No final do século XIX, as Grandes Sociedades carnavalescas alcançaram ampla popularidade entre os foliões cariocas. Tais sociedades cultivavam um pretensioso objetivo em relação à comemoração carnavalesca em si mesma: com seus desfiles de carros enfeitados pelas principais ruas da cidade, pretendiam abolir o entrudo (brincadeira que consistia em jogar água nos foliões) e outras práticas difundidas entre a população desde os tempos coloniais, substituindo-os por formas de diversão que consideravam mais civilizadas, inspiradas nos carnavais de Veneza. Contudo, ninguém parecia disposto a abrir mão de suas diversões para assistir ao carnaval das sociedades. O entrudo, na visão dos seus animados praticantes, poderia coexistir perfeitamente com os desfiles.
PEREIRA, C. S. Os senhores da alegria: a presença das mulheres nas Grandes Sociedades carnavalescas cariocas em fins do século XIX. In: CUNHA, M. C. P. Carnavais e outras frestas: ensaios de história social da cultura. Campinas: Unicamp; Cecult, 2002 (adaptado).
Manifestações culturais como o carnaval também têm sua própria história, sendo constantemente reinventadas ao longo do tempo. A atuação das Grandes Sociedades, descrita no texto, mostra que o carnaval representava um momento em que as
- A) distinções sociais eram deixadas de lado em nome da celebração.
- B) aspirações cosmopolitas da elite impediam a realização da festa fora dos clubes.
- C) liberdades individuais eram extintas pelas regras das autoridades públicas.
- D) tradições populares se transformavam em matéria de disputas sociais.
- E) perseguições policiais tinham caráter xenófobo por repudiarem tradições estrangeiras.
Resposta:
A alternativa correta é letra D) tradições populares se transformavam em matéria de disputas sociais.
Gabarito: Letra D
Podemos notar no carnaval carioca do século XIX e início do século XX, a existência de várias formas de diversão, com destaque para as Grandes Sociedades carnavalescas e os entrudos.
As Grandes Sociedades tentaram implantar um modelo civilizado de Carnaval no Rio de Janeiro, inspirado nos modelos europeus, sobretudo, o de Veneza. Elas costumavam realizar bailes particulares e desfiles de carros alegóricos.
Os entrudos eram festividades mais populares onde existiam práticas de se jogarem líquidos e outros gêneros alimentícios nas pessoas, como, por exemplo, suco de limão, café, urina, farinha e ovos.
Entretanto, essa tentativa de “civilizar” uma festa profana, acabou gerando conflitos, principalmente de gênero, uma vez que as Grandes Sociedades eram formadas apenas por homens, que apresentavam um discurso de impedir que as mulheres da fina flor da sociedade carioca participassem dos entrudos para não serem associadas a prostitutas. Curiosamente, as prostitutas participavam dos bailes privados das Grandes Sociedades destinados exclusivamente aos homens e estavam nos carros alegóricos representando figuras femininas como a liberdade, a igualdade, deusas gregas e romanas.
Por detrás, a tentativa de manter o poder patriarcal sobre as mulheres, demarcando os espaços sociais de cada mulher nesses momentos de diversão, por exemplo, as senhoras e moças da fina flor deveriam ficar nas sacadas ou escoltadas para assistir aos desfiles das Grandes Sociedades. Jamais deveriam participar dos entrudos. As prostitutas poderiam participar dos bailes privados e dos desfiles, pois eram outro tipo de mulher.
Além disso, determinados temas desfilados pelas Grandes Sociedades tinham por objetivo criticar a inversão de papéis ocorrida naqueles tempos. Por exemplo, uma Grande Sociedade no desfile de 1889 “homenageava” em um dos seus carros,uma mulher que se formou em medicina. Nos outros carros, traziam homens exercendo funções femininas, como cozinhar ou costurar.
Por que as demais estão incorretas?
Letra A: distinções sociais eram deixadas de lado em nome da celebração.
Conforme visto, distinções sociais não eram deixadas de lado nas festividades. Havia uma clara tentativa de confinar os espaços das mulheres nos carnavais.
Letra B: aspirações cosmopolitas da elite impediam a realização da festa fora dos clubes.
Verificamos que as Grandes Sociedades realizavam bailes privados para os seus sócios e desfiles de carros pelas ruas da Corte.
Letra C: liberdades individuais eram extintas pelas regras das autoridades públicas.
As liberdades individuais só existiam para os homens da sociedade. As mulheres tentavam ser confinadas em espaços próprios, longe dos entrudos e ao participarem dos desfiles das Grandes Sociedades deveriam ficar das sacadas das janelas olhando a festividade.
Letra E: perseguições policiais tinham caráter xenófobo por repudiarem tradições estrangeiras.
Os policiais reprimiram as manifestações do entrudo, consideradas imorais e violentas.
Referência:
PEREIRA, Cristiana Schettini. “Os senhores da alegria: a presença das mulheres nas Grandes Sociedades carnavalescas cariocas em fins do século XIX”. In: CUNHA, Maria Clementina Pereira (Org.) Carnavais e outras f(r)estas: ensaios de história social da cultura. Campinas: Unicamp; Cecult, 2002.
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