CamelôsAbençoado seja o camelô dos brinquedos de tostão: O que vende balõezinhos de cor O macaquinho que trepa no coqueiro O cachorrinho que bate com o rabo Os homenzinhos que jogam boxe A perereca verde que de repente dá um pulo que engraçado E as canetinhas-tinteiro que jamais escreverão coisa alguma.Alegria das calçadas Uns falam pelos cotovelos: — “O cavalheiro chega em casa e diz: Meu filho, vai buscar um pedaço de banana para eu acender o charuto. Naturalmente o menino pensará: Papai está malu…”Outros, coitados, têm a língua atada.Todos porém sabem mexer nos cordéis como o tino ingênuo de demiurgos de inutilidades. E ensinam no tumulto das ruas os mitos heroicos da meninice… E dão aos homens que passam preocupados ou tristes uma lição de infância.BANDEIRA, M. Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007.Uma das diretrizes do Modernismo foi a percepção de elementos do cotidiano como matéria de inspiração poética. O poema de Manuel Bandeira exemplifica essa tendência e alcança expressividade porque
Camelôs
Abençoado seja o camelô dos brinquedos de tostão:
O que vende balõezinhos de cor
O macaquinho que trepa no coqueiro
O cachorrinho que bate com o rabo
Os homenzinhos que jogam boxe
A perereca verde que de repente dá um pulo que
engraçado
E as canetinhas-tinteiro que jamais escreverão coisa
alguma.
Alegria das calçadas
Uns falam pelos cotovelos:
— “O cavalheiro chega em casa e diz: Meu filho, vai
buscar um
pedaço de banana para eu acender o charuto.
Naturalmente o menino pensará: Papai está malu…”
Outros, coitados, têm a língua atada.
Todos porém sabem mexer nos cordéis como o tino
ingênuo de
demiurgos de inutilidades.
E ensinam no tumulto das ruas os mitos heroicos da
meninice…
E dão aos homens que passam preocupados ou tristes
uma lição de infância.
BANDEIRA, M. Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007.
Uma das diretrizes do Modernismo foi a percepção de elementos do cotidiano como matéria de inspiração poética. O poema de Manuel Bandeira exemplifica essa tendência e alcança expressividade porque
- A)realiza um inventário dos elementos lúdicos tradicionais da criança brasileira.
- B)promove uma reflexão sobre a realidade de pobreza dos centros urbanos.
- C)traduz em linguagem lírica o mosaico de elementos de significação corriqueira.
- D)introduz a interlocução como mecanismo de construção de uma poética nova.
- E)constata a condição melancólica dos homens distantes da simplicidade infantil.
Resposta:
A alternativa correta é C)
Camelôs e a Poética do Cotidiano em Manuel Bandeira
O poema de Manuel Bandeira, presente em Estrela da Vida Inteira, celebra a figura do camelô como um artífice de pequenas maravilhas cotidianas. Ao descrever brinquedos simples e efêmeros – como balõezinhos coloridos, macaquinhos de corda e canetinhas que "jamais escreverão coisa alguma" –, o poeta transforma o trivial em matéria lírica, exemplificando uma das principais diretrizes do Modernismo: a valorização estética do ordinário.
A opção C) é a que melhor sintetiza a força do texto, pois Bandeira não apenas cataloga brinquedos (como sugere a alternativa A), mas transfigura esses objetos banais através de uma linguagem que mescla afetividade e ironia sutil. O "mosaico de elementos corriqueiros" ganha densidade poética justamente por ser apresentado como parte de um ritual urbano – o camelô que, com seu "tino ingênuo de demiurgos", tece narrativas mínimas que resgatam "os mitos heroicos da meninice".
Embora o poema tangencie questões sociais (alternativa B), seu foco não é a denúncia, mas a epifania do comum. A "lição de infância" oferecida aos "homens preocupados ou tristes" surge menos como constatação melancólica (E) e mais como convite a um olhar renovado sobre o mundo – típico do projeto modernista de ressignificação do Brasil através de seus detalhes aparentemente insignificantes.
Deixe um comentário