Livro sobre nada (Manoel de Barros) É mais fácil fazer da tolice um regalo do que da sensatez. Tudo que não invento é falso. Há muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira. Tem mais presença em mim o que me falta. Melhor jeito que achei para me conhecer foi fazendo o contrário. Sou muito preparado de conflitos. Não pode haver ausência de boca nas palavras: nenhuma fique desamparada do ser que a revelou. O meu amanhecer vai ser de noite. Melhor que nomear é aludir. Verso não precisa dar noção. O que sustenta a encantação de um verso (além do ritmo) é o ilogismo. Meu avesso é mais visível do que um poste. Sábio é o que adivinha. Para ter mais certezas tenho que me saber de imperfeições. A inércia é meu ato principal. Não saio de dentro de mim nem para pescar. Sabedoria pode ser que seja estar uma árvore. Estilo é um modelo anormal de expressão: é estigma. Peixe não tem honras nem horizontes. Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada; mas quando não desejo contar nada, faço poesia. Eu queria ser lido pelas pedras. As palavras me escondem sem cuidado. Aonde eu não estou as palavras me acham. Há histórias tão verdadeiras que às vezes parece que são inventadas. Uma palavra abriu o roupão para mim. Ela deseja que eu a seja. A terapia literária consiste em desarrumar a linguagem a ponto que ela expresse nossos mais fundos desejos. Quero a palavra que sirva na boca dos passarinhos. Esta tarefa de cessar é que puxa minhas frases para antes de mim. Ateu é uma pessoa capaz de provar cientificamente que não é nada. Só se compara aos santos. Os santos querem ser os vermes de Deus. Melhor para chegar a nada é descobrir a verdade. O artista é erro da natureza. Beethoven foi um erro perfeito. Por pudor sou impuro. O branco me corrompe. Não gosto de palavra acostumada. A minha diferença é sempre menos. Palavra poética tem que chegar ao grau de brinquedo para ser séria. Não preciso do fim para chegar. Do lugar onde estou já fui embora.Manoel Wenceslau Leite de Barros foi um poeta brasileiro do Século XX, pertencente, cronologicamente, à geração de 45, mais formalmente ao Pós-Modernismo Brasileiro, situando-se mais próximo das vanguardas europeias do início do Século XX, da Poesia Pau-Brasil e da Antropofagia de Oswald de Andrade. Sobre o poeta mato-grossense, marque os itens com V (verdadeiro) ou F (falso) e assinale a alternativa correta: ( ) Sua poesia tem como uma das principais características o pantanal, indo sua temática para muito além do paisagismo inócuo. ( ) Seus poemas se plasmam, por meio de sua natureza e de seu cotidiano, a linguagem poética procura transformar em tátil, olfativo, visual, gustativo e auditivo aquilo que é paradoxalmente abstrato. ( ) Transfigurando poeticamente o universo em suas aparentes e visíveis minúcias, sublinha em realidade, a estreita dimensão dos seres humanos diante da natureza, diante da linguagem, diante do cosmos. ( ) Aborda o uso de vocabulário coloquial-rural e de uma sintaxe que homenageia a oralidade e a oralitura, ampliando as possibilidades expressivas e comunicativas do léxico por meio da formação de palavras novas (neologismos).
Livro sobre nada (Manoel de Barros)
É mais fácil fazer da tolice um regalo do que da sensatez.
Tudo que não invento é falso.
Há muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira.
Tem mais presença em mim o que me falta.
Melhor jeito que achei para me conhecer foi fazendo o contrário.
Sou muito preparado de conflitos.
Não pode haver ausência de boca nas palavras: nenhuma fique desamparada do ser que a revelou.
O meu amanhecer vai ser de noite.
Melhor que nomear é aludir.
Verso não precisa dar noção.
O que sustenta a encantação de um verso (além do ritmo) é o ilogismo.
Meu avesso é mais visível do que um poste.
Sábio é o que adivinha.
Para ter mais certezas tenho que me saber de imperfeições.
A inércia é meu ato principal.
Não saio de dentro de mim nem para pescar.
Sabedoria pode ser que seja estar uma árvore.
Estilo é um modelo anormal de expressão: é estigma.
Peixe não tem honras nem horizontes.
Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada; mas quando não desejo contar nada, faço poesia.
Eu queria ser lido pelas pedras.
As palavras me escondem sem cuidado.
Aonde eu não estou as palavras me acham.
Há histórias tão verdadeiras que às vezes parece que são inventadas.
Uma palavra abriu o roupão para mim.
Ela deseja que eu a seja.
A terapia literária consiste em desarrumar a linguagem a ponto que ela expresse nossos mais fundos
desejos.
Quero a palavra que sirva na boca dos passarinhos.
Esta tarefa de cessar é que puxa minhas frases para antes de mim.
Ateu é uma pessoa capaz de provar cientificamente que não é nada.
Só se compara aos santos.
Os santos
querem ser os vermes de Deus.
Melhor para chegar a nada é descobrir a verdade.
O artista é erro da natureza. Beethoven foi um erro perfeito.
Por pudor sou impuro.
O branco me corrompe.
Não gosto de palavra acostumada.
A minha diferença é sempre menos.
Palavra poética tem que chegar ao grau de brinquedo para ser séria.
Não preciso do fim para chegar.
Do lugar onde estou já fui embora.
cronologicamente, à geração de 45, mais formalmente ao Pós-Modernismo Brasileiro, situando-se mais
próximo das vanguardas europeias do início do Século XX, da Poesia Pau-Brasil e da Antropofagia de
Oswald de Andrade.
correta:
do paisagismo inócuo.
transformar em tátil, olfativo, visual, gustativo e auditivo aquilo que é paradoxalmente abstrato.
a estreita dimensão dos seres humanos diante da natureza, diante da linguagem, diante do cosmos.
ampliando as possibilidades expressivas e comunicativas do léxico por meio da formação de palavras
novas (neologismos).
- A)V - V - V - V.
- B)V - F - V - V.
- C)V - V - F - V.
- D)V - V - V - F.
Resposta:
A alternativa correta é A)
Livro sobre nada (Manoel de Barros)
Manoel de Barros, poeta mato-grossense, constrói em sua obra um universo singular, onde o "nada" se revela como matéria-prima da criação poética. Sua linguagem, aparentemente simples, desvela camadas profundas de significado, transformando o insignificante em essência literária. O poeta opera uma alquimia verbal que subverte a lógica convencional, elevando o cotidiano e o trivial à condição de arte.
Barros desenvolve uma poética que celebra o inútil, o mínimo e o aparentemente sem importância. Frases como "Tudo que não invento é falso" e "Há muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira" revelam sua concepção de que a verdadeira criação nasce da capacidade de ver o mundo com olhos desautomatizados. Sua escrita constitui um exercício contínuo de desaprender, como sugere em "Melhor jeito que achei para me conhecer foi fazendo o contrário".
A natureza pantaneira permeia sua obra, não como pano de fundo decorativo, mas como elemento constitutivo de sua linguagem. O poeta transforma o ambiente rural em matéria poética, criando uma sintaxe que homenageia a oralidade e inventa novas palavras para expressar o inexprimível. Seus versos, como "Quero a palavra que sirva na boca dos passarinhos", demonstram essa busca por uma linguagem primordial, anterior à racionalidade.
O ilogismo aparece como força motriz da poesia barrosiana. Afirmações como "O que sustenta a encantação de um verso (além do ritmo) é o ilogismo" revelam sua crença no poder criativo do nonsense. Essa postura aproxima sua obra das vanguardas modernistas, especialmente da Antropofagia oswaldiana, embora com uma voz absolutamente pessoal e reconhecível.
Manoel de Barros constrói uma poesia que é, paradoxalmente, profundamente enraizada no local (o Pantanal) e universal em seu alcance. Sua capacidade de transfigurar poeticamente as minúcias do mundo, como indicado na questão, revela a pequenez humana diante da vastidão do cosmos. A alternativa correta é, portanto, a A) V - V - V - V, pois todas as afirmações sobre sua obra são verdadeiras e complementares.
Por fim, o poeta nos deixa como legado a lição de que "Palavra poética tem que chegar ao grau de brinquedo para ser séria", sintetizando sua visão de que a verdadeira profundidade só se alcança através do jogo e da liberdade criativa.
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