Questões Sobre Realismo - Literatura - concurso
Questão 41
TEXTO 8
CAPÍTULO IV
Este Quincas Borba, se acaso me fizeste o favor
de ler as Memórias póstumas de Brás Cubas, é aquele
mesmo náufrago da existência, que ali aparece, mendigo,
herdeiro inopinado, e inventor de uma filosofia.
Aqui o tens agora em Barbacena. Logo que chegou,
enamorou-se de uma viúva, senhora de condição
mediana e parcos meios de vida; mas, tão acanhada,
que os suspiros no namorado ficavam sem eco.
Chamava-se Maria da Piedade. Um irmão dela, que
é o presente Rubião, fez todo o possível para casá-los.
Piedade resistiu, um pleuris a levou.
Foi esse trechozinho de romance que ligou os
dois homens. Saberia Rubião que o nosso Quincas
Borba trazia aquele grãozinho de sandice, que um médico supôs achar-lhe? Seguramente, não; tinha-o
por homem esquisito. É, todavia, certo que o grãozinho
não se despegou do cérebro de Quincas Borba,
— nem antes, nem depois da moléstia que lentamente
o comeu. Quincas Borba tivera ali alguns parentes,
mortos já agora em 1867; o último foi o tio que o
deixou por herdeiro de seus bens. Rubião ficou sendo
o único amigo do filósofo. Regia então uma escola
de meninos, que fechou para tratar do enfermo. Antes
de professor, metera ombros a algumas empresas,
que foram a pique.
Durou o cargo de enfermeiro mais de cinco meses,
perto de seis. Era real o desvelo de Rubião, paciente,
risonho, múltiplo, ouvindo as ordens do médico, dando os remédios às horas marcadas, saindo
a passeio com o doente, sem esquecer nada, nem o
serviço da casa, nem a leitura dos jornais, logo que
chegava a mala da Corte ou a de Ouro Preto.
— Tu és bom, Rubião, suspirava Quincas Borba.
— Grande façanha! Como se você fosse mau!
A opinião ostensiva do médico era que a doença do Quincas Borba iria saindo devagar. Um dia, o
nosso Rubião, acompanhando o médico até à porta
da rua, perguntou-lhe qual era o verdadeiro estado
do amigo. Ouviu que estava perdido, completamente
perdido; mas, que o fosse animando. Para que tornar-lhe
a morte mais aflitiva pela certeza…?
— Lá isso, não, atalhou Rubião; para ele, morrer
é negócio fácil. Nunca leu um livro que ele escreveu,
há anos, não sei que negócio de filosofia…
— Não; mas filosofia é uma coisa, e morrer de
verdade é outra; adeus.
(ASSIS, Machado de. Quincas Borba. São Paulo:
Ática, 2011. p. 23-24.)
Assinale a alternativa correta em relação ao Texto
8, Capítulo IV de Quincas Borba, de Machado de Assis:
- A)Para Rubião, o fato de Quincas Borba ser filósofo fazia dele alguém que saberia lidar com a morte sem dificuldades.
- B)Quincas Borba era apaixonado pela irmã de Rubião, mas ela fugiu com outro, deixando-o sozinho.
- C)Rubião animava Quincas Borba, pois o médico acreditava que a doença iria, aos poucos, deixá-lo.
- D)Rubião sempre foi um empreendedor de sucesso que decidiu abandonar a carreira para cuidar do amigo enfermo.
A alternativa correta é A)
O texto em análise, extraído do Capítulo IV de Quincas Borba de Machado de Assis, apresenta a relação entre os personagens Quincas Borba e Rubião, destacando aspectos filosóficos, emocionais e práticos dessa interação. A alternativa correta, conforme o gabarito, é a A), que afirma: "Para Rubião, o fato de Quincas Borba ser filósofo fazia dele alguém que saberia lidar com a morte sem dificuldades."
Essa interpretação é corroborada pelo trecho em que Rubião, ao conversar com o médico, menciona que Quincas Borba escrevera um livro de filosofia anos antes, sugerindo que a visão do amigo sobre a morte seria mais serena ou teórica. Rubião parece acreditar que a filosofia de Quincas Borba o tornaria indiferente ao temor da morte, como indica sua fala: "Nunca leu um livro que ele escreveu, há anos, não sei que negócio de filosofia...". O médico, porém, contrapõe essa ideia, afirmando que "filosofia é uma coisa, e morrer de verdade é outra", evidenciando o abismo entre a reflexão abstrata e a realidade concreta.
As demais alternativas estão incorretas: B) descreve erroneamente o destino de Maria da Piedade, que morreu de pleuris, e não fugiu; C) distorce a opinião do médico, que, apesar de inicialmente transmitir esperança a Rubião, revela em particular que Quincas Borba estava "completamente perdido"; e D) ignora as falhas empreendedoras de Rubião, mencionadas no texto ("metera ombros a algumas empresas, que foram a pique").
Assim, a alternativa A) é a única que se alinha com a narrativa e o diálogo entre os personagens, reforçando a ambiguidade entre a filosofia e a experiência humana da morte — tema caro a Machado de Assis.
Questão 42
- A)Leonardo (filho), de Memórias de um sargento de milícias.
- B)Jão Fera, de Til.
- C)Brás Cubas, de Memórias póstumas de Brás Cubas.
- D)Jerônimo, de O cortiço.
- E)Pedro Bala, de Capitães da Areia.
A alternativa correta é C)
O excerto de A cidade e as serras, de Eça de Queirós, apresenta a transformação de Jacinto, personagem que, após se afastar da vida urbana e artificial, encontra plenitude ao se reconectar com a natureza e a simplicidade da vida rural. Sua trajetória culmina em uma existência próspera e harmoniosa, simbolizada pela imagem da árvore que floresce e frutifica, beneficiando aqueles que a cercam. Esse destino contrasta fortemente com o desfecho de outras personagens da literatura brasileira, especialmente Brás Cubas, de Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis.
Enquanto Jacinto alcança uma realização pessoal e social, Brás Cubas encerra sua vida de forma niilista, declarando que não teve filhos e não transmitiu a nenhuma criatura o legado de sua miséria. Sua trajetória é marcada pelo egoísmo, pela superficialidade e pela falta de propósito, resultando em uma existência vazia e sem significado. O contraste entre os dois personagens é evidente: Jacinto se regenera e floresce, enquanto Brás Cubas definha em sua própria mediocridade.
As outras opções apresentadas não se adequam ao contraste estabelecido. Leonardo (filho), de Memórias de um sargento de milícias, tem um destino mais convencional, sem a profundidade da transformação de Jacinto. Jão Fera, de Til, e Jerônimo, de O cortiço, são personagens marcados pela tragédia e pela degradação moral, mas suas histórias não dialogam diretamente com a ideia de regeneração presente em Jacinto. Pedro Bala, de Capitães da Areia, embora tenha um arco de amadurecimento, não alcança a mesma plenitude simbólica.
Portanto, o destino de Jacinto contrasta de modo mais completo com o de Brás Cubas, pois enquanto um encontra significado na simplicidade e na generosidade, o outro permanece preso a uma existência fútil e sem transcendência.
Questão 43
- A)o retorno a sua terra natal.
- B)a conversão religiosa.
- C)o trabalho manual na lavoura.
- D)a mudança da cidade para o campo.
- E)o banimento das inovações tecnológicas.
A alternativa correta é D)
O trecho de A Cidade e as Serras, de Eça de Queirós, retrata a transformação de D. Jacinto por meio de uma rica metáfora botânica. O personagem, antes comparado a um "ressequido galho da Cidade", renasce ao se estabelecer na serra, enraizando-se e florescendo como uma árvore vigorosa. Essa mudança não se limita ao aspecto físico, mas abrange também sua condição moral e social, tornando-o "forte, sereno, ditoso, benéfico, nobre".
A análise das imagens empregadas no texto revela que a causa principal dessa transformação reside na mudança da cidade para o campo (alternativa D). A passagem do ambiente urbano para o rural permite que Jacinto se reconecte com a natureza e com valores mais autênticos. A metáfora da árvore que se desenvolve após ser transplantada para solo fértil simboliza essa transição, destacando como o contato com a terra e a vida simples da serra foram essenciais para seu florescimento pessoal.
As demais alternativas não encontram sustentação no texto. Não há menção a um retorno às origens (A), conversão religiosa (B), trabalho manual (C) ou rejeição à tecnologia (E). A transformação de Jacinto decorre fundamentalmente da mudança geográfica e do estilo de vida que ela proporciona, representando uma crítica à artificialidade da vida urbana e uma celebração da simplicidade rural.
Questão 44
O livro a que se refere a autora é
- A)Memórias de um sargento de milícias.
- B)Til.
- C)Memórias póstumas de Brás Cubas.
- D)O cortiço.
- E)A cidade e as serras.
A alternativa correta é C)
O trecho apresentado por Lúcia Miguel-Pereira em sua obra História da Literatura Brasileira descreve características marcantes de um livro que rompeu com as convenções literárias de sua época. A autora destaca a ausência de sentimentalismo superficial, a negação da unidade fictícia da pessoa humana, a rejeição a frases piegas e o abandono da ideia de que o amor predomina sobre outras paixões. Além disso, menciona a construção de uma grande obra sem a necessidade de recorrer à natureza e a substituição da influência francesa pela inglesa.
Esses elementos apontam claramente para Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, obra que revolucionou a literatura brasileira ao introduzir o Realismo no país. Publicado em 1881, o livro é narrado por um defunto-autor, Brás Cubas, que descreve sua vida de forma irônica e crítica, subvertendo expectativas e rompendo com os padrões românticos. A estrutura fragmentada, o humor ácido e a análise psicológica profunda dos personagens confirmam a identificação com o texto citado.
As outras opções apresentadas não se encaixam na descrição fornecida. Memórias de um Sargento de Milícias (A) pertence ao Romantismo e tem um tom mais popular; Til (B) e A Cidade e as Serras (E) são obras de José de Alencar e Eça de Queirós, respectivamente, sem o mesmo caráter inovador; já O Cortiço (D), de Aluísio Azevedo, é naturalista e prioriza a influência do meio sobre os personagens.
Portanto, a resposta correta é C) Memórias Póstumas de Brás Cubas, obra que representa uma virada na prosa de ficção brasileira e corrobora plenamente as observações de Lúcia Miguel-Pereira.
Questão 45
Leia o capítulo de Memórias Póstumas de Brás Cubas, de
Machado de Assis, para responder às questões de números
71 a 74.
O cimo da montanha
Entrei a amar Virgília com muito mais ardor, depois que
estive a pique de a perder, e a mesma coisa lhe aconteceu a
ela. Assim, a presidência não fez mais do que avivar a afeição
primitiva; foi a droga com que tornamos mais saboroso o nosso
amor, e mais prezado também. Nos primeiros dias, depois daquele
incidente, folgávamos de imaginar a dor da separação,
se houvesse separação, a tristeza de um e de outro, à proporção que o mar, como uma toalha elástica, se fosse dilatando
entre nós; e, semelhantes às crianças, que se achegam ao
regaço das mães, para fugir a uma simples careta, fugíamos
do suposto perigo, apertando-nos com abraços.
Scheherazade* o dos seus contos. Esse foi, cuido eu, o ponto
máximo do nosso amor, o cimo da montanha, donde por algum
tempo divisamos os vales de leste e de oeste, e por cima de
nós o céu tranquilo e azul. Repousado esse tempo, começamos
a descer a encosta, com as mãos presas ou soltas, mas
a descer, a descer…
conta ao sultão as histórias que vão adiando a sentença de morte dela.
No contexto de Memórias póstumas de Brás Cubas, o
trecho – Repousado esse tempo, começamos a descer a
encosta, com as mãos presas ou soltas, mas a descer, a
descer… – contribui para a descrição do amor de maneira
realista, pois sinaliza que a relação amorosa
- A)se torna mais forte com o tempo.
- B)permanece inalterada com o tempo.
- C)é indiferente aos acontecimentos.
- D)tende a durar eternamente.
- E)está sujeita a um fim inevitável.
A alternativa correta é E)
O trecho de Memórias Póstumas de Brás Cubas, em que Brás Cubas descreve o amor entre ele e Virgília como um "cimo da montanha" seguido de uma descida inevitável, ilustra a visão realista de Machado de Assis sobre as relações humanas. O narrador compara o auge da paixão ao topo de uma montanha, onde tudo parece perfeito e sereno, mas logo em seguida reconhece que o amor começa a declinar, simbolizado pela descida da encosta. Essa metáfora sugere que, assim como a subida é seguida pela queda, o amor também está fadado a um fim gradual, mesmo que as mãos estejam "presas ou soltas".
A opção correta, E), afirma que a relação amorosa "está sujeita a um fim inevitável", o que está em consonância com o tom pessimista e irônico de Machado de Assis. O autor não romantiza o amor como algo eterno ou imutável; pelo contrário, ele o retrata de forma crua, mostrando que até os sentimentos mais intensos estão sujeitos ao desgaste do tempo e às vicissitudes da vida. A descrição da descida da montanha reforça a ideia de que o amor, por mais forte que seja, não escapa à decadência, um tema recorrente na obra machadiana.
Assim, o trecho em questão contribui para a narrativa realista ao apresentar o amor não como um ideal sublime, mas como uma experiência passageira, marcada por altos e baixos, e que, inevitavelmente, caminha para o seu término.
Questão 46
Sugestão para as Copas do futuro
Ao xeretar sites internacionais para saber como os estrangeiros veem a Copa no Brasil, descubro que até em Taiwan, aquela porção da velha China que não abraçou o comunismo, o povo está passando as noites em claro para acompanhar os jogos de futebol.
O que não seria nada de extraordinário, a não ser pelo fato de que, lá, o esporte nacional é o beisebol. Futebol, aliás, ainda é coisa rara em Taiwan: hoje, o país ocupa a 176.ª posição dentre as 207 do ranking da Fifa, atrás, por exemplo, da Suazilândia e das Ilhas Comores. Atrás, inclusive, da Índia, país que possui uma relação sui generis com quase todos os esportes, já que, a despeito de sua gigantesca população, não parece tão preocupado em brilhar nos grandes torneios internacionais, exceção feita às competições de críquete.
As madrugadas de Copa do Mundo em Taiwan apenas confirmam a óbvia transnacionalização do futebol. Algo que, por um lado, justifica as bilionárias e constrangedoras exigências feitas pela Fifa aos países-sede. Por outro lado, porém, o mesmo agigantamento institucional tende a fazer com que o torneio seja sediado, sempre, por países que já disponham de toda a infraestrutura e dos recursos necessários ou, então, por aqueles que, como o Brasil, a África do Sul e a Rússia (sede em 2018), usam a Copa como forma de afirmação de protagonismo internacional.
É aí, então, que a coisa fica mais curiosa, que assume ares de paradoxo, uma vez que, ao mesmo tempo em que se transnacionaliza e se desenraiza, o esporte acaba por se concentrar em certas áreas do globo, o que reproduz uma lógica geopolítica (centro x periferia) muito conhecida.
Algo que, podemos pensar, pouco importa, desde que possamos ligar a tevê e ver os jogos. A Copa, afinal, é um colosso que só comporta a poesia que, por um bom preço, sai dos pés dos jogadores.
Mesmo assim, fico imaginando que não seria desinteressante assistir, a exemplo do que aconteceu em 2002, a torneios mundiais de futebol sediados por dois ou mais países. Uma Copa dos Países Bálticos, por exemplo; dos Países Baixos; do norte da África; do Cone Sul; e até, coisa cada vez menos improvável, Taiwan-China. O que, no mínimo, tornaria a coisa mais sustentável, e a Fifa, uma instituição mais simpática.
Disponível em:
http://www.gazetadopovo.com.br/colunistas
O trecho, a seguir, encerra a obra literária que marcou o início do Realismo no Brasil, Memórias Póstumas de Brás Cubas: “Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria”. Quem escreveu a obra citada?
- A)José de Alencar.
- B)Machado de Assis.
- C)Jorge Amado.
- D)Graciliano Ramos
A alternativa correta é B)
Sugestão para as Copas do futuro
Ao xeretar sites internacionais para saber como os estrangeiros veem a Copa no Brasil, descubro que até em Taiwan, aquela porção da velha China que não abraçou o comunismo, o povo está passando as noites em claro para acompanhar os jogos de futebol. O que não seria nada de extraordinário, a não ser pelo fato de que, lá, o esporte nacional é o beisebol. Futebol, aliás, ainda é coisa rara em Taiwan: hoje, o país ocupa a 176.ª posição dentre as 207 do ranking da Fifa, atrás, por exemplo, da Suazilândia e das Ilhas Comores. Atrás, inclusive, da Índia, país que possui uma relação sui generis com quase todos os esportes, já que, a despeito de sua gigantesca população, não parece tão preocupado em brilhar nos grandes torneios internacionais, exceção feita às competições de críquete.
As madrugadas de Copa do Mundo em Taiwan apenas confirmam a óbvia transnacionalização do futebol. Algo que, por um lado, justifica as bilionárias e constrangedoras exigências feitas pela Fifa aos países-sede. Por outro lado, porém, o mesmo agigantamento institucional tende a fazer com que o torneio seja sediado, sempre, por países que já disponham de toda a infraestrutura e dos recursos necessários ou, então, por aqueles que, como o Brasil, a África do Sul e a Rússia (sede em 2018), usam a Copa como forma de afirmação de protagonismo internacional.
É aí, então, que a coisa fica mais curiosa, que assume ares de paradoxo, uma vez que, ao mesmo tempo em que se transnacionaliza e se desenraiza, o esporte acaba por se concentrar em certas áreas do globo, o que reproduz uma lógica geopolítica (centro x periferia) muito conhecida.
Algo que, podemos pensar, pouco importa, desde que possamos ligar a tevê e ver os jogos. A Copa, afinal, é um colosso que só comporta a poesia que, por um bom preço, sai dos pés dos jogadores.
Mesmo assim, fico imaginando que não seria desinteressante assistir, a exemplo do que aconteceu em 2002, a torneios mundiais de futebol sediados por dois ou mais países. Uma Copa dos Países Bálticos, por exemplo; dos Países Baixos; do norte da África; do Cone Sul; e até, coisa cada vez menos improvável, Taiwan-China. O que, no mínimo, tornaria a coisa mais sustentável, e a Fifa, uma instituição mais simpática.
Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/colunistas
O trecho, a seguir, encerra a obra literária que marcou o início do Realismo no Brasil, Memórias Póstumas de Brás Cubas: "Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria". Quem escreveu a obra citada?
- A) José de Alencar.
- B) Machado de Assis.
- C) Jorge Amado.
- D) Graciliano Ramos.
O gabarito correto é B).
Questão 47
Leia o seguinte excerto de Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis:
Deixa lá dizer Pascal que o homem é um caniço pensante. Não; é uma errata pensante, isso sim. Cada estação da vida é uma edição, que corrige a anterior, e que será corrigida também, até a edição definitiva, que o editor dá de graça aos vermes.
(Machado de Assis, Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001, p.120.)
Na passagem citada, a substituição da máxima pascalina de que o homem é um caniço pensante pelo enunciado “o homem é uma errata pensante” significa
- A)a realização da contabilidade dos erros acumulados na vida porque, em última instância, não há “edição definitiva”.
- B)a tomada de consciência do caráter provisório da existência humana, levando à celebração de cada instante vivido.
- C)a tomada de consciência do caráter provisório da existência humana e a percepção de que esta é passível de correção.
- D)a ausência de sentido em “cada estação da vida”, já que a morte espera o homem em sua “edição definitiva”.
A alternativa correta é C)
No excerto de Memórias póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis subverte a famosa máxima de Pascal, "o homem é um caniço pensante", propondo em seu lugar que "o homem é uma errata pensante". Essa alteração não é meramente retórica, mas carrega uma profunda reflexão sobre a condição humana e a natureza transitória da existência.
A metáfora da "errata pensante" sugere que a vida humana é um processo contínuo de revisão e correção, onde cada fase ("edição") tenta aprimorar a anterior, sem nunca alcançar uma versão perfeita ou definitiva. Diferentemente da imagem pascalina, que enfatiza a fragilidade do homem diante do universo, a errata machadiana destaca o caráter dinâmico e mutável da experiência humana.
A alternativa correta (C) capta precisamente essa dualidade: por um lado, a consciência da provisoriedade da existência (já que nenhuma edição é final até a morte) e, por outro, a possibilidade de constante reelaboração da própria vida. Machado não nega o aspecto frágil apontado por Pascal, mas acrescenta a dimensão ativa do pensamento humano, capaz de revisar-se continuamente.
As demais alternativas falham em abarcar essa complexidade: a letra A reduz a existência a um mero acúmulo de erros; a B enfatiza apenas o carpe diem, ignorando o aspecto corretivo; e a D, ao focar no niilismo da morte, perde de vista o processo vital de transformação que o trecho evoca.
Questão 48
No fragmento a seguir, extraído do capítulo XIV das Memórias póstumas de Brás Cubas, o narrador
conta como ele conheceu Marcela, que viria a ser o primeiro amor de sua vida.
Via-a, pela primeira vez, no Rossio Grande, na noite das luminárias, logo que constou a declaração da
independência, uma festa de primavera, um amanhecer da alma pública. Éramos dous rapazes, o povo e eu; vínhamos da infância, com todos os arrebatamentos da juventude. Via-a sair de uma cadeirinha, airosa e vistosa, um corpo esbelto, ondulante, um desgarre, alguma coisa que nunca achara nas mulheres puras. – Segue-me, disse ela ao pajem. E eu seguia-a, tão pajem como o outro,
como se a ordem me fosse dada, deixei-me ir namorado, vibrante, cheio das primeiras auroras. A meio caminho, chamaram-lhe “linda Marcela”, lembrou-me que ouvira tal nome a meu tio João, e fiquei, confesso que fiquei tonto. (…)
Machado de Assis, Memórias póstumas de Brás Cubas.
A ideia do narrador de que ele e “o povo” eram “dous rapazes” está ligada ao fato de Brás Cubas ser jovem e
- A)o Brasil estar abolindo a escravidão no final do século XIX.
- B)o país ter obtido sua independência econômica da Inglaterra.
- C)o povo brasileiro estar iniciando a fase nacional de nossa história.
- D)a independência política do Brasil ter ocorrido precocemente.
- E)Portugal querer que o país paulatinamente se desligasse da metrópole.
A alternativa correta é C)
No fragmento das Memórias Póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis constrói uma metáfora significativa ao comparar o narrador e "o povo" a "dous rapazes" que emergem da infância para a juventude. Essa analogia não se limita apenas à experiência individual de Brás Cubas, mas reflete um momento histórico crucial para o Brasil: o início de sua vida como nação independente.
A opção correta (C) aponta para a interpretação de que o povo brasileiro estava iniciando a fase nacional de sua história, assim como Brás Cubas vivia sua juventude. A cena ocorre durante as celebrações da independência, um "amanhecer da alma pública", como descreve o narrador. Esse paralelo entre o despertar da vida adulta do protagonista e o despertar político do país é central no trecho.
Machado de Assis, com sua ironia característica, sugere que tanto Brás Cubas quanto o Brasil estavam em um momento de formação, cheios de expectativas e arrebatamentos, mas também de ingenuidades. A juventude do narrador espelha a juventude da nação, ambos em um processo de descoberta de si mesmos e do mundo.
As outras alternativas não se sustentam no contexto do fragmento. A independência política (D) não é tratada como precoce, mas como um marco natural de crescimento. Não há menção à abolição (A), à independência econômica da Inglaterra (B) ou a um desligamento paulatino de Portugal (E). O foco está na metáfora do nascimento de uma nova fase histórica, representada pela juventude do protagonista e do país.
Questão 49
Talvez pareça excessivo o escrúpulo do Cotrim, a quem não souber que ele possuía um caráter ferozmente honrado. Eu mesmo fui injusto com ele durante os anos que se seguiram ao inventário de meu pai. Reconheço que era um modelo. Arguíam-no de avareza, e cuido que tinham razão; mas a avareza é apenas a exageração de uma virtude, e as virtudes devem ser como os orçamentos: melhor é o saldo que o déficit. Como era muito seco de maneiras, tinha inimigos que chegavam a acusá-lo de bárbaro. O único fato alegado neste particular era o de mandar com frequência escravos ao calabouço, donde eles desciam a escorrer sangue; mas, além de que ele só mandava os perversos e os fujões, ocorre que, tendo longamente contrabandeado em escravos, habituara-se de certo modo ao trato um pouco mais duro que esse gênero de negócio requeria, e não se pode honestamente atribuir à índole original de um homem o que é puro efeito de relações sociais. A prova de que o Cotrim tinha sentimentos pios encontrava-se no seu amor aos filhos, e na dor que padeceu quando morreu Sara, dali a alguns meses; prova irrefutável, acho eu, e não única. Era tesoureiro de uma confraria, e irmão de várias irmandades, e até irmão remido de uma destas, o que não se coaduna muito com a reputação da avareza; verdade é que o benefício não caíra no chão: a irmandade (de que ele fora juiz) mandara-lhe tirar o retrato a óleo.
A SSIS, M. Memórias póstum as de Brás Cubas. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992.
Obra que inaugura o Realismo na literatura brasileira, Memórias póstumas de Brás Cubas condensa uma expressividade que caracterizaria o estilo machadiano: a ironia. Descrevendo a moral de seu cunhado, Cotrim, o narrador-personagem Brás Cubas refina a percepção irônica ao
- A)acusar o cunhado de ser avarento para confessar-se injustiçado na divisão da herança paterna.
- B)atribuir a “efeito de relações sociais” a naturalidade com que Cotrim prendia e torturava os escravos.
- C)considerar os “sentimentos pios” demonstrados pelo personagem quando da perda da filha Sara.
- D)menosprezar Cotrim por ser tesoureiro de uma confraria e membro remido de várias irmandades.
- E)insinuar que o cunhado era um homem vaidoso e egocêntrico, contemplado com um retrato a óleo.
A alternativa correta é B)
No trecho de Memórias Póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis constrói uma narrativa marcada pela ironia fina e crítica, característica fundamental do Realismo brasileiro. Ao descrever o caráter de Cotrim, o narrador-personagem Brás Cubas apresenta uma aparente defesa do cunhado, mas, na verdade, expõe as contradições e a hipocrisia de sua moral.
A ironia machadiana se revela principalmente na justificativa que Brás Cubas oferece para a crueldade de Cotrim com os escravos. Ao atribuir esse comportamento a um "efeito de relações sociais", o narrador não apenas naturaliza a violência, mas também critica a sociedade escravocrata da época, que banalizava a brutalidade contra os cativos. A frieza com que Brás Cubas relata as punições — "desciam a escorrer sangue" — reforça a crítica indireta de Machado à desumanização do sistema.
Outro aspecto irônico é a tentativa de redimir Cotrim por meio de supostas virtudes, como o amor aos filhos e a participação em irmandades religiosas. O narrador parece elogiar esses traços, mas a menção ao retrato a óleo encomendado pela confraria revela um caráter vaidoso e interesseiro, desconstruindo a imagem de homem piedoso.
Dessa forma, Machado de Assis utiliza a ironia para desmascarar não apenas a personalidade de Cotrim, mas também os valores de uma elite que misturava religiosidade, caridade e violência escravista sem qualquer conflito moral. A alternativa B) é a que melhor capta essa crítica sutil, ao destacar como o narrador relativiza a barbárie ao enquadrá-la como mero "efeito" das relações sociais vigentes.
Questão 50
Em quatro das alternativas abaixo, registram-se alguns dos aspectos que, para bem caracterizar o gênero e o estilo das Memórias póstumas de Brás Cubas, o crítico J. G. Merquior pôs em relevo nessa obra de Machado de Assis. A única alternativa que, invertendo, aliás, o juízo do mencionado crítico, aponta uma característica que NÃO se aplica à obra em questão é:
- A)ausência praticamente completa de distanciamento enobrecedor na figuração das personagens e de suas ações.
- B)mistura do sério e do cômico, de que resulta uma abordagem humorística das questões mais cruciais.
- C)ampla liberdade do texto em relação aos ditames da verossimilhança.
- D)emprego de uma linguagem que evita chamar a atenção sobre si mesma, apagando-se, assim, por detrás da coisa narrada.
- E)uso frequente de gêneros intercalados ? por exemplo, cartas ou bilhetes, historietas etc. ? embutidos no conjunto da obra global.
A alternativa correta é D)
O romance Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, é uma obra marcante da literatura brasileira, conhecida por sua inovação estilística e pela abordagem irônica e crítica da sociedade do século XIX. O crítico J. G. Merquior destacou diversos aspectos que definem o gênero e o estilo da obra, mas uma das alternativas apresentadas inverte seu juízo e aponta uma característica que não se aplica ao livro.
Analisando as opções:
- A) A ausência de distanciamento enobrecedor na figuração das personagens e de suas ações é uma característica marcante da obra. Brás Cubas, narrador e protagonista, não idealiza a si mesmo nem aos outros, expondo suas falhas e vícios com franqueza.
- B) A mistura do sério e do cômico é essencial no romance, criando um tom humorístico mesmo ao abordar temas cruciais como a morte, o amor e a hipocrisia social.
- C) A liberdade em relação à verossimilhança é evidente, já que o narrador é um defunto-autor, rompendo com as convenções realistas e explorando digressões e reflexões filosóficas.
- D) Esta é a alternativa incorreta. A linguagem de Machado de Assis em Memórias Póstumas de Brás Cubas é altamente elaborada e reflexiva, chamando atenção para si mesma com ironia, metalinguagem e jogos de palavras, não se apagando diante da narrativa.
- E) O uso de gêneros intercalados, como cartas, bilhetes e pequenas histórias dentro da narrativa principal, é uma técnica frequente na obra, enriquecendo sua estrutura fragmentária.
Portanto, a alternativa D) é a que não se aplica ao estilo da obra, conforme apontado no gabarito. A linguagem machadiana, longe de ser discreta, é um dos elementos mais marcantes de sua prosa, repleta de nuances e complexidade.