Antiode Poesia, não será esse o sentido em que ainda te escrevo: flor! (Te escrevo: flor! Não uma flor, nem aquela flor-virtude — em disfarçados urinóis). Flor é a palavra flor; verso inscrito no verso, como as manhãs no tempo. Flor é o salto da ave para o voo: o salto fora do sono quando seu tecido se rompe; é uma explosão posta a funcionar, como uma máquina, uma jarra de flores. MELO NETO, J. C. Psicologia da composição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997 (fragmento)A poesia é marcada pela recriação do objeto por meio da linguagem, sem necessariamente explicá-lo. Nesse fragmento de João Cabral de Melo Neto, poeta da geração de 1945, o sujeito lírico propõe a recriação poética de
Antiode
Poesia, não será esse
o sentido em que
ainda te escrevo:
flor! (Te escrevo:
flor! Não uma
flor, nem aquela
flor-virtude — em
disfarçados urinóis).
Flor é a palavra
flor; verso inscrito
no verso, como as
manhãs no tempo.
Flor é o salto
da ave para o voo:
o salto fora do sono
quando seu tecido
se rompe; é uma explosão
posta a funcionar,
como uma máquina,
uma jarra de flores.
MELO NETO, J. C. Psicologia da composição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997 (fragmento)
A poesia é marcada pela recriação do objeto por
meio da linguagem, sem necessariamente explicá-lo.
Nesse fragmento de João Cabral de Melo Neto, poeta
da geração de 1945, o sujeito lírico propõe a recriação
poética de
- A)uma palavra, a partir de imagens com as quais ela pode ser comparada, a fim de assumir novos significados.
- B)um urinol, em referência às artes visuais ligadas às vanguardas do início do século XX.
- C)uma ave, que compõe, com seus movimentos, uma imagem historicamente ligada à palavra poética.
- D)uma máquina, levando em consideração a relevância do discurso técnico-científico pós-Revolução Industrial.
- E)um tecido, visto que sua composição depende de elementos intrínsecos ao eu lírico.
Resposta:
A alternativa correta é A)
O fragmento poético de João Cabral de Melo Neto, presente em Psicologia da composição, revela uma reflexão metalinguística sobre a própria natureza da poesia. O sujeito lírico não se contenta em simplesmente nomear ou descrever um objeto, mas busca recriá-lo através da linguagem, conferindo-lhe novos significados e dimensões simbólicas.
No poema, a palavra "flor" é desconstruída e reinventada por meio de uma série de imagens poéticas que ampliam seu sentido. O poeta não se refere a uma flor concreta, nem a um símbolo convencional ("flor-virtude"), mas à própria palavra enquanto elemento poético. Essa abordagem é exemplificada em versos como "Flor é a palavra / flor; verso inscrito / no verso", onde a linguagem se torna o próprio objeto de investigação.
A alternativa correta (A) aponta justamente para esse processo de ressignificação da palavra através de comparações inusitadas. A flor é associada a imagens diversas: desde "manhãs no tempo" até "o salto da ave para o voo" e "uma explosão / posta a funcionar". Essas metáforas não pretendem explicar o conceito de flor, mas sim expandir suas possibilidades semânticas no âmbito poético.
João Cabral, característico de sua geração de 1945, demonstra aqui sua preocupação com a construção poética consciente, onde a palavra não é mero veículo de significado, mas matéria-prima a ser trabalhada. O poema funciona como uma antiode (como sugere o título), ou seja, uma ode que em vez de celebrar um objeto convencional, celebra a própria linguagem e seu poder criador.
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