O instituto popular, de acordo com o exame da razão, fez da figura do alferes Xavier o principal dos inconfidentes, e colocou os seus parceiros a meia ração de glória. Merecem, decerto, a nossa estima aqueles outros; eram patriotas. Mas o que se ofereceu a carregar com os pecadores de Israel, o que chorou de alegria quando viu comutada a pena de morte dos seus companheiros, pena que só ia ser executada nele, o enforcado, o esquartejado, o decapitado, esse tem de receber o prêmio na proporção do martírio, e ganhar por todos, visto que pagou por todos.

A alternativa correta é letra A)  redenção cristã e cultura cívica.

Gabarito: ALTERNATIVA A

O instituto popular, de acordo com o exame da razão, fez da figura do alferes Xavier o principal dos inconfidentes, e colocou os seus parceiros a meia ração de glória. Merecem, decerto, a nossa estima aqueles outros; eram patriotas. Mas o que se ofereceu a carregar com os pecadores de Israel, o que chorou de alegria quando viu comutada a pena de morte dos seus companheiros, pena que só ia ser executada nele, o enforcado, o esquartejado, o decapitado, esse tem de receber o prêmio na proporção do martírio, e ganhar por todos, visto que pagou por todos.

ASSIS, M. Gazeta de Notícias, n. 114, 24 abr. 1892.

No processo de transição para a República, a narrativa machadiana sobre a Inconfidência Mineira associa

• a)  redenção cristã e cultura cívica.

Os elementos da redenção cristã estão mais do que evidentes no texto de Machado de Assis. A execução de Tiradentes por enforcamento e subsequente esquartejamento foi usado pelo autor como um paralelo ao sacrifício purificador típico do Cristianismo: uma forma de martírio absoluto em nome de uma causa maior, tal como Jesus Cristo oferecera o seu suplício e a sua morte como forma de redimir toda a humanidade dos erros cometidos. A ideia do cordeiro redentor é muito forte na cultura cristã e foi usada para elevar Tiradentes, o único inconfidente mineiro condenado à morte, à condição de mártir da pátria. E um mártir é um ponto de confluência importantíssimo para a construção de uma cultura cívica, uma forma de monumento inconteste para onde todos os cidadãos devem se dirigir como um exemplo maior. A glória do mártir não pode ser objeto de investigação ou de questionamento, tornando-se um dever cívico reverenciá-la sempre. E o republicanismo brasileiro, em grande medida, buscou a criação desses heróis maiores como uma forma de criar uma nova visão sobre o próprio país: novos heróis para criar uma nova narrativa sobre o processo histórico brasileiro. ALTERNATIVA CORRETA.

• b)  veneração aos santos e radicalismo militar.

O radicalismo militar não se manifesta no trecho citado de Machado de Assis, mas sim um apego aos valores dos novos tempos, uma forma de exaltação cívica do passado brasileiro. Além disso, não se trata propriamente de uma veneração de santos, mas sim de uma estrutura do cristianismo sendo acionada para exaltar ao extremo a figura do inconfidente que oferecera a sua morte em nome da causa nacional - criava-se, portanto, um herói que dialogava com as bases civilizacionais brasileiras. Alternativa errada.

• c)  apologia aos protestantes e culto ufanista.

A questão religiosa se desdobra sobre o cristianismo como um todo, sem se dedicar propriamente ao grupo dos protestantes ou dos católicos. Além disso, não se trata exatamente de uma exaltação ufanista, mas sim de afirmação de possíveis valores e heróis nacionais num momento de consolidação republicana. Alternativa errada.

• d)  tradição messiânica e tendência regionalista.

Tiradentes não é apresentado como um messias por Machado de Assis, mas como aquele disposto a todos os sacrifícios e ao desapego pessoal absoluto em nome de uma certa causa maior. Além disso, a temática machadiana pretende ter um alcance nacional, e não algo regionalista: Tiradentes é tratado como um herói brasileiro, e não como uma personagem circunscrita à vida colonial das Minas Gerais. Alternativa errada.

• e)  representação eclesiástica e dogmatismo ideológico.

A representação eclesiástica pressupõe o apelo às figuras do clero, o que não se verifica no texto machadiano de maneira alguma - como já explicado, trata-se da evocação maior da redenção cristã, e não do apego a uma ou outra prática religiosa. Além disso, o discurso se coloca acima das questões ideológicas, vislumbrando a formação de uma identidade nacional cívica. Ou seja, uma reflexão que se pretende mais elevada do que o partidarismo imediato ou as formas dogmáticas. Alternativa errada.

Sem mais, está correta a ALTERNATIVA A.