“Iniciados no dia 10 de novembro, os tumultos de rua progrediriam em escala geométrica. No dia 15 de novembro, ironicamente a data de aniversário da República, turbas infestavam toda a cidade. Os quebra-quebras tinham se alastrado e já alcançavam os bairros mais distantes.” (PAMPLONA, Marco A. A Revolta era da Vacina? In: HEIZER, A. e VIDEIRA, A. A. P. Ciência, Civilização e República nos Trópicos. Rio de Janeiro: Mauad X, 2010, p. 83). O enunciado convida à reflexão crítica sobre o que ficou conhecido como “A Revolta da Vacina”. Sobre esse fato, a partir do que é proferido nessa citação, é correto afirmar que:

A alternativa correta é letra B) Tinha um propósito maior do que a contestação da obrigatoriedade da vacina. Combatia-se um tipo de projeto civilizador, expresso na repressão policial cotidiana, na carestia material e na cidadania restringida.

Gabarito: ALTERNATIVA B

• O enunciado convida à reflexão crítica sobre o que ficou conhecido como “A Revolta da Vacina”. Sobre esse fato, a partir do que é proferido nessa citação, é correto afirmar que:

Ocorrida entre 10 e 15 de novembro de 1904 (durante o governo Rodrigues Alves), a Revolta da Vacina ocorreu no Rio de Janeiro e teve como seu estopim a imposição da vacinação obrigatória contra varíola para toda a população da cidade. Tratava-se de uma política geral de urbanização e higienização da cidade, num contexto de reformas sanitaristas para o desenvolvimento urbano adequado. Ao longo da revolta, houve cerca de trinta mortes e de mil detenções. À luz dessas observações preliminares, avaliemos as alternativas.

• a) Significou a manutenção da nova ordem republicana, de caráter oligárquica, que pouco diferia daquelas formas de violência impetradas na época do Império.

Que sentido haveria que a população promovesse conflitos e tumultos pela capital da República em prol da manutenção de uma ordem republicana recém-estabelecida (1889)? A alternativa não apresenta nenhum ponto de contato relevante com o comando da questão, já que fala das estruturas de comando da República, mas não discute a Revolta da Vacina em si. De qualquer maneira, cabe destacar que a ordem republicana, ainda que profundamente oligárquica, alterava algumas estruturas importantes de controle da monarquia; por exemplo, ampliava o poder das lideranças locais sobre as populações interioranas. Além disso, na ordem republicana emergiu toda uma discussão federalista além de novas oligarquias. Alternativa errada.

• b) Tinha um propósito maior do que a contestação da obrigatoriedade da vacina. Combatia-se um tipo de projeto civilizador, expresso na repressão policial cotidiana, na carestia material e na cidadania restringida.

Alternativa muito bem escrita e concisa. Como apontado no primeiro comentário, a Revolta da Vacina teve como estopim a imposição da vacinação, que, não raro, se dava com emprego da violência nas áreas mais pobres. No entanto, como pano de fundo, havia um denso projeto civilizacional baseado na repressão policial e na exclusão dos mais pobres da cidadania. Naquele período, o Rio de Janeiro vivera graves reformas urbanas, com o desalojamento de muitas famílias e a demolição de prédios para a modernização do centro da cidade. Excluídos e lançados à irregularidade fundiária, essas pessoas passaram a viver em "cidadania restringida", distante da cidade e desassistida dos direitos mais básicos. A modernização das cidades brasileiras, portanto, entendia como necessária a exclusão social dos mais pobres, impondo-lhes vontades e processos. Desse caldo de cultura, a insatisfação difusa encontrou na vacinação sua energia de ativação necessária para a eclosão de uma revolta generalizada, que, como apontado pelo texto, teve um efeito de progressão geométrica com o tempo. Portanto, esta é a ALTERNATIVA CORRETA.

• c) Foi um movimento popular orquestrado e orientado por grupos de oposição organizados que visavam depor o governo constituído e atacar a presidência de Rodrigues Alves.

Essa alternativa podia ser eliminada com um simples exercício de interpretação de texto. O enunciado é muito claro ao falar que a revolta progrediu em tumultos desorganizados e espontâneos pelo Rio de Janeiro; isto é, a insatisfação generalizada se precipitou em forma de tumultos, que acabaram por gerar mais distúrbios por toda a cidade sem nenhum tipo de organização centralizada ou organizada. Ainda que um setor das Forças Armadas, descontente com os governos civis, tenha tentado dar um golpe de Estado em meio à desordem pública causada pela revolta, isso não implica em dizer que os tumultos tenham sido previamente orquestrados para tal. Portanto, não se pode falar em ações organizadas pela oposição contra Rodrigues Alves, mas sim num fenômeno de contágio de uma revolta. Alternativa errada.

• d) A Revolta da Vacina foi um acontecimento de caráter urbano no qual os setores da elite tentaram dar um basta à cotidiana intervenção e repressão governamental em suas vidas.

Como apontado no enunciado, a Revolta da Vacina partiu dos setores mais populares da sociedade contra a repressão e o autoritarismo do Estado. As elites, por seu turno, controlavam diretamente o aparato estatal dentro da República Velha (1889-1930) - o chamado "teatro das oligarquias" - e foram largamente beneficiadas no contexto da reorganização urbana da capital. O interesse das elites foi francamente favorecido com as reformas das cidades, que acabaram por excluir os mais pobres das áreas centrais e fortaleceram a especulação imobiliária. Alternativa errada.

• e) A vacina de Jenner era conhecida da população do Rio de Janeiro. Contudo, assustado com a Lei de Vacinação Obrigatória, largamente difundida por Oswaldo Cruz, o povo se revoltou e tomou as ruas.

Edward Jenner, médico e biólogo britânico, desenvolveu a primeira vacina contra a varíola no final do século XVIII. No entanto, há de se considerar que, mesmo nas cidades, o analfabetismo era uma inegável realidade brasileira, dificultando o acesso a e a compreensão do que significava a vacinação. Juntamente com Pereira Passos, prefeito do Rio de Janeiro, Oswaldo Cruz levava a cabo a reurbanização e a sanitarização da capital e lançou mão da vacinação obrigatória para garantir a máxima eficiência da vacina no combate à varíola; já que deixar uma parcela da população sem a imunização poderia significar o desenvolvimento de cepas resistentes à vacina. Ainda que tenha sido este o estopim da revolta, suas causas mais profundas tinham mais proximidade com a questão da violência do Estado.

Como é comum à banca, duas das alternativas não apresentam a menor coesão interna, podendo ser facilmente eliminadas pelo candidato. O desafio maior estava entre as alternativa B e E, exigindo um conhecimento e uma imaginação mais sofisticados do candidato. Sem mais, está correta a ALTERNATIVA B.