Mesmo sem querer recuar conceitos anacronicamente, parece que Caramuru, de Santa Rita Durão, pode ser considerado uma epopeia do tipo que se chamaria hoje colonialista, porque glorifica métodos e ideologias que censuramos até no passado. Mas que ainda são aceitos, recomendados e praticados pelos amigos da ordem a todo preço, entre os quais se alinharia o nosso velho Durão, que era filho de um repressor de quilombos e hoje talvez se situasse entre os reacionários, com todo o seu talento, cultura e paixão. Como sabemos, Caramuru é uma resposta ao poema de Basílio da Gama, O Uraguai, cujo pombalismo ilustrado estava mais perto daquilo que no tempo era progresso. Mesmo sendo progresso de déspota esclarecido, useiro da brutalidade e do arbítrio. A possível atualidade do Caramuru estaria um pouco na presença constante da violência e da opressão, disfarçadas por uma ideologia bem arquitetada, que tranquiliza a consciência. Durão é, em grau surpreendente, um poeta da guerra e da imposição cultural, e não ficaria deslocado em nosso tempo excepcionalmente bruto e agressivo. Basílio da Gama, que celebra uma guerra destruidora, no fundo não simpatiza com ela e quase justifica o inimigo (que não consegue deixar de tratar como vítima), lamentando a necessidade cruel da razão de Estado. Mas Durão não só adere ideologicamente ao exercício da força, como parece ter por ela uma espécie de fascinação. Antonio Candido. Movimento e parada. In: Na sala de aula: caderno de análise literária. São Paulo: Editora Ática, 1985, p. 8-9 (com adaptações). Tendo como referência inicial o texto precedente, publicado pela primeira vez em 1985, julgue o item a seguir.Caramuru e O Uraguai, assim como os romances O Guarani e Iracema, de José de Alencar, fizeram parte das manifestações românticas do período posterior à independência do Brasil, que, ao idealizarem o indígena, buscavam consolidar a mitologia da nacionalidade brasileira.
parece que Caramuru, de Santa Rita Durão, pode ser considerado
uma epopeia do tipo que se chamaria hoje colonialista, porque
glorifica métodos e ideologias que censuramos até no passado. Mas
que ainda são aceitos, recomendados e praticados pelos amigos da
ordem a todo preço, entre os quais se alinharia o nosso velho
Durão, que era filho de um repressor de quilombos e hoje talvez se
situasse entre os reacionários, com todo o seu talento, cultura e
paixão. Como sabemos, Caramuru é uma resposta ao poema de
Basílio da Gama, O Uraguai, cujo pombalismo ilustrado estava
mais perto daquilo que no tempo era progresso. Mesmo sendo
progresso de déspota esclarecido, useiro da brutalidade e do arbítrio.
presença constante da violência e da opressão, disfarçadas por uma
ideologia bem arquitetada, que tranquiliza a consciência. Durão é,
em grau surpreendente, um poeta da guerra e da imposição cultural,
e não ficaria deslocado em nosso tempo excepcionalmente bruto e
agressivo. Basílio da Gama, que celebra uma guerra destruidora, no
fundo não simpatiza com ela e quase justifica o inimigo (que não
consegue deixar de tratar como vítima), lamentando a necessidade
cruel da razão de Estado. Mas Durão não só adere ideologicamente
ao exercício da força, como parece ter por ela uma espécie de
fascinação.
Tendo como referência inicial o texto precedente, publicado pela primeira vez em 1985, julgue o item a seguir.
Caramuru e O Uraguai, assim como os romances O Guarani
e Iracema, de José de Alencar, fizeram parte das
manifestações românticas do período posterior à independência
do Brasil, que, ao idealizarem o indígena, buscavam consolidar
a mitologia da nacionalidade brasileira.
- C) CERTO
- E) ERRADO
Resposta:
A alternativa correta é E)
O texto de Antonio Candido apresenta uma análise crítica de Caramuru, de Santa Rita Durão, e O Uraguai, de Basílio da Gama, destacando suas diferenças ideológicas e abordagens em relação à colonização e à violência. Candido aponta que, enquanto Durão glorifica a imposição cultural e a força, alinhando-se a uma visão colonialista e reacionária, Basílio da Gama, embora celebre uma guerra, demonstra certa simpatia pelo inimigo e questiona a razão de Estado. Essa discussão revela que as obras não se limitam a uma idealização romântica do indígena, mas carregam nuances políticas e críticas que vão além da construção de uma mitologia nacional.
Ao contrário do que sugere o item a ser julgado, Caramuru e O Uraguai não podem ser reduzidos a meras manifestações românticas que buscam consolidar uma identidade nacional por meio da idealização do indígena. Ambas as obras possuem camadas críticas e contradições que as afastam de uma visão simplista e ufanista. Portanto, a afirmação de que essas obras, junto aos romances de José de Alencar, fizeram parte de um projeto romântico de mitificação da nacionalidade brasileira é equivocada, especialmente no caso de Caramuru e O Uraguai, que possuem um caráter mais complexo e menos idealizado.
Dessa forma, o gabarito correto é E) ERRADO, pois a afirmação não capta a essência crítica e política dessas obras, conforme destacado por Antonio Candido.
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