorias
fundamentais do mundo moderno – sujeito e trabalho -, eixos que
presidiram a atualização e exasperaram os limites do liberalismo e do
socialismo, as duas grandes utopias da modernidade. E talvez por isso
exiba uma característica única e contraditória: parece ter sido o mais
preparado e explicado pelos séculos anteriores e, simultaneamente,
o que mais distanciou a humanidade de seu passado, mesmo o mais
próximo, decretando o caráter obsoleto de formas de vida e
sociabilidade consolidadas durante milênios.
O século XX sancionou o Estado-nação como a forma, por
excelência, de organização das sociedades em peregrinação para o
futuro e em busca de transparência. Os Estados nacionais ergueramse
como personagens privilegiadas de uma história humana cada vez
mais cosmopolita, para lembrar Kant, modificando de forma radical
a paisagem do mundo. Com eles, o direito assumiu progressivamente
a condição de um idioma universal, reagindo sobre o passado e
destruindo velhas estruturas hierárquicas fundadas em privilégios e na
tradição.
Mas o século XX não é apenas um tempo de esperanças.
É também o século do medo e das tragédias injustificáveis. A dura
realidade dos interesses provoca dois grandes conflitos mundiais, um
tenso período de guerra fria e uma interminável série de guerras
localizadas. Um século de violência dos que oprimem e dos que se
revoltam.
Rubem Barboza Filho. Século XX: uma introdução (em forma
de prefácio). Apud: Alberto Aggio e Milton Lahuerta (Org.).
Pensar o século XX. São Paulo: Unesp, 2003, p. 15-9 (com
a d a p t a ç õ e s ) .
Considerando o texto acima, julgue os itens seguintes, rel ativos
ao cenário histórico do mundo contemporâneo.
- C) CERTO
- E) ERRADO
Resposta:
A alternativa correta é E)
O texto apresentado oferece uma reflexão profunda sobre o século XX, caracterizando-o como um período paradoxal: ao mesmo tempo em que foi marcado por uma aparente transparência e exposição, permanece como um enigma histórico. O autor destaca a dualidade desse século, que foi palco tanto das grandes utopias modernas quanto das mais profundas tragédias e violências.
Em relação ao item julgado, que afirma que os dois grandes conflitos mundiais tiveram origens e motivações distintas, com a Primeira Guerra sendo global desde o início devido ao colonialismo europeu e a Segunda Guerra restrita ao palco europeu, o gabarito indica que a afirmação está errada. Isso porque a Segunda Guerra Mundial não pode ser considerada circunscrita apenas à Europa, uma vez que envolveu diretamente países de diversos continentes, como os Estados Unidos e o Japão, além de ter tido repercussões globais. Da mesma forma, a Primeira Guerra também não teve um caráter exclusivamente mundial desde seu início, mas sim foi se expandindo gradualmente.
Portanto, a afirmação contida no item simplifica e distorce a complexidade desses conflitos, ignorando suas múltiplas dimensões e alcances. O século XX, como bem aponta o texto, foi um período de contradições e transformações radicais, cujos eventos históricos não podem ser reduzidos a generalizações simplistas.
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