E Jerônimo via e escutava, sentindo ir-se-lhe toda a alma pelos olhos enamorados. Naquela mulata estava o grande mistério, a síntese das impressões que ele recebeu chegando aqui: ela era a luz ardente do meio-dia; ela era o calor vermelho das sestas da fazenda; era o aroma quente dos trevos e das baunilhas, que o atordoara nas matas brasileiras; era a palmeira virginal e esquiva que se não torce a nenhuma outra planta; era o veneno e era o açúcar gostoso; era o sapoti mais doce que o mel e era a castanha do caju, que abre feridas com o seu azeite de fogo; ela era a cobra verde e traiçoeira, a lagarta viscosa, a muriçoca doida, que esvoaçava havia muito tempo em torno do corpo dele, assanhando-lhe os desejos, acordando-lhe as fibras embambecidas pela saudade da terra, picando-lhe as artérias, para lhe cuspir dentro do sangue uma centelha daquele amor setentrional, uma nota daquela música feita de gemidos de prazer, uma larva daquela nuvem de cantáridas que zumbiam em torno da Rita Baiana e espalhavam-se pelo ar numa fosforescência afrodisíaca. Isto era o que Jerônimo sentia, mas o que o tonto não podia conceber. De todas as impressões daquele resto de domingo só lhe ficou no espírito o entorpecimento de uma desconhecida embriaguez, não de vinho, mas de mel chuchurreado no cálice de flores americanas, dessas muito alvas, cheirosas e úmidas, que ele na fazenda via debruçadas confidencialmente sobre os limosos pântanos sombrios, onde as oiticicas trescalam um aroma que entristece de saudade. (AZEVEDO, Aluísio. O Cortiço. São Paulo: Ateliê Editorial, 2012. p. 152)Aluísio Azevedo (1857-1913) foi um dos principais nomes do Naturalismo no Brasil. Pode-se notar características da escola naturalista no trecho de O Cortiço pois
enamorados.
que ele recebeu chegando aqui: ela era a luz ardente do meio-dia; ela era
o calor vermelho das sestas da fazenda; era o aroma quente dos trevos e
das baunilhas, que o atordoara nas matas brasileiras; era a palmeira virginal e esquiva que se não torce a nenhuma outra planta; era o veneno e
era o açúcar gostoso; era o sapoti mais doce que o mel e era a castanha
do caju, que abre feridas com o seu azeite de fogo; ela era a cobra verde e
traiçoeira, a lagarta viscosa, a muriçoca doida, que esvoaçava havia muito
tempo em torno do corpo dele, assanhando-lhe os desejos, acordando-lhe
as fibras embambecidas pela saudade da terra, picando-lhe as artérias,
para lhe cuspir dentro do sangue uma centelha daquele amor setentrional, uma nota daquela música feita de gemidos de prazer, uma larva daquela nuvem de cantáridas que zumbiam em torno da Rita Baiana e espalhavam-se pelo ar numa fosforescência afrodisíaca.
De todas as impressões daquele resto de domingo só lhe ficou no espírito
o entorpecimento de uma desconhecida embriaguez, não de vinho, mas
de mel chuchurreado no cálice de flores americanas, dessas muito alvas,
cheirosas e úmidas, que ele na fazenda via debruçadas confidencialmente
sobre os limosos pântanos sombrios, onde as oiticicas trescalam um aroma que entristece de saudade.
Aluísio Azevedo (1857-1913) foi um dos principais nomes do Naturalismo no Brasil. Pode-se notar características da escola naturalista no
trecho de O Cortiço pois
- A)a personagem Rita Baiana é metaforizada em aspectos da fauna e flora brasileira;
- B)Jerônimo é caracterizado como um sujeito racional;
- C)a relação entre Jerônimo e Rita Baiana é desenvolvida de maneira ponderada;
- D)Rita Baiana, apesar de animalizada, consegue controlar seus instintos;
- E)a natureza brasileira se contrapõe às personagens.
Resposta:
A alternativa correta é A)
O trecho de O Cortiço, de Aluísio Azevedo, exemplifica claramente as características do Naturalismo, movimento literário que busca retratar o ser humano como produto do meio, da hereditariedade e dos instintos primitivos. A passagem descreve Jerônimo, um imigrante português, fascinado por Rita Baiana, cuja figura é metaforizada em elementos da natureza brasileira, como a "luz ardente do meio-dia", o "calor vermelho das sestas", e até mesmo animais e plantas que simbolizam tanto atração quanto perigo. Essa animalização e fusão com o ambiente reforçam a visão naturalista, que frequentemente reduz personagens a forças instintivas e passionais.
A alternativa correta, A), destaca justamente essa relação entre Rita Baiana e a natureza, mostrando como ela personifica o exótico e o sensual, elementos centrais na narrativa naturalista. O texto não apresenta Jerônimo como racional (eliminando B)), nem desenvolve a relação de forma ponderada (C)), já que predomina o desejo irrefreável. Rita, por sua vez, não controla seus instintos (D)), e a natureza não se opõe às personagens, mas as absorve (E)). Assim, a metáfora da fauna e flora sobre Rita Baiana sintetiza o determinismo ambiental típico do Naturalismo.
(Análise baseada no excerto de O Cortiço e nas características da escola naturalista)
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