“Para além de uma rejeição ou negação dos valores de civilização e progresso que se tentava materializar na cidade do Rio de Janeiro, a Revolta da Vacina, na sua dimensão popular, trazia em seu bojo a defesa e a afirmação de uma outra lógica de interpretação do mundo.”
AQUINO e MITTELMAN, Tania. A revolta da vacina. Vacinando contra a varíola e contra o povo. Rio de Janeiro: Ed. Ciência Moderna, 2003.
Entre as crenças que geraram desconfiança e aversão à obrigatoriedade da vacinação imposta pelas autoridades cariocas e que resultaram na Revolta da Vacina, encontramos as tradições culturais das populações negras descendentes dos grupos bantus e iorubás, para quem
- A) a introdução da vacina no corpo representaria a inoculação da própria doença, o que era contrário aos preceitos da variolização.
- B) a vacina animal, extraída do pús vacínico de vitelos, poderia transmitir características dos animais para os serem humanos, ou seja, poderia animalizar as pessoas.
- C) a vacina obrigatória, realizada através do método de braço-abraço, poderia transmitir a sífilis, que seria passada pelos brancos às populações negras.
- D) as epidemias de varíola eram um castigo infligido por Omolu, sendo a doença uma espécie de purificação dos pecados. Assim, vacinar-se só causaria mais epidemias e mortes.
- E) o método de aplicação da vacina nos braços, pernas ou até nas nádegas feriam os estritos códigos morais femininos, posto que teriam que se despir para os vacinadores.
Resposta:
A alternativa correta é letra D) as epidemias de varíola eram um castigo infligido por Omolu, sendo a doença uma espécie de purificação dos pecados. Assim, vacinar-se só causaria mais epidemias e mortes.
Gabarito: ALTERNATIVA D
“Para além de uma rejeição ou negação dos valores de civilização e progresso que se tentava materializar na cidade do Rio de Janeiro, a Revolta da Vacina, na sua dimensão popular, trazia em seu bojo a defesa e a afirmação de uma outra lógica de interpretação do mundo.”
AQUINO e MITTELMAN, Tania. A revolta da vacina. Vacinando contra a varíola e contra o povo. Rio de Janeiro: Ed. Ciência Moderna, 2003.
- Entre as crenças que geraram desconfiança e aversão à obrigatoriedade da vacinação imposta pelas autoridades cariocas e que resultaram na Revolta da Vacina, encontramos as tradições culturais das populações negras descendentes dos grupos bantus e iorubás, para quem
Ocorrida entre 10 e 15 de novembro de 1904 (durante o governo Rodrigues Alves), a Revolta da Vacina ocorreu no Rio de Janeiro e teve como seu estopim a imposição da vacinação obrigatória contra varíola para toda a população da cidade. Tratava-se de uma política geral de urbanização e higienização da cidade, num contexto de reformas sanitaristas para o desenvolvimento urbano adequado. Ao longo da revolta, houve cerca de trinta mortes e de mil detenções. No entanto, como pano de fundo, havia um denso projeto civilizacional baseado na repressão policial e na exclusão dos mais pobres da cidadania. Naquele período, o Rio de Janeiro vivera graves reformas urbanas, com o desalojamento de muitas famílias e a demolição de prédios para a modernização do centro da cidade. Excluídos e lançados à irregularidade fundiária, essas pessoas passaram a viver em "cidadania restringida", distante da cidade e desassistida dos direitos mais básicos. A modernização das cidades brasileiras, portanto, entendia como necessária a exclusão social dos mais pobres, impondo-lhes vontades e processos. Desse caldo de cultura, a insatisfação difusa encontrou na vacinação sua energia de ativação necessária para a eclosão de uma revolta generalizada, que teve um efeito de progressão geométrica com o tempo. Assim, observemos as alternativas propostas.
- a) a introdução da vacina no corpo representaria a inoculação da própria doença, o que era contrário aos preceitos da variolização.
A variolização era uma prática comum no século XIX, que acabaria sendo substituída pela vacinação em si. A variolização consistia em retirar o material das pústulas de um doente e inocular numa pessoa saudável para uma exposição controlada ao vírus vivo para estimular o desenvolvimento de resposta imunológica no indivíduo saudável. Isso nada tinha de específico com a cultura afro-brasileira, sendo uma prática médica comum. Alternativa errada.
- b) a vacina animal, extraída do pús vacínico de vitelos, poderia transmitir características dos animais para os serem humanos, ou seja, poderia animalizar as pessoas.
A vacina bovina contra varíola foi a primeira ser desenvolvida, tendo sido descoberta por Edward Jenner ainda no século XVIII. A versão fantasiosa de que sua inoculação faria surgir características bovinas entre os humanos foi um dos "argumentos" anti-vacinas mais antigos a aparecer na Europa. Novamente, ainda que a informação seja correta, não tem nenhuma ligação direta com o universo afro-brasileiro do início do século XX. Alternativa errada.
- c) a vacina obrigatória, realizada através do método de braço-abraço, poderia transmitir a sífilis, que seria passada pelos brancos às populações negras.
Em primeiro lugar, a sífilis no Brasil do início do século XX era uma epidemia bastante expressiva e não estava restrita aos brancos. Além disso, a utilização do mesmo equipamento para a vacinação de vários indivíduos (método braço-a-braço), de fato, poderia fazer da agulha um vetor para a transmissão da sífilis. No entanto, isso já havia sido descoberto na Europa no século XIX e não era uma preocupação específica das culturas afro-brasileiras. Alternativa errada.
- d) as epidemias de varíola eram um castigo infligido por Omolu, sendo a doença uma espécie de purificação dos pecados. Assim, vacinar-se só causaria mais epidemias e mortes.
Orixá tradicionalmente ligado à morte e à cura de doenças letais, Omolu era interpretado por algumas tradições africanas como diretamente ligado à expansão e à cura de epidemias, o que envolvia a varíola. Como uma forma de purificação espiritual, o ciclo da varíola acompanhado pelas cruas tradicionais seria regido pelo orixá. A vacinação, portanto, interferiria nesse processo e levantaria a desordem, desrespeitando os sacerdotes de Omolu, o que levaria ao aumento da morte e ao agravamento geral da epidemia. ALTERNATIVA CORRETA.
- e) o método de aplicação da vacina nos braços, pernas ou até nas nádegas feriam os estritos códigos morais femininos, posto que teriam que se despir para os vacinadores.
A questão da aplicação da vacina em si era, de fato, um ponto delicado para a moral brasileira da época, mas não era um assunto específico da cultura afro-brasileira. A exposição de partes do corpo feminino à vacinação gerava importante desconforto na população e o caráter impositivo da campanha aprofundou esse mal-estar. Ainda que a informação seja correta, não se pode associá-la diretamente ao universo afro-brasileiro. Alternativa errada.
Note o estudante que a alternativa correta era a única a abordar especificamente o universo simbólico das religiões de matriz africana. Todos os demais eram observações difusas sobre as dificuldades da campanha de vacinação contra a varíola. Por fim, cumpre destacar que o avaliador tirou todas as informações de um único livro (Revolta da Vacina: a maior batalha do Rio), que pode ser consultado neste link. Sem mais, está correta a ALTERNATIVA D.
Deixe um comentário