Aurélia ergueu-se impetuosamente. — Então me enganei? Exclamou a moça com estranho arrebatamento. O senhor ama-me sinceramente e não se casou comigo por interesse? Seixas demorou um instante o olhar no semblante da moça, que estava suspensa de seus lábios, para beber-lhe as palavras: — Não, senhora, não enganou-se, disse afinal com o mesmo tom frio e inflexível. Vendi-me; pertenço-lhe. A senhora teve o mau gosto de comprar um marido aviltado; aqui o tem como o desejou. Podia ter feito de um caráter, talvez gasto pela educação, um homem de bem, que se enobrecesse com sua afeição; preferiu um escravo branco; estava em seu direito, pagava com seu dinheiro, e pagava generosamente. Esse escravo aqui o tem; é seu marido, porém nada mais do que seu marido! O rubor afogueou as faces de Aurélia, ouvindo essa palavra acentuada pelo sarcasmo de Seixas. — Ajustei-me por cem contos de réis; continuou Fernando; foi pouco, mas o mercado está concluído. Recebi como sinal da compra vinte contos de réis; falta-me arrecadar o resto do preço, que a senhora acaba de pagar-me. O moço curvou-se para apanhar o cheque. Leu com atenção o algarismo, e dobrando lentamente o papel, guardou-o no bolso do rico chambre de gorgorão azul. — Quer que lhe passe um recibo?… Não; confia na minha palavra. Não é seguro. Enfim estou pago. O escravo entra em serviço. Soltando estas palavras com pasmosa volubilidade, que parecia indicar o requinte da impudência, Fernando sentou-se outra vez defronte da mulher. — Espero suas ordens.José de Alencar. Senhora. São Paulo: Ática, 1980, p. 98-9.A partir da leitura desse fragmento de texto, assinale a opção correta em relação ao romance de José de Alencar e ao Romantismo.
arrebatamento. O senhor ama-me sinceramente e não se casou
comigo por interesse?
moça, que estava suspensa de seus lábios, para beber-lhe as
palavras:
mesmo tom frio e inflexível. Vendi-me; pertenço-lhe. A senhora
teve o mau gosto de comprar um marido aviltado; aqui o tem como
o desejou. Podia ter feito de um caráter, talvez gasto pela educação,
um homem de bem, que se enobrecesse com sua afeição; preferiu
um escravo branco; estava em seu direito, pagava com seu dinheiro,
e pagava generosamente. Esse escravo aqui o tem; é seu marido,
porém nada mais do que seu marido!
palavra acentuada pelo sarcasmo de Seixas.
Fernando; foi pouco, mas o mercado está concluído. Recebi como
sinal da compra vinte contos de réis; falta-me arrecadar o resto do
preço, que a senhora acaba de pagar-me.
atenção o algarismo, e dobrando lentamente o papel, guardou-o no
bolso do rico chambre de gorgorão azul.
palavra. Não é seguro. Enfim estou pago. O escravo entra em
serviço.
parecia indicar o requinte da impudência, Fernando sentou-se outra
vez defronte da mulher.
opção correta em relação ao romance de José de Alencar e ao
Romantismo.
- A)O casal Aurélia e Seixas ajusta-se perfeitamente ao estereótipo do par amoroso idealizado pelo Romantismo brasileiro.
- B)A referência ao dinheiro, em Senhora, deve ser compreendida como metáfora que revela ao leitor a intensidade do amor de Fernando Seixas por Aurélia.
- C)O ideal do amor cortês de origem medieval predomina em Senhora, pela expressão de submissão do vassalo enamorado às ordens e caprichos de sua senhora.
- D)A cena retratada no fragmento sintetiza tema característico dos romances urbanos românticos: o arrebatamento causado pelo amor, que determina a ação dos personagens.
- E)A influência do Romantismo europeu, que questionava as relações sociais burguesas mediadas pelo dinheiro, é perceptível em Senhora.
Resposta:
A alternativa correta é E)
O fragmento de Senhora, de José de Alencar, revela uma crítica às relações sociais burguesas mediadas pelo dinheiro, aspecto que aproxima a obra do Romantismo europeu. A cena em que Fernando Seixas declara-se um "escravo branco" comprado por Aurélia expõe a mercantilização do casamento e a degradação dos valores humanos em uma sociedade movida por interesses materiais. Seixas reduz seu matrimônio a uma transação comercial, evidenciando o conflito entre amor e dinheiro, tema caro ao Romantismo que questionava a hipocrisia burguesa.
Embora o Romantismo brasileiro tenha cultivado idealizações amorosas, a relação entre Aurélia e Seixas subverte esse estereótipo (opção A). O dinheiro não serve como metáfora do amor (B), mas como denúncia de sua corrupção. A submissão de Seixas não remete ao amor cortês (C), pois é marcada por sarcasmo e ressentimento, não por devoção. O arrebatamento da cena decorre do cálculo, não da paixão (D). A opção E destaca corretamente a influência europeia ao abordar a crítica social, tornando-se a alternativa adequada.
José de Alencar. Senhora. São Paulo: Ática, 1980, p. 98-9.
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