(URCA/2019.1) “A primeira investida da psiquiatria nesse sentido voltou-se para a aquisição de poder político para uma ação profissional dentro e fora do hospício. Esse poder, através de muitas lutas, foi sendo incrementado, e desde o final do século XIX via-se cada vez mais reforçado, à proporção que se sustentava como saber científico, mostrando-se fundamentado n a interação de seu discurso com a medicina.
(URCA/2019.1) “A primeira investida da psiquiatria nesse sentido voltou-se para a aquisição de poder político para uma ação profissional dentro e fora do hospício. Esse poder, através de muitas lutas, foi sendo incrementado, e desde o final do século XIX via-se cada vez mais reforçado, à proporção que se sustentava como saber científico, mostrando-se fundamentado na interação de seu discurso com a medicina.
A relação da psiquiatria com a medicina permitia garantir a função do psiquiatra com o apoio científico indispensável ao exercício de poder do Estado.”
(PORTOCARRERO, Vera. Arquivos da Loucura: Juliano Moreira e a descontinuidade histórica da psiquiatria. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2002, p. 20).
Considerando o contexto econômico, social, político e cultural ao qual o texto se refere, podemos corretamente afirmar que:
- A) A partir do século XIX, a medicina deixou de ser considerada uma prática política específica, bem como perdeu o poder especializado para assumir a condição exclusivamente do cuidado dos indivíduos e da população;
- B) No final do século XIX e por todo século XX predominou o princípio médico de que o louco deveria ser retirado do convício social para ser aprisionado nos hospícios de alienados e nas Santas Casas de Misericórdia, prática que somente no início do século XX começou a desaparecer, sendo ainda bastante comum;
- C) Quando da implantação da República Velha houve um processo de rompimento com os projetos de medicalização da sociedade que vinham se instituindo desde o início da segunda metade do século XIX;
- D) Na medida em que a medicina mental penetrou nos diversos setores do espaço social, com seus conceitos e práticas assistencialistas perdeu a função de apoio ao exercício de poder do Estado;
- E) A medicina, ao investir sobre as cidades, no século XIX, passou a disputar um lugar entre as instâncias de controle social, sob a alegação de que possuía o saber sobre a doença e a saúde, a partir do qual procurou catalisar o equilíbrio da estrutura social instaurada;
Resposta:
A alternativa correta é letra E) A medicina, ao investir sobre as cidades, no século XIX, passou a disputar um lugar entre as instâncias de controle social, sob a alegação de que possuía o saber sobre a doença e a saúde, a partir do qual procurou catalisar o equilíbrio da estrutura social instaurada;
Gabarito: Letra E
(A medicina, ao investir sobre as cidades, no século XIX, passou a disputar um lugar entre as instâncias de controle social, sob a alegação de que possuía o saber sobre a doença e a saúde, a partir do qual procurou catalisar o equilíbrio da estrutura social instaurada;)
Trata-se de uma questão específica, baseada na obra de Vera Portocarrero, “Arquivos da Loucura: Juliano Moreira e a descontinuidade histórica da psiquiatria”.
Desde o início da segunda metade do século XIX constituiu-se no Brasil um projeto de medicalização da sociedade e que se aprofundou na implantação da República. A medicina escolheu as cidades como principais locais de penetração e nesses espaços passou a disputar um lugar entre as várias instâncias de controle social (polícia, justiça, governo) alegando que possuía o saber sobre a doença e a saúde.
A medicina buscou agir contra a doença antes mesmo que ela ocorresse, visando a impedir o seu aparecimento. O que implicou tanto na existência de um saber médico sobre a cidade e sua população, elaborado em instituições - faculdades, sociedades de medicina, imprensa médica, etc. - quanto na presença do médico como uma autoridade que intervém na vida social, decidindo, planejando e executando medidas ao mesmo tempo, médicas e políticas.
Por que as demais estão incorretas?
Letra A: A partir do século XIX, a medicina deixou de ser considerada uma prática política específica, bem como perdeu o poder especializado para assumir a condição exclusivamente do cuidado dos indivíduos e da população;
A partir do século XIX, a medicina é considerada uma prática política específica e com poder especializado para assumir o cuidado dos indivíduos e da população. Ou seja, ela não deixou de ser considerada prática política e nem perdeu seu poder especializado para assumir a condição de cuidado.
Letra B: No final do século XIX e por todo século XX predominou o princípio médico de que o louco deveria ser retirado do convício social para ser aprisionado nos hospícios de alienados e nas Santas Casas de Misericórdia, prática que somente no início do século XX começou a desaparecer, sendo ainda bastante comum;
No século XX a visão de isolamento dos loucos foi se modificando e até mesmo rompendo com a prática tradicional de trancafiá-los em hospícios, prisões ou Santas Casas de Misericórdia. A nova mentalidade não se restringiu mais a assistir ao louco, no espaço asilar, mas, ao contrário, procurou ser o mais abrangente possível, tentando criar novas modalidades de assistência para contemplar todos os indivíduos, loucos propriamente ditos, ou que podem se tornar loucos, ou simplesmente anormais. Novas instalações e arquiteturas são realizadas como as colônias agrícolas, o manicômio judiciário e a assistência familiar, além do próprio hospício, que agora rejeita medidas de repressão física, como as grades e os coletes de força.
Letra C: Quando da implantação da República Velha houve um processo de rompimento com os projetos de medicalização da sociedade que vinham se instituindo desde o início da segunda metade do século XIX;
Desde o início da segunda metade do século XIX constituiu-se no Brasil um projeto de medicalização da sociedade e que se aprofundou na implantação da República. Portanto, não houve um rompimento, mas sim um aprofundamento.
Letra D: Na medida em que a medicina mental penetrou nos diversos setores do espaço social, com seus conceitos e práticas assistencialistas perdeu a função de apoio ao exercício de poder do Estado;
A medicina mental começou a participar dos vários setores do espaço social, buscando adquirir apoio junto ao poder público para uma ação profissional dentro e fora do hospício.
Referência:
PORTOCARRERO, Vera. Arquivos da Loucura: Juliano Moreira e a descontinuidade histórica da psiquiatria. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2002
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